01 September 2007

SMETAK IMPREVISTO


Por onde mesmo que eu descia do Campo Grande pro Unhão em 76? ni idea... Fui andando por aquelas ruas pra ver se minha memória desse um click e pudesse de repente lembrar. Todas eram familiares, poderia ser nessa, ou naquela... Largo dos Aflitos.... mmmm.... Rua Carlos Gomes... mmmm.... todo suenabame. Este viaduto..... mmmm..... o "saara"da Av. Sete.... mmmm... nesta busca labiríntica acabei chegando lá, por um caminho mais complicado, mais longo, mas cheguei. To descendo a rampa do Unhão (MAM), quando ouço uma voz me chamar, e não era vinda do além, como tudo até então parecia ser: era real, era carne e osso, era a Jasmin, a produtora do evento, que eu só conhecia por email (numa inspirada madrugada ela conseguiu me achar na rede -que maravilha que é a internet- fui encontrada mesmo tendo mudado de nome!) e logo me contactou para falar da exposição, dar depoimento etc etc.... e fomos percorrendo tudo por ali, ainda faltava muita coisa, operários pintando o lado de fora da capela, outros fixando as cabaças e as cordas no tótem SMETAK IMPREVISTO no jardim, placas sendo afixadas... perfumaria, como ela disse... Entramos na casa grande e minha boca abriu para não mais fechar: as Plásticas Sonoras estavam lindíssimas, super-conservadas, aliás mais do que quando eu tocava nelas nos anos 70... Que sensação rever estes instrumentos, era como se eu estivesse reencontrando pedaços de mim que tinham ficado pregados ali neles. Conhecia cada um tão bem... tocado em cada um tanto... lembranças de situações, cheiros, a voz dele, sua mão grande e áspera, a temperatura do ar, a fumaça de seu cigarro-seda com tabaco Trevo apertado, cola, ferrugem, pó de cupim ...

Tudo a ver a exposição ser no Solar do Unhão, que é um conjunto arquitetônico tombado pelo IPHAN, e restaurado pela Lina Bo Bardi em 69. No século XVII era um engenho de açúcar à beira-mar, do mesmo tipo dos engenhos encontrados na zona da mata (casa grande, capela, senzala).



A casa grande abriga hoje o Museu de Arte Moderna da Bahia, e a capela de Nossa Senhora da Conceição faz parte do conjunto. A OBRA -as Plásticas Sonoras de Smetak- está exposta na casa grande (casamento perfeito com aquele interior moderno, escada de madeira em espiral, divisórias curvas, iluminação indireta suave focando cada instrumento)












e na capela está O HOMEM: cabaças-vídeos (senta-se, coloca-se um fone, a cabaça no colo, e assiste-se os vídeos de filmes e depoimentos sobre Smetak)






objetos pessoais, fotos e filmezinhos caseiros projetados, e o mais impressionante de tudo: bem no meio ao fundo, a réplica de O OVO, um estúdio de acústica perfeita que ele projetou (originalmente seria de 22 m de altura, este tinha só 5).

Fiquei muito emocionada, lágrimas nos olhos quando vi aquele Ovo na minha frente: quantas vezes ele tinha me falado deste projeto, sem nenhuma esperança de vê-lo realizado e agora, lá estava o seu sonho materializado na minha frente. Era que nem ver um OVNI!!! Como ele ficaria feliz, se pudesse ter vivido pra ver... Entrei no Ovo com a Jasmin e Milton e cantei. O som saía tão puro, tão amplificado, tão corpulento, e num determinado ponto ouvia-se toda uma gama de harmônicos, como se tivesse mais do que uma voz num uníssino perfeito. Foi uma experiência inesquecível. Depois a TV Bahia me filmou fazendo uma improvisação de noite.

Ficamos lá até de tarde, saí pra comer, me refazer pra inauguração às 19:30.

Quanta gente, acho que havia umas 3 mil pessoas... reencontrei os filhos Uibitú e Honorato, com suas famílias. Uibitú tinha 5 anos, me lembro dele sentado no meu colo. Agora quem sentava era a Amanda, também de 5 anos, a sua filha com a Olga (restauradora dos instrumentos e artista plástica incrível que faz bonecos manipulados de todos os tamanhos esculpidos em madeira). Teve uma apresentação em frente ao Ovo do Uibitú- violino- e seu conjunto de cordas: Smetak, Bach e Vivaldi. Conversei muito com o Honorato, que me pos a par de como estavam as coisas depois destes anos todos, e conheci seus filhos Ícaro -violino-e Érica -flauta. E ficamos todos de nos encontrar durante a semana, o que de fato aconteceu, com muita alegria e carinho.

Quando na alta madrugada voltei ao hotel, não senti insônia. Larguei o corpo exausto na cama, a mente parou de pensar, o coração parou de sentir, o fígado tratou de filtrar a somatização do emocional. Não sonhei, porque sonho era o que eu estava vivendo. Apaguei.

Final do segundo relato. Na próxima, virão elas. As Plásticas Sonoras.

No comments: