29 September 2006

ressonancia schumann


O tempo está correndo demais. Eu estou correndo demais atrás do tempo que está correndo demais, e... onde foi parar esse ano? o semestre passado? esse mes? isso pra não falar do ano passado, dos 5 anos passados etc etc... Acordo pensando: vou fazer isto, isto, isto, aquilo outro e mais aquilo... deito pensando: só consegui fazer isto e a metade daquilo.... Não consigo entender esta sensação: uma coisa que aconteceu há um mes sinto que foi há, no máximo, duas semanas atrás. Por quê??? E meus amigos também sentem algo parecido. Jovens e menos jovens e adolescentes e idosos: não há idade pra sentir esse tempo passando na velocidade da luz... é unanimidade.

Apesar de ser de peixes, e o verbo deste signo ser o verbo "crer", não sou exatamente uma pessoa que se possa chamar de crédula, pelo contrário. Mas também não duvido de nada. Então achei curioso esse email que recebi há um tempo atrás. Não sei, não sei, mas quem sabe? talvez essa coisa de sentir o tempo voando seja por causa dessa tal de "ressonância schumann". Em todo caso, já uso isso aqui nas internas como desculpa quando cometo deslizes temporais, e costumo ser perdoada:))

Recebi o texto exatamente assim, creditado a Leonardo Boff, o que não quer dizer que realmente seja dele...



Ressonância Schumann
(Leonardo Boff)

Não apenas as pessoas mais idosas mas também jovens fazem a
experiência de que tudo está se acelerando excessivamente. Ontem foi
Carnaval, dentro de pouco será Páscoa, mais um pouco, Natal. Esse
sentimento é ilusório ou tem base real?
Pela ressonância Schumann se procura dar uma explicação. O físico
alemão W.O. Schumann constatou em 1952 que a Terra é cercada por uma
campo eletromagnético poderoso que se forma entre o solo e a parte
inferior da ionosfera, cerca de 100km acima de nós. Esse campo possui
uma ressonância (dai chamar-se ressonância Schumann), mais ou menos
constante, da ordem de 7,83 pulsações por segundo. Funciona como uma
espécie de marca-passo, responsável pelo equilíbrio da biosfera,
condição comum de todas as formas de vida. Verificou-se também que
todos os vertebrados e o nosso cérebro são dotados da mesma
frequência de 7,83 hertz.

Empiricamente fez-se a constatação de que não podemos ser saudáveis
fora dessa frequência biológica natural. Sempre que os astronautas,
em razão das viagens espaciais, ficavam fora da ressonância Schumann,
adoeciam. Mas submetidos à ação de um simulador Schumann recuperavam
o equilíbrio e a saúde.

Por milhares de anos as batidas do coração da Terra tinham essa
freqüência de pulsações e a vida se desenrolava em relativo
equilíbrio ecológico. Ocorre que a partir dos anos 80, e de forma
mais acentuada a partir dos anos 90, a freqüência passou de 7,83 para
11 e para 13 hertz por segundo. O coração da Terra disparou.

Coincidentemente, desequilíbrios ecológicos se fizeram sentir:
perturbações climáticas, maior atividade dos vulcões, crescimento de
tensões e conflitos no mundo e aumento geral de comportamentos
desviantes nas pessoas, entre outros. Devido à aceleração geral, a
jornada de 24 horas, na verdade, é somente de 16 horas. Portanto, a
percepção de que tudo está passando rápido demais não é ilusória, mas
teria base real nesse transtorno da ressonância Schumann.

Gaia, esse superorganismo vivo que é a Mãe Terra, deverá estar
buscando formas de retornar a seu equilíbrio natural. E vai consegui-
lo, mas não sabemos a que preço, a ser pago pela biosfera e pelos
seres humanos. Aqui abre-se o espaço para grupos esotéricos e outros
futuristas projetarem cenários, ora dramáticos, com catástrofes
terríveis, ora esperançadores, como a irrupção da quarta dimensão,
pela qual todos seremos mais intuitivos, mais espirituais e mais
sintonizados com o biorritmo da Terra.

Não pretendo reforçar esse tipo de leitura. Apenas enfatizo a tese
recorrente entre grandes cosmólogos e biólogos de que a Terra é,
efetivamente, um superorganismo vivo, de que Terra e humanidade
formamos uma única entidade, como os astronautas testemunham de suas
naves espaciais. Nós, seres humanos, somos Terra que sente, pensa,
ama e venera. Porque somos isso, possuímos a mesma natureza
bioelétrica e estamos envoltos pelas mesmas ondas ressonantes
Schumann.

Se queremos que a Terra reencontre seu equilíbrio, devemos começar
por nós mesmos: fazer tudo sem estresse, com mais serenidade, com
mais amor, que é uma energia essencialmente harmonizadora. Para isso
importa termos coragem de ser anticultura dominante, que nos obriga a
ser cada vez mais competitivos e efetivos. Precisamos respirar juntos
com a Terra, para conspirar com ela pela paz.

lboff@uol.com.br
[JORNAL DO BRASIL - 05/MAR/2004]

24 September 2006

show com Tomas


No primeiro semestre deste ano fizemos uma série de shows, Tomás Improta e eu, com a participação especial em várias músicas de Nelson Jacobina. Foi um repertório selecionadíssimo, que ia de Thelonius Monk a Nelson Cavaquinho, passando por Dorival Caymmi, Cole Porter e Billie Holiday. Teve também músicas que raramente são tocadas, como o Edmundo, versão do Aloysio de Oliveira para o "In The Mood", gravado por Elza Soares há muito tempo atrás. Toquei teclado também com Tomás numa música minha, "Sousse", inspirada numa cidade em que fiquei trabalhando na Tunísia. Mmmmmm... tocar teclado com Tomás do lado me deixa com calafrios, mão tremendo, boca seca, coração descompassado porque... sabe como é... Tomás toca demais!!! mas criei coragem e mandei ver porque, como canta o Gil -cada macado no seu galho!!!

Teve ainda uma inédita do meu pai, Helio Pereira, intitulada "De Déu em Déu".

Agora quero retomar esse trabalho e fechar mais datas. Muito muito bom, adorei.

22 September 2006

1972, o filme

Hoje dia 22 vai passar um filme que promete. Essa eu não perco por nada! Quem fala é o Cláudio Araújo, homeopata e músico, integrante do grupo Faia dos anos 70. Fala, Cláudio:

Pessoal
Nessa sexta, às 21h, tem a estréia do filme "1972" para o qual compus a trilha original, junto com o Renato Ladeira, da Bolha. O filme está no Festival de Cinema e vai passar no Palácio 1, no Centro.
Estarei lá às 17h numa tenda montada no lado de fora, pra discutir o filme, as músicas, etc, com as pessoas interessadas. A primeira sessão é as 15h, depois tem esse papo com o público. Mas só estarei vendo o filme na sessão das 21h, junto com os diretores (Zé Emílio Rondeau e Ana Maria Bahiana) e o restante do elenco.
Eu já assisti uma prévia e o filme está muito legal. É uma recriação daquela época e ficou perfeito. Saí do cinema em estado de choque, parecia que eu tinha voltado 35 anos pra trás!
Quem quiser aparecer pro papo, é às 17h numa tenda armada lá fora. Tb não sei onde vai estar essa tenda, mas ainda vou saber.
A produtora me disse: voce vai achar! Coisas do Brasil...
Mas dá pra encontrar o cinema, lá no Passeio Público.
Abs
Claudio

21 September 2006

entrevista ao Senhor F

Há um tempo atrás, o escritor e biógrafo Nélio Rodrigues, autor do livro "Os Rolling Stones no Brasil", procurou a mim e aos meninos da Equipe Mercado, porque estava levantando dados pro seu próximo livro. Foi ótimo conhecê-lo, viramos amigos, e ele fez uma entrevista comigo na revista virtual de rock Senhor F. Ficou no ar por um tempo, depois foi pro arquivo, nº 22. Agora infelizmente não está mais acessível e acessável, não sei porque. Várias pessoas me perguntam pela entrevista, e resolvi transcrevê-la aqui no blog, onde estará guardadinha e ao mesmo tempo inteiramente legível clicável indeletável para o deleite de todos que aqui entrarem. Ei-la pois:

NR-Como e quando você se tornou cantora da banda que veio a se chamar Equipe Mercado?

DD-Estávamos no ano de 1969, em plena ditadura militar, estava cursando o 2º ano da Faculdade de Arquitetura da UFRJ, depois de ter feito o curso de piano com Nise Obino na Academia Lorenzo Fernandez , teatro com Nelson Xavier e expressão corporal com Klaus Vianna. Achava que -agora sim!- tinha encontrado o que queria. Naqueles corredores compriiiiiiiiiiiiidos da FAU eu vivia passarinhando, cantando, soltando a voz, o eco me dava um timbre danado!! Então num desses vai-e-vens, eles- Marcos Stul, Trajano Lemos, Antonio César Lengruber- me ouviram e me convidaram para fazer parte da sua banda intitulada César, Marcos et Trajanus.
A coisa mais importante que estava acontecendo para mim no momento era o Tropicalismo. Gil e Caetano. Me identifiquei inteiramente. Esse Movimento foi fortíssimo... me virou de ponta-cabeça.... me descompassou o coração... me deu força pra fazer coisas nas quais eu sempre acreditei...mas não ousava... Eu, que estava estudando pra ser arquiteta (tinha jeito, desenhava bem), de repente, com esta explosão estética-moderna-contemporânea-musical, não tive dúvidas: era isso que eu queria: a música popular... o Tropicalismo me fez descobrir a mim mesma, e foi inspirada nele que eu comecei a minha carreira.

Topei fazer parte da banda dos meninos.

Ensaiávamos no Rocha num pátio no último andar da casa da avó do Lemgruber, entre biscoitinhos e refrescos. Instrumentos precários, difícil acesso, mas cheios de ideais utópicos, sonhos, ansiedade, alegria, alegoria, fantasia, trópicos, repertório de Beatles, Stones, Mutantes, e surgindo nossas primeiras composições. Lá fora o pau comendo no Vietnam, Janis e Hendrix nos embriagando, tudo era tão novo, tudo era tão forte, tudo era tão aqui e agora, e o aqui e agora, tudo. Nasceu o Mercado.

NR- Desde sua entrada, a banda sofreu uma rápida transformação. Tanto estética quanto musical. Quais foram os fatores que contribuiram para que a Equipe se tornasse um grupo de vanguarda?
DD- Um dos fatores foi o encontro do Mercado com Ricardo Guinsburg e seu parceiro Ronaldo Periassú, quando vieram nos chamar para participar de sua composição no programa da Dercy Gonçalves na TV , cantando Xaxerú.

Ricardo e Ronaldo faziam umas músicas inteiramente surpreendentes, influenciados pela poesia concreta dos irmãos Campos, Décio Pignatari, música de vanguarda, Stokenhausen, Rogério Duprat, e por aí vai... Deste encontro com a dupla nasceu a Equipe Mercado.

A banda básica era sempre igual: Stul no baixo, Lemgruber na guitarra, Guinsburg no violão acústico microfonado (!), eu cantando, tocando percussão, dançando. O baterista variava... Nascimento... Áureo.... Cláudio Jaguaribe.... Trajano.... Carlinhos Graça... João del Aguila. Às vezes Periassú participava com voz e corpo, e sempre com idéias para happenings.

Era uma equipe mesmo: fora a banda, havia as mulheres, os maridos, os amigos, os parentes, cada um ajudando, dando uma força no que podia... Época das comunidades, de morar junto, de se abraçar, de se entender, de mudar o mundo.... Eu particularmente senti que aí podia acontecer muuuuita coisa, não só pelas composições tão originais de Guinsburg e Periassú, mas também pelo espaço que eu teria para criar criar criar, usar minha voz como instrumento, meu corpo como pássaro e nuvem, meus olhos como janelas para a esfera terra. Me soltar, voar e voltar etérea.

Outro fator (não determinante, mas inspirador) foi o fato de a gente ter se matriculado no Instituto Villa-Lobos, ali na Praia do Flamengo, antiga sede da UNE (hoje virou o estacionamento do velho Cipriano). Essa escola era a vanguarda da época (para se estudar música, só tinha a Escola Nacional de Música, o Conservatório e a Academia Lorenzo Fernandez, todas com aquele ensino tradicional clássico). Dirigido pelo Reginaldo de Carvalho, que fazia música eletro-acústica e aleatória, o Instituto Villa-Lobos era também um ponto de encontro de hippies, de artistas de todos os setores.... Rose Marie Muraro, Cecília Conde, Bohumil Med, J.Lins, entre outros, eram os professores, e Celia Vaz, Paulinho da Viola, Nelson Jacobina, Mauro Senise estavam entre seus alunos.

Outro fator foi o fato de nós do Mercado sermos como éramos, abertos a todos os tipos de música, sem preconceito algum, querendo experimentar, fazer coisas novas, arriscar, nos aprimorar.

E claro, o momento histórico-cultural foi decisivo.

NR- O estilo da Equipe era único, pois misturava o psicodelismo (tanto na melodia quanto nas letras das músicas), a teatralidade, a dança...No palco, era um verdadeiro happening. Essa forma avant-garde de ser surgiu espontaneamente?

DD- Totalmente. Os arranjos eram de Ricardo Guinsburg, que vinha com uma idéia pronta e íamos acrescentando outras idéias e detalhes e a coisa ia tomando forma. Eu cuidava também da parte visual, cenário, figurino, expressão corporal. E muita coisa acontecia na hora, em cena mesmo. Cada show era diferente do outro, dependendo da situação, do local de apresentação etc. Por exemplo, no Teatro Poeira, que era um teatro pequeno e aconchegante situado na rua Jangadeiros, na Praça General Osório,distribuimos ao público presente panelas, tampas, objetos para que pudéssemos em conjunto fazer uma criação coletiva. Foi fantástico, pena que naquela época não havia meios para se gravar ao vivo uma experiência dessas, pelo menos nós não tínhamos.... Já não se podia fazer isso em espaços maiores.... aí fazíamos outros tipos de "happenings"(palavra usada naquela época pra dizer "performances") durante os shows.


NR- Vocês tinham consciência da ousadia e originalidade da banda? Era isso que vocês buscavam?

DD- Tínhamos consciência sim... Claro que antes da nossa primeira apresentação como Equipe Mercado (foi no programa da Dercy Gonçalves na TV), não sabíamos o que estava para acontecer, mas me lembro particularmente de uma reunião em Santa Teresa que se deu um pouco depois, na casa do Guinsburg e Periassú (a primeira vez que andei no estribo do bonde, e desde então me apaixonei pelo bairro onde moro até hoje). Era uma reunião para discutir o sucesso repentino, e traçar estratégias e nos preparar pro que vinha mais pra frente.
Isto foi nas vésperas da apresentação no Festival Universitário de SP, onde fomos tocar "Poesonscópio de Mil Novecentos e Quarenta e Quinze" , de Guinsburg e Periassú (depois gravado no lado B do compacto que saiu pela Odeon, com "Mary K no Esgoto das Maravilhas" no lado A). Teve a participação especialíssima do músico Naná Vasconcellos. Figurinos surreais de Vera Figueiredo. O grupo de teatro Oel, de São Paulo -umas quinze ou mais pessoas- escovando os dentes no palco enquanto a gente se apresentava. Hoje em dia isso pode parecer banal, mas em 69 era motivo de escândalo, com reações as mais imprevisíveis, desde meias-páginas iradas de cronistas no jornal, até.... É bom lembrar que estávamos em plena ditadura militar, sempre bom lembrar isto, porque essa nuvem era constante, pairando sobre a cabeça de todos.

Nosso objetivo, claro, não era fazer escândalo, mas sabíamos que nosso trabalho era de vanguarda, e que iria provocar muita polêmica. Mas como qualquer artista, buscávamos uma aceitação de público e crítica, um reconhecimento pelo nosso talento e ganhar o suficiente para podermos nos sustentar sem precisar trabalhar em outra coisa senão na Equipe Mercado.

NR- Num festival universitário, em São Paulo, vocês ganharam um prêmio de originalidade por conta desse estilo mas, em compensação, passaram maus bocados em Cataguases, de onde foram expulsos. Como é que vocês encararam esses dois fatos antagônicos? Em Cataguases, o público e as autoridades presentes ficaram chocados com a apresentação da banda. Como foi?

DD- Este Festival Universitário em São Paulo foi justamente a apresentação que descrevi acima, com Naná Vasconcellos e o Grupo Oel. Tivemos muito sucesso, com prêmio e muitas apresentações agendadas em vários pontos do país. Mas teve muita crítica contra. O Flávio Cavalcanti, um famoso apresentador da TV, nos chamou pra fazer o programa dele no Rio na TV Tupi não porque tivesse gostado, mas sim pra falar mal, pichar: Só a nossa presença no programa já iria aumentar o ibope dele. Foi assim. E nós fomos porque era uma baita divulgação...

Agora, em Cataguases, foi diferente. Tratava-se de um Festival Audio-Visual de Vanguarda. De Vanguarda, diziam. Fomos defendendo a música de Guinsburg e Periassú "Marina Belair" (depois gravada pela Odeon num disco chamado "Posições", com o Som Imaginário, A Tribo e Módulo Mil). Essa música era sobre uma manicure do "bas-fond" da Lapa. Levamos para o palco montanhas de papel, plásticos, objetos, uma caravana de amigos para fazerem a cena: o halterofilista de sunga, corpo azeitado mostrando seus músculos musculosos, casais em posições e movimentos sugerindo trepadas, baldes de suco de groselha, gente fazendo com que devorava carne crua. Eu vestia um lençól manchado de vermelho, eles, de mendigo. Nossa apresentação tinha a duração de aproximadamente 20 minutos. Quando saímos de cena, sentimos um clima tensíssimo... soubemos pelas pessoas do júri, que o povo da cidade queria nos linchar...neguinho tava doido de ódio. Tínhamos ido além dos limites para Cataguases... Logo a polícia entrou nos bastidores e apreendeu os nossos documentos. Entendimentos, desentendimentos, negociações... Ficamos até o final e fomos os últimos a sair do teatro, junto com o júri nos servindo de escudo, escoltados pela polícia até o alojamento. Passamos a noite em claro, e na manhã seguinte, às seis e meia da manhã, havia duas kombis nos esperando para sair da cidade. E só então os nossos documentos nos foram devolvidos. Fomos sem ao menos tomar um café da manhã. Saimos frustrados, sentindo-nos injustiçados, pois o júri nos informou que íamos tirar o primeiro lugar, e o dinheiro do prêmio, sem dúvida, iria vir em boa hora. Mas por que esta cidade hospedou um Festival Audio-Visual de música de vanguarda? não tinha condição...

A repercussão aqui no Rio foi intensa. Colunas de jornalistas (Luis Carlos Maciel, José Carlos Oliveira, Julio Hungria e mais), falando sobre o assunto dias seguidos. Revistas com a reportagem, com fotos com os dizeres: "A seminudez e a gesticulação erótica dos jovens do Mercado indignaram muitos espectadores"; "A apresentação do grupo Mercado provocou o grande escândalo do festival e causou a expulsão de seus integrantes pelo delegado". Como diria o Luis Carlos Maciel, em um dos seus artigos (foram pelo menos 4) no jornal Última Hora: ".... fazer um festival de vanguarda numa cidade do interior é fogo!!....."

NR- Como é que vocês foram parar num espetáculo com Betty Faria e Leila Diniz?

DD- Chamaram a Equipe Mercado para participar de um espetáculo que ficaria meses em cartaz, na Boite Sucata do Ricardo Amaral (onde ficava o Tívoli Park, por ali). Seria um musical picante, com texto de Luis Carlos Maciel, dirigido por Neville de Almeida (também autor de um filme erótico -super 8- com as duas atrizes, que foi filmado exclusivamente para ser rodado durante o espetáculo). No roteiro de músicas, canções de compositores conhecidos (por exemplo, Betty cantaria, dentre outras, "As Curvas da Estrada de Santos" de Roberto e Erasmo Carlos) e nós, além de apresentar o nosso repertório, tocaríamos, por exemplo, o "Cérebro Eletrônico" de Gil, etc.
Os ensaios foram divertidíssimos, a gente se deu super-bem com as duas, e o espetáculo saiu divulgado em jornais, outdoors e panfletos. Na estréia a casa estava super-lotada, muita loucura, muita confusão e aconteceu o que ninguém esperava: roubaram o tal filme delas, que mostrava, entre outras coisas, elas devorando, sugestivamente, um farto abacaxi. No dia seguinte, o "grude" estava formado. Elas se recusaram a participar, rescindiram contrato, e nós seguramos sòzinhos a peteca.

NR- O sucesso de "Mary K No Esgoto das Maravilhas" chegou a surpreender a banda?

DD- Sabíamos que tínhamos em mãos uma coisa boa, e que, com um pouco de sorte, seríamos recompensados. Não deu outra!!! Tirou o 6º lugar, com direito a contrato na gravadora Odeon (logo gravamos um compacto com Mary K no Esgoto das Maravilhas no lado A, e Poesonscópio de Mil Novecentos e Quarenta e Quinze no lado B, esta terrìvelmente mutilada para que durasse no máximo 3 minutos, exigência da gravadora...). E estourou!!! Por meses, 1º lugar no "Show dos Bairros" da Radio Mundial, Radio JB. Me lembro tão bem da sensação inenarrável que eu sentia ao escutar minha voz saindo ali no rádio. Primeira vez!!!!

NR- Que lembranças você tem daquela vida de hippie em Santa Teresa? Dá pra descrever um pouco?

DD- Vai ser difícil descrever "pouco"! São bilhares de lembranças devidamente guardadas em gavetinhas do inconsciente, que vou abrir, sacudir a poeira, pra poder responder a essa pergunta. Aquela "vida de hippie em Santa Teresa" citada, nem sei quando acabou, nem sei SE acabou.... Vou falar primeiro da chamada "casa da Equipe Mercado".
Bem, a primeira lembrança é do perfume que um cacho de bananas deixou pela casa toda ao amadurecer.

A casa de que falo é a mítica enorme casa na Rua Julio Otoni (Santa Teresa), de 2 andares, um vasto quintal, 5 quartos, que alugamos e fomos morar em comunidade. Os primeiros moradores fixos oficiais foram 3 meninos da Arquitetura e eu. Junto havia dezenas de "agregados", irmãos, namoradas, namorados, irmãs, amigos, primos, artistas em geral, produtores, que ocasionalmente passavam... e dormiam por lá. Fomos os primeiros da nossa turma de conhecidos a fazer isso, uma atitude mais que ousada, revolucionária. Difícil encontrar um proprietário que quisesse nos alugar algo, mas conseguimos depois de muito bater perna. Pra mim foi uma saída dramática, meu pai era contra -e olha que ele era músico, foi do Bando da Lua, tocou com a Carmem Miranda, foi com ela pros States filmar e se apresentar, conheceu minha mãe atriz, eu nasci (digo que foi por causa da Carmem que eu nasci!!!). Tudo isso pra dizer que ele era artista, tinha tudo pra ser mais aberto, mas que nada... foi uma barra, fiquei anos sem pisar os pés em sua casa... Agora, se ele era assim, imagina como eram os pais convencionais...

Bem, então afinal saimos da casa dos pais. E agora? agora era fazer tudo diferente deles, mudar a nossa vida, mudar o mundo... Mas como?? não sabíamos... mas isso não importava. Nos reuníamos semanalmente pra discutir "como". Tudo era posto em pauta, desde a posição do papel higiênico na parede, até o revesamento dos quartos (os da frente tinham uma vista pra baía de Guanabara, e chegamos à conclusão que seria justo que todos pudessem usufruir disso), passando pelo cardápio , atividades comunitárias e indo pra estudos esotéricos, e claro, era o local de ensaio da Equipe Mercado, onde recebíamos outros músicos, produtores, artistas. Tudo era feito em comunidade, em conjunto. Hoje em dia, com esse individualismo reinante, é difícil de imaginar, mas na época tinha tudo a ver... as filosofias orientais sendo descobertas... yoga, macrobiótica, tai-chi-chuan, Maharishi, Ravi Shankar, os beatniks, as drogas, Marcuse e MacLuhan, leitura dinâmica, Julian Beck e o Living Theatre, José Agripino de Paula, Zé Celso Martinez Correa, livros como O Despertar dos Mágicos e os de Carlos Castañeda, Ordens Místicas secretas, W. Reich, viagens de corpo astral, sexo grupal, amor livre, ninguém é de ninguém, feminismo, feminismo, feminismo, jogar fora o sutiã...uma verdadeira avalanche de novos conceitos estético-filosófico-culturais me dando a sensação de que eu tava nascendo, tinha estado até então na barriga da minha mãe. Como consegui chegar até essa idade (22 anos) sem conhecer o arroz integral? sem saber o que era uma mandala???? sem ter acampado em Arembepe???

E repetindo: não esquecer jamais que estávamos em plena ditadura militar. Amigos desaparecendo assim.

E lá fora a Guerra do Vietnam...

Quem viveu os anos 70 sabe.

Na mítica casa, passávamos o dia a compor, tocar, cozinhar nossas refeições macrobióticas, estudar, fazer artesanato, pintar, cuidar dos afazeres domésticos, ensaiar... Na decoração, nada de camas, dormíamos em esteiras no chão, caixas de alho eram transformadas em prateleiras, tampas de goiabada coloridas em quadros, costurávamos, tingíamos, bordávamos nossa própria roupa, criando a nossa própria moda... Fazíamos nossas sandálias de pneu, nossa bijuteria, que também vendíamos na Feira Hippie na General Osório (era MESMO uma feira hippie quando começou.... vendi muito colar e sandália lá feitos por mim).

Aliás, era muuuuuito difícil ganhar dinheiro com música naquela época. Não havia essa profusão de lugares pra se apresentar como hoje, nem os instrumentos, nem os equipamentos, nem a infra-estrutura, nem as facilidades de uma gravação de cd em casa, nem os livros de música, nem os songbooks, nem os cursos que existem hoje em dia, nenhum investimento em arte... e às vezes topávamos com alguém que achava que a gente tinha que tocar de graça... que era "feio" ganhar dinheiro com música... aquela idéia idiota que o artista tem que viver duro, esfarrapado: esse é o "verdadeiro" artista.... porque quem ganha dinheiro com música é vendido, comercializado, não tem valor, e a música é um "dom divino" a qual não se pode vender bla bla bla...


NR- Apesar do relativo sucesso da bonita "Campos de Arroz", em 1971, a Equipe não teve fôlego para emplacar 1972. Por que a banda se desfez?

DD- Foi um sucesso mesmo, a canção (minha letra com música do Guinsburg) foi gravada na Phillips, com a direção musical de Nelson Motta, com uma verdadeira orquestra atrás, arranjo maravilhoso, com aqueles scattia pensere abrindo a introdução, uma beleza mesmo. Mas, fazer parte da Equipe Mercado, como aliás de qualquer banda, era muita entrega, a dedicação era total, e a gratificação monetária pouca, o sacrifício era muito, e a vida de artista pop acabou sendo inviável para uns... Lengruber foi se formar como arquiteto, Guinsburg foi trabalhar em produção de jingles e música para propaganda em geral. Foi assim que Equipe Mercado se dissolveu. Os que ficaram -eu e Stul- decidimos sair da casa na Júlio Otoni -grande demais, recordações demais- e fomos morar por pouco tempo num ap., também em Santa Teresa, para um pequeno período tranquilo de reciclagem de baterias. Nascia o Diana & Stul.

NR- Com o fim da Equipe, você e Stul seguiram como dupla (Diana & Stul) e gravaram um compacto pela RCA. Você pode sintetizar esse período na sua carreira?

DD- Fiizemos vários shows como dupla (na boite Flag, com Edson Frederico e Juarez Araújo, por exemplo), e gravamos na RCA esse compacto maravilhoso que tem a participação de Paulo Moura e Maurício Einhorn na ótima música do Stul "Não é Preciso Correr"... Mas naquela época NADA estava fadado a ser um "período tranquilo" por muito tempo: aos poucos fomos morar com toda a banda do Diana & Stul: Mario Jansen (piano e teclados), Afonso Correa (bateria, substituindo João del Aguila), Barroco (guitarra), num castelo monumental na Rua Joaquim Murtinho, também em Santa Teresa, onde já tinham morado o Luís Sá (do Sá e Guarabira) e as nossas amigas, a dupla Luli e Lucinha.

Que castelo!!!

Ali continuou tudo, com a diferença de que, como os moradores oficiais eram todos músicos, e músicos da mesma banda, só se falava de música, respirava-se música, ensaiava-se música, comia-se música de dia e....de noite!!! Muitos agregados, hippies, hare-krishnas, artistas (hospedamos Zé Celso por um tempo), produtores passavam por ali. Carregávamos um piano de armário nos shows, estávamos trabalhando razoàvelmente bem, compondo bastante, ensaiando diàriamente, aparecendo na midia, fotos, tijolinhos de shows, reportagens de meia página, entrevistas, e conseguindo pagar o aluguel do castelo só com o dinheiro dos shows. Que nem na época da Equipe Mercado, não tínhamos carro, não tínhamos telefone, era tudo de orelhão e boca-a-boca, fazendo cola de farinha para colar pela cidade nossos cartazes de shows, que claro, eram feitos por nós. Mimeógrafo. mala direta. Chegou uma hora que não dava mais. A precariedade cansa... Apareceram outras ofertas e convites irrecusáveis de trabalho para cada um de nós, e cada um foi trilhar seu caminho.

NR- Depois, você encarou uma série de musicais, entre eles o "Rock Horror Show" que ficou em cartaz, no Rio, de fevereiro a junho de 1975. Como foi sua participação?

DD- O musical sempre foi o meu gênero preferido de filme, de teatro, de tudo. Desde criança eu achava que a vida deveria ser assim -cantada e dançada!... Era mais profundo... era mais leve... era mais solto... era mais completo... eu via (vivia!) aquelas operetas com a Jeanette Macdonald, depois as chanchadas da Atlântida, depois os musicais americanos -Gene Kelly, Leslie Caron, Cid Charisse, Fred Astaire- e filmes como South Pacific, Um Americano em Paris, Dançando na Chuva, 7 Noivas para 7 Irmãos, West Side Story (que perdi a conta de quantas vezes eu vi, umas 25...e continuo vendo)... Como eu desde os 8 anos de idade estudava dança (e meu trabalho posterior ter sido muito baseado em dança e expressão corporal), fiquei extasiada quando fui chamada pra participar do "O Casamento do Pequeno Burgues" de Brecht/Weill, dirigido pelo saudoso Luis Antonio Martinez Correa. Eu era uma das coristas, meu nome era Mameley Dan-Dan. Começava a peça tocando ao piano a Ave Maria de Gounod. Marieta Severo, Thelma Reston, tinha muita gente incrível no elenco. E a banda? Barrozinho, Tomás Improta....

Depois fiz um musical infantil de Paulinho Machado e Fernando Pinto (dos Dzi Croquettes), uma incrível fantástica fábula cibernética chamada "Roboneta, o Planeta dos Robôs", toda cantada e dançada, com um figurino belíssimo do Fernando Pinto, coreografia belíssima de Fernando, músicas belíssimas de Paulinho, belíssima peça, belíssimas pessoas, belíssimo trabalho!!!

E finalmente, o Rock Horror Show, que fez um tremendo sucesso, com direito a gravação pela Som Livre da trilha e tudo! Vivi, com essa peça, uma época de super-exposição na mídia: minha foto saía 3 vezes por semana em jornais, meu aniversário com repórteres e fotógrafos, fofocas, reconhecida na rua, esse clima... Dirigido pelo -nem sei que adjetivo dar, era uma pessoa tão tão especial, tão única- Rubens Correa. Eu era a protagonista, a noivinha que seria "corrompida" pelo vampirão. Os ensaios eram puxadíssimos, o dia inteiro varando a noite, mas... que prazer era trabalhar com o Rubens! O elenco, super-divertido. Quase toda dançada, com rodopios, sapateados, altas coreografias (hoje em dia é comum, naquela época os musicais estavam começando aqui)- a peça exigia um preparo físico perfeito... A voz tinham que alcançar a última fila da platéia, sem microfone... Sábado e domingo, fazíamos duas sessões... Só sei que quando acabou a temporada, eu estava precisando de umas férias... resolvi dar um tempo, uma reciclada, e fui passar uns meses no mato, em Lagoa das Lontras, Miguel Pereira, pra onde, claro, levei tinta, pincéis, papel de desenho, máquina de escrever, instrumentos, discos, fitas k7 e um gravador. Sem TV ou telefone.

NR- O Bando da Santa foi outro projeto efêmero, não é?

DD- Antes do Bando da Santa uma coisa importantíssima aconteceu na minha vida profissional: tive a oportunidade de conhecer e trabalhar com Walter Smetak, músico, filósofo, escritor, poeta, criador de instrumentos-esculturas. Smetak trabalhava com microtons (a primeira vez que ouvi falar dele foi naquela música do Gil "Língua do P": smetak tak tak tak. Depois saiu o LP dele produzido por Caetano). Foi num curso de Criação Espontânea que ele estava dando no MAM, e de noite era encenada a peça dele, A Caverna. No dia em que entrei, sentei na sala e nós nos olhamos, foi uma empatia muito forte, uma identificação total, como se nos conhecéssemos há muito. Pediu pra eu cantar. Assim... sem nada ...sem acompanhamento... sem letra... improvisar... Fiz o que ele pediu. Resultado: de noite já estreei como cantora na peça, e desde aquele dia mantivemos um relacionamento muito profundo, muito forte, me identifiquei inteiramente com o seu trabalho, e a participar com a maior paixão. Como ele morava em Salvador, eu "me mudava" pra lá a cada chamado seu. Eu passava de manhã à noite, todos os dias, no seu estúdio-oficina num subsolo dos Seminários de Música da UFBA. Tenho muito material gravado inédito que passei pra cd recentemente, é um trabalho do qual me orgulho demais, e que pouca gente conhece.

A verdade é que depois disso, senti que nada mais me restava a fazer aqui, e fui armando aos poucos a minha transferência para Europa (onde vim a trabalhar com Smetak de novo, no evento Horizonte 82, em Berlim, 1982). O Bando da Santa estava nesse meio entre uma coisa e a outra. Esse nome representava o conjunto de várias bandas, que juntaram seus trabalhos num verdadeiro "mutirão musical" . Gente que morava em Santa Teresa, que se conhecia e trocava figurinhas há muito tempo, se esbarrando no bonde, no colégio, nas esquinas do bairro. Na época não existia essa coisa de música ao vivo nos bares: o que fazíamos era ensaiar cada grupo no seu canto e íamos nos apresentar lá embaixo, na cidade. Resolvemos então nos juntar, conseguimos através da Região Administrativa de Santa Teresa, um bom espaço bucólico, cheio de mangueiras, bem no Largo dos Guimarães (ex-Colégio Brentano) pra ensaiar, e neste espaço - fato inédito- conseguimos realizar vários shows históricos. Mas como isso era incomum, em pouco tempo começou-se a ter um movimento contra o Movimento que estávamos criando (que considero precursor do Arte de Portas Abertas, um festival de música, teatro, artes plásticas que se realizou em 97, com shows ao vivo por todo o bairro), e tiraram a gente de lá. Cada um então seguiu o seu rumo. Fui pra Europa.


NR- Nos anos 80 você passou uma boa temporada na Europa se apresentando com o grupo Cana Caiana. Quem participava do grupo? Conte um pouco dessa sua aventura.
DD- Acho que a "vida de hippie" acabou quando eu fui pra Europa. Em país que não é seu não se pode vacilar, você vai estar competindo com gente dalí, você sempre vai ser estrangeiro, não vai ter a família e os amigos pra darem uma força, então tem que procurar ser o "melhor"... se vestir bem, fazer bons contatos, falar a língua do país, ganhar mais dinheiro pois tudo é mais caro, os invernos são frios, e é loooonge pra caramba...

Mario Jansen (tecladista do Diana & Stul e do Bando da Santa) tinha se mudado pra lá havia 2 anos, e sempre me chamava pra montarmos um grupo, que daria o maior pé, que teria muito trabalho, que tava um momento ótimo pra música brasileira... Quando senti que era a hora certa, lá fui eu, pela Royal Air Marroc (existe ainda?) com escalas em Casablanca (opiástica!) e Tânger (fantástica!) rumo a Madrid (de putísima madre!!!!!). Um mes depois chegou o Bida Nascimento (baixo do Bando da Santa), seguido de Walter Guimarães (bateria do Bando da Santa). Nascia o grupo Cana Caiana. Meu repertório mudou completamente: sai o rock and roll e músicas autorais, entra a bossa nova e o samba. Foi quando aprendi a letra de Garota de Ipanema, entre muitas outras.... Claro, porque o que nos diferenciava do resto, era o fato de sermos músicos brasileiros, e naquela época, ainda não havia muito músico brasileiro lá.

Mario estava certo, o momento era excelente, de Madrid fomos pra Paris, onde fizemos uma boa temporada no Via Brasil, além de turnês por toda a França (Biarritz, Rouen, Montpellier e Algerès-Sur-Mer na Riviera Francesa, etc), fomos fazer o reveillon de 80-81 no Hyatt Regency Hotel em Dubai (Emirados Árabes), nesta ocasião participando de um show turístico de mulatas chamado "Tangas of Brazil", além de shows na Suiça e em Londres. De lá, para Barcelona, onde resolvemos estacionar nossa carroça e criar uma base por um bom tempo. A cidade catalã de Gaudi, Dalí, Miró nos recebeu de braços abertos...era deslumbrante, acolhedora, gostosa, alegre, fizemos amizades que duram até hoje.... e havia muita oferta de trabalho... em relativamente pouco tempo o Cana Caiana juntou um público fiel que ia onde quer que a gente fosse... De lá conseguimos agendar show por toda a Espanha, de ponta a ponta, uma maravilha.... Foram mais de 30 cidades diferentes!!!

Nessa fase o Cana Caiana contava com o guitarrista brasileiro Alfredo Lemos (também do Bando da Santa), que veio do Brasil especialmente pra tocar conosco. De Barcelona fizemos contato também para uma temporada em Porto, Portugal, e pegamos 24 horas de trem não parador, com uma cesta cheia de "bocadillos de tortilla" (enormes sanduíches de omelete) que eu havia feito na véspera.

Portugal foi sucesso total, ficamos 2 meses tocando de segunda a segunda no Chico´s Bar, com a maior mordomia, casa cheia, um verdadeiro barato, e de quebra, um show de hora e meia na TV Portuguesa!!! De volta a Barcelona, Alfredo precisou voltar pro Brasil, Mario foi convidado pra fazer um trabalho solo, eu fui chamada pelo diretor do "Tangas" pra fazer uma temporada de 3 meses na........TUNÍSIA, ganhando muito dinheiro, oferta que não dava pra recusar.

Hospedada num hotel 5 estrelas (Diar-Al-Andaluz)em Sousse, à beira-mar, de dia na praia com camelos passando, de tarde na piscina, onde de noite estaria cantando à sua beira, a lua, o cheiro de jasmim, tudo foi tão perfeito que parecia um filme... por 3 meses eu conheci o Paraíso. Cenário enebriante. Romance no ar. Quando terminou a temporada, fui morar em Munchen (Alemanha). Mas, como Munchen não é Sousse, e o cheiro de linguiça com chucrute é bem diferente do de jasmim, a coisa não vingou... Voltei pra velha e querida Barcelona, que me acolheu de braços abertos.

Mas tinha um problema... como eu sou americana, com carteira de estrangeiro, tinha expirado o meu visto permanente no Brasil, pois fiquei mais tempo fora do que o permitido por lei. Fiquei em pânico, doente, entrei em depressão, havia me esquecido completamente desse detalhe. Fui no Consulado e soube que havia uma maneira de conseguir a permanência de volta, mas tinha que voltar ali e naquele momento. Passagem de ida e volta pela Varig. Mas chegando aqui, aqui fiquei. Foi o fim de uma coisa, renascimento de outra, nova fase, nova casa, nova gente... mudanças... o eterno deus mu....dança!!!!

NR- Seu primeiro (e único) disco solo (Fome de Javali), saiu em 1990. De lá pra cá o que é que você tem feito? Tem planos de lançar outro disco?

DD- Antes do lançamento do Fome de Javali (que foi em 1992), é interessante falar sobre o recheio do sanduíche (minha volta da Europa e o disco). Apesar de eu ter passado relativamente pouco tempo fora (um pouco mais de 3 anos), as coisas aqui tinham mudado muito! Pessoas que eu conhecia não trabalhavam nos mesmos lugares de antes (nas gravadoras, nos teatros, na produção), minha agenda telefônica ficou desatualizada, amigos casaram e se mudaram. O rock estava no auge: enquanto eu estava na Europa, houve um interêsse das gravadoras em investir no rock nacional, promovendo diversas apresentações para um público grande em praças, praias etc. Disto se beneficiaram diversas bandas jovens (Kid Abelha, Paralamas), e alguns músicos da minha geração, que então tiveram a oportunidade de divulgação do seu trabalho e a formação de um público (Lobão, Ritchie, Lulu Santos).

Fiquei meio sem saber como recomeçar. Antes de entrar em parafuso, resolvi estudar. Soube de um curso de Harmonia e Composição que Antonio Adolfo estava dando no Calouste Gulbenkian (na Praça Onze; naquele tempo ele ainda não tinha sua famosa e renomada e bem sucedida Escola. Hoje ele fala brincando que nós éramos suas cobaias!!!). Antonio é um professor fantástico, um grande músico, uma pessoa simplesmente maravilhosa. Ficamos amicíssimos e foi naquele curso (que pulou pra Copacabana, depois pra casa dele mesmo, e finalmente pro Leblon e que durou 4 anos), que eu compuz no piano mais de cem músicas (5 delas estão no meu LP), a maioria só instrumentais.

Continuando o recheio: em 1989 Mario Jansen voltou da Europa e reiniciamos nosso trabalho, compondo um bom número de músicas. Em 1990 eu e Nelson Jacobina iniciamos uma parceria, com shows com músicas nossas e de outros autores, como Maysa, Jorge Mautner, Luis Melodia, Thelonius Monk etc. Em 1992 produzimos o disco Fome de Javali (título de uma composição nossa), shows de lançamento... Paralelamente fiz uma pesquisa com o Nelson de repertório de sambas antigos para montarmos um show chamado Cachorro Vagabundo, com participação especial de Ignez Perdigão (flauta, cavaquinho) e Rubinho (cavaquinho), com músicas de Assis Valente, Wilson Baptista, Ismael Silva, Nelson Cavaquinho entre outros. No ano seguinte, eu e Mario Jansen montamos um show de blues (Noites de Blues), com participação especial de Barroco, repertório de Bessie Smith, Leadbelly, Chuck Berry, Jimi Hendrix, Muddy Waters, B.B. King, Robert Cray etc. Ainda participei de mais 3 trabalhos: um sexteto de bossa nova (Encontros com a Bossa); uma "big band" de covers dançantes (Itaipava Band), com músicas de Stevie Wonder, Marvin Gaye, Stones etc; e um trio de jazz (Jazzy Hours), com Bida Nascimento (baixo), Alfredo Lemos (guitarra), e eu no piano e cantando aqueles "clássicos" de jazz. Estes trabalhos todos estão gravados ao vivo, e umas músicas também em estúdio, o que já é material para novos cds. Há pouco tempo atrás me formei em Bacharelado de MPB pela UNI-Rio, e com isso surgem novos caminhos, novas possibilidades.

E vem aí um CD de inéditas.

Um leque de 360º de portas se abrindo e estou no meio disso tudo... epa!!! sinto que está tudo começando outra vez...

19 September 2006

pra Eloa


Flores para Eloá, que no céu comemora hoje o seu aniversário, imagino que mui animadamente, como sempre foi aqui na Terra.

17 September 2006

proverbios





Adoro provérbios. Eis um que vi numa vitrine em Toledo, Espanha. Foi numa lojinha de milhares de lembrancinhas, mas ela estava fechada, assim como todo o comércio: de 14:00 às 17:00 fecha TUDO para a siesta!!!
Que maravilha. Este eu não conhecia, e fiquei encantada.
Por experiência própria, aprendi que:
- pra baixo todo santo ajuda
- quando um não quer, dois não brigam
- cada louco com a sua mania
- de grão em grão a galinha enche o papo
- o que é do homem o gato não come
- águas passadas nao movem moinhos
- cada louco com a sua mania
- melhor prevenir que remediar
- há males que vem pra bem
- mãos frias, coracão quente
- o diabo não é tao feio quanto parece
- nunca diga desta agua não beberei
- não há regra sem exceção
- o que os olhos não vêem, o coração não sente
- quem canta, seus males espanta
- quem não arrisca, não petisca
- santo de casa não faz milagre
- tamanho não é documento
- é mais fácil acender uma vela do que reclamar da escuridão
- nada como um dia depois do outro

Alguns eu modifico, como "dos males, o nenhum", "falar é fácil, dizer é que são elas", "Deus dá nozes a quem tem dentes", "viver para comer e não comer para viver".

Com muitas não concordo, como "a justiça tarda, mas não falha", "cão que late, não morde", "com fogo não se brinca", "querer é poder", "pau que nasce torto morre torto".

Tem uns que não gosto, como "olho por olho, dente por dente", "de graça só se dá bom dia", "quem quer vencer, aprenda a sofrer", "tempo é dinheiro".

Mas todos contêm uma visão do mundo, uma filosofia, uma sacação de quem os inventou e resumiu aquela experiência numa só frase, um poder de síntese fantástico!!!

Esta é uma que fiz neste instante: "fala-me um provérbio, e te direi quem és", porque um provérbio pode revelar coisas muito interessantes sobre a pessoa que o citou...

Este provérbio árabe da foto é ainda mais complexo, é um verdadeiro poema. Fala da sabedoria, do equilíbrio, do controle das emoções, dos desejos, do "caminho do meio". Hmmm... há quem consiga, cada macaco no seu galho. É ver pra crer. Pela boca morre-se o peixe. Boi que dorme de touca vira sapato. Mas... coração que suspira não tem o que deseja...

E pra acabar, um genial de Luiz Melodia:
"Quem quer morrer de amor se engana
O corpo é natural da cama"

E não é que o moço tem razão?

linguas




Línguas são fascinantes. Além de nos darem, com o auxílio do olfato, o gosto da vida, elas lambem. Pros bichos são vitais pra beber água, lamber as crias, uma ferida... E pro bicho-homem, a língua é o órgão da fala, vai traduzir em palavras o que se passa, em milímetros de segundos, na nossa cabeça. Tão importante, tão fundamental, sem elas não haveria cultura e civilização.

Em português a palavra língua é sinônimo de idioma. E são milhares de línguas, milhares de idiomas no planeta. No post anterior, falei um pouco do castellano (se pronuncia castelhano, deveria escrever com lh mas adoro esse ll, da ortografia deles. Assim como o ñ... um charme. E o ponto de interrogação de cabeça pra baixo no começo de uma pergunta? demais). Cada língua tem seus jeitos e trejeitos: o inglês, com sua conjugação dos verbos facílima, tudo igual, tem o russo e alemão, com suas declinações (quem estudou 7 anos de latim no colégio: no curso ginasial e no curso clássico, acaba ligando o piloto automático e sai falando. Eu fui uma dessas alunas, mas aviso- não lembro mais nada!!!). O russo é difícil (um colega meu de russo disse que ele estudava grego também, e que russo é infinitamente mais difícil que grego), não pela escrita (que uma vez sabida, jamais esquecida), mas pela complexidade e sutileza do seu pensamento. Por exemplo, tem mais de 10 palavras pra exprimir o verbo ser (estar). Não há acentos, então cê tem que ler e ouvir muito pra saber ao certo onde está a sílaba tônica. Mas é das mais lindas, tão musical. Como o italiano, que língua linda. Dizem que o chinês é a mais difícil; dependendo da pronúncia e entonação crescente ou decrescente, por exemplo, de um "a" mais aberto ou fechado, a palavra muda inteiramente de sentido. O castelhano é a mais fonética: se pronuncia o que se lê. E o basco, cheio de "x" e "k"? o alemão, com suas palavras quilométricas? e o polonês, com aquelas consoantes todas juntas grudadas umas nas outras? e o japones? é mais fácil pronunciarmos o japones do que eles o português, porque nós temos todos os seus fonemas, mas eles não tem todos os nossos. Línguas são fascinantes. Nada como ler um livro em sua versão original. Por melhor que seja a tradução, por mais fiel e inspirada que seja, bom mesmo é ler no original, sempre que possível.

Mas não dá pra tirar fotos de línguas-idiomas. Então pra ilustrar, aí estão umas de línguas-línguas. Tentei tirar da minha própria, ficou parecendo uma pastel de tomate. Tentei de novo, me lembrou aqueles livros médicos. Então pedi ajuda aos meus queridos modelos Mia, Ping-Ling e Emilinha, que gentilmente mostraram-se solícitos e pacientes com o meu pedido. Eu também tive que ser paciente. Não foi fácil e nem rápido eu conseguir esses instantâneos, mas valeu a pena.

Língua. Tongue. Langue. Lengua. Zunge. Limbá. Tong. Tunga. Jezyk. Jazyk. Jezik. Nyelv. Kieli. Dil. Lidah. Lango. Yazik. Glo'ssa. Lougha. Laschon. Tsung. Shita. Ulimi.

14 September 2006

hay churros y.....


Se estiverem alguma vez andando por Madrid e derem de cara com um cartaz deste, não hesitem, não se espantem, não desconfiem, não entendam mal... entrem, peçam o anunciado, comam lá ou, como sugere o dito cartaz, levem-nos e comam no conforto do seu hotel.

Churros todo mundo sabe o que são, temos aqui aos montes nas carrocinhas pela cidade, tem até um apetrecho que os fura, recheando-os de leite condensado. Nunca provei, mas sei que não gosto, só de olhar me dá uma aflição na língua.

Mas os churros espanhóis acompanhando aquele chocolate espesso do qual falei em outro post, cai muitíssimo bem, foram feitos um pro outro. Estes são mais finos e bem compridos, finos como a grossura de um dedo humano e compridos como algo de 30 cms. E bem sequinhos, crocantes.

Agora vem a pergunta que todos queriam fazer: e que diabos são "porras"??????

Porra é um churro grossão, mais do que os daqui. Mas não acreditei quando me disseram pela primeira vez, achei que estavam curtindo com a minha cara.

O Castellano é uma língua que nós brasileiros pensamos saber falar, porque na verdade é muito parecido com o português, mais do que o italiano por exemplo, e muuuito mais do que o inglês. Mas a gente pode acabar pagando o maior mico se não tivermos cuidado, se acharmos que é só dar um sotaquinho "porteño" à frase, e hora de pedir uma coca, jogar um "cueca-cuela". Não vai dar certo.

Logo no primeiro mes que lá cheguei, em 1980, o jornal vinha trazendo na primeira página: "El presunto asasino ha hecho una huida espetacular, pero le han alcanzado". Traduzindo ao pé da letra: o presunto assassino realizou uma fuga espetacular, mas alcançaram-no.


Como pode um presunto matar alguém e fugir? matar alguém até pode, é só esse alguém comer um presunto estragado. Mas, e fugir? como pode um presunto assassino fugir, correndo pela rua com suas perninhas cor-de-presunto, todo esbaforido, e ninguém conseguir pegar?

É que o presunto em questão traduz-se como "presumido", "suspeito"!!!

Quando cê quiser elogiar um prato que provou e gostou, diga-"tiene un sabor tan esquisito"!!! Esquisito é diferente, especial, raro.

E "raro" em castellano? significa esquisito. "La chica es mui rara": a menina é muito estranha, esquisita...

E quando quis comprar uma escova de dentes? pedi na maior, crente que tava abafando, uma "escoba" (tendo o cuidado de pronunciar o b em vez de v. Ha! viajei!!! escova é "cepillo"!!! e linha pra costura? "linea"??? Nada a ver. O certo é "hilo".

Então acaba que o Castellano, apesar de ser uma língua latina, às vezes fica mais difícil pro brasileiro falar corretamente do que uma língua anglo-saxônica, justamente por ser tão parecido, mas nem tanto...

13 September 2006

meu site


Estamos em contagem regressiva, assim esperemos todos!!!!

Desde abril, umas semanas mais, outras menos, mergulho no passado resgatando preciosidades para o meu site, que deverá entrar no ar no meio de outubro. Aprendi formatar imagem, editar vídeos, editar loops, mas isto é a parte técnica da coisa, exige empenho, inteligência, praticidade, clareza, lógica e discernimento. Só? hehehe... isso a gente arruma aqui e ali... Mas a parte da escolha do material é que consome, e consome... milhares de critérios pessoas passam pela cabeça (e coração) na hora de escolher esta ou aquela foto, este ou aquele recorte de jornal. Isto, acreditem, não é fácil. Escolher. Claro que só dá vontade de colocar tudo tudo tudo, primeiro porque é mais fácil, segundo porque não iria faltar nadinha. Mas, e cabe??

E tem mais: ao mesmo tempo que tem a mente que trabalha objetiva, tem o inconsciente vivendo tudo aquilo de novo. Tenho tido sonhos surreais, inteiramenta surreais!!!

Dissecando com o bisturi da lembrança, recortando colando, copiando, escurecendo, clariando, inventando títulos, escolhendo cor, dimensionando, medindo, relatando... para colocar no site, para divulgar o meu trabalho, para trabalhar no futuro. Fins profissionais. Não pensem que fico tristonha num canto sombrio a lembrar dos "velhos tempos bons"... nada disso. Na verdade são velhos, mas não foram tão bons assim pra querer voltar. Bom é agora. Como diz o Gil, o melhor lugar do mundo é aqui e AGORA. Não tenho saudades do que ficou pra trás, não tenho vontade de voltar no tempo.

HOJE é vivo, tem cheiro, se mexe, e posso mudar.

Agora me lembrei de um haikai do Leminski: HAJA HOJE PARA TANTO HONTEM.

A foto aí é de 1973, do show do Diana & Stul no Teatro João Caetano em prol do Teatro Oficina, do Zé Celso, que estava passando maus bocados. Diana encima do piano, Mario Jansen tocando-o.

11 September 2006

vontade de viver


Fiquei estatelada. Li no jornal sábado passado. Os suicídios superam mortes em guerra e crimes: cerca de um milhão de pessoas se matam a cada ano!!!!!! 90% sofrem de problemas mentais (quem serão os outros 10%????)

Continuando o artigo: "Especialistas dizem que a grande maioria das mortes poderia ser evitada, já que 90% dos suicidas são pessoas que sofrem de doença mental não diagnosticada nem tratada" (insisto: e os outros 10???)

De 20 milhões a 60 milhões de pessoas tentam se matar a cada ano. Dessas, aproximadamente um milhão morre.

E ainda: um terço dos suicídios em todo o mundo é causado por..... pesticidas!!!! Médicos, dentistas e veterinários são especcialmente vulneráveis, porque têm acesso a drogas letaais e sabem como manuseá-las!!!!

Nunca tinha pensado nisso. Sempre pensei em armas, desespero de se atirar na frente de um carro, gas..

Os especialistas diseram ainda que as pessoas que perdem o emprego abruptamente são mais suscetíveis a tentar se matar do que aquelas que já vivem há muitos anos em situação de pobreza.

Será?

Pessoas que vivem em países onde o suicídio é ilegal, como o Líbano e Índia, têm mais dificuldade de buscar ajuda se começam a ter pensamentos suicidas temendo punições por parte do governo...

Se você se matar, vai preso, heim:)

Mas agora falando sério... claro que pensamentos auto-destrutivos podem e vão brotar na cabeça de qualquer um a um momento qualquer da vida, aliás é até normal, fácil fácil... com a pressão toda em que a gente vive, a piração, o desequilíbrio, a carência afetiva, o rolar para o abismo, o absurdo que se planta diante da gente, a confusão, enfim... Sei muito bem como é isso... Mas é também normal a luta pela vida, a vontade de viver, pensar que vai melhorar amanhã... e o medo de morrer também pesa, né... o que será que vem depois, se é que vem, e se não vem, vai ser muito chato morrer... ce tem que estar muito muito muito desesperado fora de si. Bem, na verdade, a linha entre a calma e o desespero é muito tênue, uma bobagem. Pra morrer, basta estar vivo...

Estava pensando nisso tudo, e de repente olhei pra fora da janela. Essa plantinha ali no muro. Com que força e determinação conseguiu furar o cimento, e sem nenhuma terrinha, uma poeirinha sequer pra se nutrir, ali mesmo no concreto foi germinando, brotando ufa ufa ufa saindo, levantando, respirando, se colorindo de verde clorofila, com umas frutinhas vermelhíssimas... e agora tá ali, me olha gloriosa e brilhante.

Isto é que é vontade de viver. Acho que também sou um pouco assim. Quantas vezes já "furei um cimento"...

06 September 2006

Assis Valente


A primeira música de Assis Valente que ouvi foi Maria Boa, cantada por meu pai em casa e na gravação do Bando da Lua. Eu tinha menos de tres anos, e é bem possível de ter escutado bem antes, só que a minha memória -hehe- não chega até lá. Claro, eu não sabia que era dele, e nem tinha noção de quem ele era, mas ele já me encantava. E no Natal? por mais que Jingle Bells zoava por todos os cantos, era de Boas Festas, de Assis Valente, que eu gostava mais. A letra é tão triste, tão triste quanto o Natal... tão contundente... tão profunda.... tão complexa... tão verdadeiro... eu chorava e chorava... Lançada pelo Carlos Galhardo em 1933, virou o nosso "hino" natalino. E escolhida por Caetano no programa "Divino Maravilhoso", na TV de São Paulo, cantando apontando um revólver pra sua própria cabeça, isso em 1968, em plena ditadura militar, pouco antes de ser preso, quando tudo que se fazia era cifrado... em código... Boas Festas, de Assis Valente:

Anoiteceu
O sino gemeu
E a gente ficou
Feliz a rezar
Papai Noel
Vê se você tem
A felicidade
pra você me dar
Eu pensei que todo mundo
Fosse filho de Papai Noel
Bem assim felicidade
Eu pensei que fosse uma
Brincadeira de papel
Já faz tempo que pedi
Mas o meu Papai Noel não vem
Com certeza já morreu
Ou então felicidade
É brinquedo que não tem

Essa é uma das músicas mais lindas que eu conheço.

Assis Valente nasceu na Bahia no dia 19 de março de 1911. Sua vida pessoal foi marcada por sentimentos trágicos, mas isso em nada afetou a sua música. Suas dores íntimas foram reprimidas para dar lugar a melodias esfuziantes de rara sensibilidade, que falam sobre cenas da vida com humor, inteligência, sátira, alegria, transmitindo uma visão extremamente pessoal. Originalidade. Simplicidade e sofisticação. Verdadeiras crônicas, retratos musicais de sua época.

Ainda criança foi roubado dos pais e levado para trabalhar em regime de semi-escravidão na casa de uma família, e de noite estudava. Trabalhou como farmacêutico e teve uma breve passagem pelo circo, como comediante e declamador- dos bons!!! Mais tarde se mudou pra Salvador, onde estudou no Liceu de Artes e Ofício, exercendo um de seus muitos talentos, o desenho. Também estudou odontologia, especializando-se em prótese dentária. Era um excelente protético, e por toda sua vida exerceu esta profissão.

Mudou-se para o Rio de Janeiro em 1927 e conseguiu publicar desenhos seus em várias revistas cariocas. Em 1930 ele conheceu Heitor dos Prazeres, que o incentivou a compor e rapidamente foi tendo reconhecimento no meio musical. Seu primeiro samba gravado foi cantado por Araci Cortes, em 1932 -Tem Francesa no Morro- sátira muito divertida sobre o modo elegante de se falar o frances, língua muito em moda na época. Bonito, inteligente, bem falante, vistoso, era uma pessoa muito interessante, e foi ficando cada vez mais popular, e dá-lhe fotos, notícias, retratinhos distribuídos com autógrafo, participações em palcos, circos... um autêntico animador cultural de nossos dias. Casou e teve uma filha em 1941, mas o casamento não durou muito.

Um detalhe muito importante, que é mais que um detalhe, e mais que muito importante: foi um compositor que teve a ousadia de, num Rio de Janeiro repressor e censurante como o dos anos 30, abordar problemas do ponto de vista feminino, como em Fez Bobagem (1942), Camisa Listrada- (1937), Recenseamento (1949), entre outras.

Meu pai foi muito amigo dele, e contou que por uma época eles se viam diariamente, junto com o resto do Bando da Lua, que por sinal foi o intérprete que gravou mais músicas de Assis. E que ele era muito alegre, inteligente, simpático, tinha uma criatividade absurda, sua produção musical era copiosa, no mínimo uma música por dia, quando não duas ou tres... ele cantava a música já pronta -não tocava instrumento algum!... papai e os outros iam harmonizando.

Quando conheceu a Carmen Miranda ficou apaixonado, viraram grandes amigos e ele passou a fazer muitas músicas exclusivamente para ela. Foi uma fase muito boa: sucessos um atrás do outro na voz de Carmen: Good-bye Boy, Uva de Caminhão, Camisa Listrada, E o Mundo Não se Acabou... Quando Carmen se mudou pros Estados Unidos- 1939- ele se sentiu abandonado, mas já era bastante famoso, gravado por Orlando Silva, Araci de Almeida.. todos queriam gravar as suas músicas. Um ano depois, quando ele soube que ela viria ao Brasil, logo compos duas músicas pra sua musa: Brasil Pandeiro e Recenseamento, mas ela só gostou da segunda, ele ficou magoadíssimo... Mas foi assim que Carmen perdeu a oportunidade de gravar uma de suas obras primas, que foi logo gravada pelos Anjos do Inferno naquele mesmo ano, com extraordinário sucesso.

Mas as coisas não iam bem em sua vida pessoal. Tentou o suicídio em 1941 pulando do alto do Corcovado, sendo salvo por umas árvores e retirado pelo Corpo de Bombeiros. Tentou de novo uns anos depois, cortando os pulsos com uma lâmina de barbear. Mais uma vez conseguiu sobreviver, e mesmo passando por todo esses momentos difíceis, continuou compondo músicas lindíssimas, que viravam logo sucesso. Gastador, generoso, endividado, dividido e vivendo dramas pessoais profundos, pela terceira vez tentou o suicídio, e desta vez conseguiu: foi pra Praça Paris, aquela na Glória indo pro Flamengo... sentou-se num banco da praça... e no meio da criançada brincando ali na terra... ingeriu formicida com guaraná...

Isto foi em 1958, com apenas 47 anos...

Sua música está aí em shows, eventos, peças de teatro, cinema. Brasil Pandeiro teve várias outras regravações, sendo a mais marcante a dos Novos Baianos, em 1973. Voltou a ser extremamente popular em 1994, graças à uma campanha publicitária relacionada à Copa do Mundo. Outras regravações de suas músicas: Nara Leão- Fez Bobagem, Bethânia -Camisa Listada, Eduardo Dusek- Camisa Listada e Goodbye Boy, Clara Sandroni- Uva de Caminhão, Ney Matogrosso- E O Mundo Não Se Acabou- e tantos tantos outros... Na década de 90 estreou o musical "O Samba Valente de Assis" no CCBB, RJ. Suas músicas continuam atuais nos dias de hoje. Lembro por exemplo, que em 1999 correu um boato que o mundo iria acabar, tinha até o dia certo: 11 de agosto. Tarólogos, astrólogos, esotéricos, seitas diversas anunciaram o fim. Até mesmo quem não acreditava nessas coisas ficou cabreiro, porque a previsão era unânime, e foi muito divulgado, jornal, TV. Pois não é que a música de Assis Valente foi lembrada mais uma vez? E O Mundo Não Se Acabou (... e fui tratando de me despedir/e fui tratando logo de aproveitar/beijei a boca de quem não devia/peguei na mão de quem não conhecia/dancei um samba em traje de maiô/e o tal do mundo não se acabou...). E 'tamos nos aqui...

Adoro Assis, me identifico com suas músicas, muito por meu passado de filha do Helio, do Bando da Lua, isso tá no sangue, e tanto porque ele é simplesmente ge-ni-al!!! Canto várias dele, e nos shows de samba, canto o Cansado de Sambar, Amanhã eu Dou, Bis, Mangueira, Recenseamento, E O Mundo Não Se Acabou...

E aí vai a letra de Recenseamento. Viram quanta coisa que temos pra nos orgulhar???? Parem de reclamar da vida:)

Recenseamento
Em 1940
lá no morro começaram o recenseamento
E o agente recenseador
esmiuçou a minha vida
que foi um horror
E quando viu a minha mão sem aliança
encarou para a criança
que no chão dormia
E perguntou se meu moreno era decente
se era do batente ou se era da folia

Obediente como a tudo que é da lei
fiquei logo sossegada e falei então:
O meu moreno é brasileiro, é fuzileiro,
é o que sai com a bandeira do seu batalhão!
A nossa casa não tem nada de grandeza
nós vivemos na fartura sem dever tostão
Tem um pandeiro, um cavaquinho, um tamborim
um reco-reco, uma cuíca e um violão

Fiquei pensando e comecei a descrever
tudo, tudo de valor
que meu Brasil me deu
Um céu azul, um Pão de Açúcar sem farelo
um pano verde e amarelo
Tudo isso é meu!
Tem feriado que pra mim vale fortuna
a Retirada da Laguna vale um cabedal!
Tem Pernambuco, tem São Paulo, tem Bahia
um conjunto de harmonia que não tem rival
Tem Pernambuco, tem São Paulo, tem Bahia
um conjunto de harmonia que não tem rival

chocolate


Atenção!!! parem tudo que estiverem fazendo!!! com esse frio bendito que tá no Rio -ontem fez 10º no Alto da Boa Vista- parem, vão até à cozinha e preparem um chocolate quente. Ou melhor, se tiverem dispostos e animados, dêem um passeio até o Centro e tomem um chocolate quente cremoooooso tipo europeu, conheço dois lugares onde podem encontrá-lo: na R. da Carioca e na R. Senador Dantas. Mmmmmmmm, um chocolate quente cremoso desses bem quase pretos aquecem até os ossos. Você vai sentindo ele agir aos pouquinhos... as mãos e os pés antes gelados, vão ficando morninhos... e dá uma felicidade tamanha na mente...

A primeira vez que provei uma delícia tresloucada dessas foi em Madrid. Tinha chegado de um show fora da cidade, era um outono invernal, e estava amanhecendo. Deixei as malas no Hostal, mas tava frio demais pra dormir (não tinha calefação, aliás, foi na Espanha, na França e em Portugal que mais senti frio em minha vida, mais do que na Suiça, na Alemanha, nos EUA, porque nestes países onde neva, com aquele frio de geleira, existe calefação em absolutamente toooodos os lugares, você só sente frio mesmo andando na rua). Mas no quarto estava um frio incontrolável, impensável, insustentável... e embaixo na rua tinha um quiosquezinho. Fui até lá e pedi um chocolate com churros (na Espanha eles fazem esta combinação, parece estranho, mas depois de provar, cê vê que foram feitos um pro outro).

Nunca esqueço daquela caneca pelando, esquentando meu corpo. Como diria a Suzy, minha irmã, como é bom uma coisa quentinha entrando... O primeiro a gente nunca esquece, depois tomei incontáveis copos, trouxe pro Brasil pacotes daquele chocolate cremoso. O da foto foi um chocolate com churros que tomei com Nuria e Walter em Madrid, em 2005, numa chocolateria que faz seu próprio chocolate, o San Gines.

A palavra chocolate vem do asteca cacauatl, e seu nome científico é Teobroma- que em grego quer dizer, comida de deus.

Mmmmmmmmmm.....

02 September 2006

Festival Universitario 69


A fantástica foto aí foi scanneada do jornal e mostra a Equipe Mercado em plena ação no Festival Universitário de 1969 em São Paulo, na TV Tupi. Atrás, o Grupo Oel fazendo sua performance de escovação dentária (o patrocinador era a pasta de dente Ultrabrite), na frente temos a participação de Naná Vasconcellos na tumbadora, depois Ronaldo Periassú na pose de Tarzan Urbano, Ricardo Guinsburg no violão e voz, Diana na voz e percussão, Lemgruber e Stul na guitarra e baixo e vozes.

A música apresentada era "Poesonscópio de Mil Novecentos e Quarenta e Quinze", da dupla Guinsburg/Periassú.

Apesar de termos nos apresentado antes, pra mim essa foi a verdadeira estréia. Essa foi o ponto de partida, o número um, foi onde tudo começou.

As reuniões foram na casa de Ronaldo e Ricardo, em Santa Teresa. Foi a primeira vez que andei de estribo, me lembro tanto da sensação, aquele vento veloz e fresco na cara, me senti tão livre... também senti um pouco de medo, principalmente quando o bonde desandou a correr, tive que me agarrar muito bem... dava cada rabada... não acertei bem a posição, e foi um esforço tremendo. Depois virei bamba no esporte, dando aulas aos neófitos. Tem uma exata posição que permite o usuário relaxar e curtir a paisagem, mas naquela noite ufa!

Voltando ao festival. Já tinha se formado uma estrutura de produção em nossa volta, que cuidou do transporte, estadia e alimentação. Tudo era novidade, e eu estava me sentindo num sonho. Viajar com a banda. Conhecer São Paulo. Pegar o trem de noite (não dormi um pingo, inteiramente ansiosa e excitada com aquilo tudo). Amanhecer em outra cidade. Um hotel. Tudo já no esquema, uma kombi nos esperando pra levar à TV, na Brigadeiro Luiz Antônio. A platéia. A gravação ao vivo do Festival. Os imprevistos durante a apresentação (a platéia jogava coisas na gente... não foi exatamente uma reação favorável...). E depois veio o resultado: prêmio de originalidade. Não ganhamos o Festival, mas ganhamos espaço pela primeira vez para mostrarmos o nosso som. E dali foi acontecendo tudo, mais festivais, gravações, shows. Nossa música tocando na rádio, nossa música tocando na rádio, nossa música tocando na rádio!!! Agora ninguém mais segura!!!

Sonhos, sonhos e sonhos. Que nos ajudaram a passar por aqueles anos funestos em que o Brasil adentrava um fosso tenebroso sem luz no fim, gosmento, fétido, horrendo, apavorante. Sonhos, sonhos e sonhos. Que seria de mim sem eles???

frio e sol


Que dia lindo ontem, que dia lindo. Um céu tão azul, um azul tão profundo, tão forte... na sombra tava até frio, mas no sol.... aquele sol tão gostoso que amorna. A paisagem tão nítida, as fachadas das casas, folhas, pedras, meio-fio, carros... como se eu tivesse passado uma flanela no vidro do meu globo ocular e de repente desembaçou tudo. As cores tão fortes. Me deu vontade de ligar pra todos os meus amigos e dizer pra sairem pra rua e olharem como o dia estava lindo. É raro ter um dia assim, tão especial. A Serra do Mar inteiramente visível no horizonte, aquela linha subindo e descendo desenhando as montanhas... Tinguá, Dedo-de-Deus, dava pra ver tudo.

E a outra coisa boa foi que de ontem pra hoje ganhamos a noite mais fria do ano, 10º!!!!!! começo de setembro. Estamos quase na primavera, e no entanto...

Tirei uma foto desse céu de anil, que aliás foi eleito (li no jornal há pouco tempo que existe um concurso, plebiscito, sei lá.. não é incrível haver uma coisa dessas? acho que na Europa. Ou será nos EUA?) o céu mais azul do mundo!!!! E olha que visitaram lugares paradisíacos -Caribe, Polinésia- e quem ganhou foi o céu do Brasil!!!

Somos os campeões mundiais de CÉU!!!!!!