24 December 2006

a invasao dos abacaxis nirvanicos


Tem várias maneiras de se atingir o Nirvana. Uma delas é se entregar a um desses abacaxis que agora estão aí nessa época do ano (atenção: é só agora que tem estes que te fazem viajar... durante o resto do ano são de outro sabor, terrivelmente ácidos, dão afta e não têm gosto). Compra-se um de casca firme amarelinha alaranjado, de cor mais uniforme possível. Cheire pra sentir seu delicioso perfume. Não retire seu cocar, pois ele será fundamental na hora de descascar.

O têrmo "descascar um abacaxi" significa fazer uma coisa difícil, chata... "abacaxi" sozinho já é sinônimo de problema. Por que? eu heim... descascar é tão fácil: pega-se o cocar, bota o abacaxi (geladinho) em pé num prato e vai-se serrando de cima pra baixo com uma faquinha afiada, nem precisa ser destas intergalácticas... uma normal de serrinha, mas afiada... vai-se cortando tentando tirar o maximo da casca e o mínimo da polpa... depois de umas tantas, cê já virou um mestre!!!! Só com esse corta-corta vai ter sobrado no prato um suco irresistível, sorva-o como entrada, inclinando o prato em direção à sua boca. Mmmmmmm... doce doce doce doce doce... Depois vai cortando as fatias ao gosto, mais grossas, mais finas... Senta. E coma. Às vezes me delicio com uma inteira.

O abacaxi é uma bromélia, é natural da América Latina tropical (Brasil e arredores), o nome dele científico é ANANAS COMOSUS. Devida à comoção que causa a cada dentada!!!!

16 December 2006

idade das cavernas


Século XXI. Ciência. Tecnologia. Globalização. ONGs. Direitos Humanos. Ecologia. Cultura. Que maravilha viver neste tempo sem guerras mundiais, sem pestes, quando podemos nos comunicar em segundos com um cara do outro lado do planeta, quando temos pela frente muitos mais anos de vida e a perspectiva de envelhecermos com saúde e alegria, quando existe uma política ambiental que cuida para que deixemos um Planeta Vivo pros que virão depois de nós, quando pipocam mil facilidades de acesso a eventos culturais em várias camadas da nossa sociedade... livros para consulta, cursos para as mais diversas formas artísticas e tecnológicas, A FOTO DIGITAL!!!... enfim... parece que é o paraíso se materializando na Terra.

E a condição da mulher? Melhorou demais, hoje estamos conquistando direitos que até agora nos foram proibidos, profissões imagináveis há uns 50 anos atrás- ou menos!!! Não dá nem pra comparar. Que sorte estar vivendo agora e não no século XVII, XVIII e mesmo no XIX e XX, dependendo do lugar, quando mulheres não abriam a boca -tinham que abaixar a cabeça e concordar com tudo que o homem fazia e dizia- Eram internadas na menopausa por serem consideradas loucas. Não tinham acesso ao ensino. O sexo era algo inteiramente insatisfatório, um ballet absurdo, quando não doloroso, humilhante, traumático.

Mas enquanto tiver homem espancando, matando mulher por ela quer se separar, e estes criminosos não forem punidos, não saimos da Idade das Cavernas.

É uma coisa muito complexa. Tem homens inteligentes, cultos, intelectuais famosos que não sabem, mas são machistas, porque é uma coisa tão enraigada de milhões de anos, que dizem e fazem conforme fizeram seus semelhantes trogloditas, guardadas as devidas proporções é claro... O mundo do século XXI continua machista, as mulheres se expremendo em roupas apertadíssimas, caindo de seus saltos altos, morrendo de anorexia, enquanto que os homens vestem roupas largonas, gostosas, confortáveis, uns até carecas e com uma barriguinha displicente, e nem por isso são menos desejados...

E na medicina? Existe algum "viagra" feminino para alegrar as velhinhas? existe algum medicamento (sem efeito colateral de um possível câncer) que possa acabar com o inferno que são os efeitos da menopausa, e não só atenuar?

E no trabalho? os salários masculinos bem mais altos em relação aos da mulher exercendo a mesmíssima profissão...

Poderia ficar horas dando exemplos de como nós vivemos num mundo machista, mostrando que neste aspecto poderíamos ter evoluído mais, em comparação com outros do nosso "mundo prático, fantástico, intergaláctico, pornocrático, pneumático, eclético, cibernético, energético, frenético, magnético".

E patético. Porque o que quero mesmo é comentar sobre as notícias no jornal nessas duas semanas que se passaram. Homem sequestra ônibus que está sua ex-mulher, bate nela e ameaça matar. Rapaz joga ácido na cara da ex-namorada, e ela está sem poder enxergar direito. Ex-coronel mata mulher à facadas. Um outro homem mata ex-mulher também à facadas. Pimenta Neves (jornalista-assassino confesso) está foragido ao saber da sua condenação (POR QUE ele estava em liberdade???? POR QUE???? É UMA VERGONHA!!!!). Estas são as manchetes que saíram na imprensa recentemente, com dias de intervalo!!! fora as centenas de outras que não tomei conhecimento, mas que aconteceram e estão acontecendo agora neste exato momento...

Sei que tem umas mulheres que matam homens, sei que cada caso é um caso, longe de mim tomar uma atitude maniqueísta. MAS... casos que nem estes aí de cima são característicos de homem que acha que mulher é uma coisa que se possui, como um carro pra dirigir, um tênis pra pisar, uma bola de futebol pra chutar, e que não admite que a mulher NÃO QUEIRA MAIS NADA com ele. A mulher tem a coragem (sim, porque requer coragem) para se separar, vai à luta para recomeçar a vida, o cara vai atrás e -pumba!- ela deixa de existir. E baseado nestas leis capengas e injustas, ele sabe que pode pegar poucos anos e ser solto logo, ou ficar foragido, ou nem ser preso...

Sei lá... acho isso tão abominável, mexe demais comigo. Covardia braba. A lei do mais forte, o "Instinto Selvagem" que nem a gente vê nos programas do Animal Planet... animal que A GENTE É no fundo e no raso, não podemos esquecer esse "detalhe". Mas... será que isso não vai mudar nunca? no ano 3749, como será a situação da mulher (opa! será que vai ter mulher? ser humano????)? será que vai continuar sendo espancada? estuprada? morta? ou será que existirá uma outra forma de consciência? sou otimista, acho que vai ser muito melhor do que agora. Os valores vão mudar, será um mundo justo afinal. Hmmmmmm.....

Mas cara! o futuro aos deuses pertence, e a mim o presente, vou tratar de vivê-lo da melhor maneira possível.

Vou comer uma fatia de abacaxi e cantar um pouco.

12 December 2006

Chile em festa!!!!! nos tambem!!!!

Finalmente ele se foi, e foi sem ser preso... conseguiu estes anos todos driblar a justiça, alegando insanidade mental, idade... gostaria que tivesse sido dada uma sentença.

Quem tinha 20 e poucos anos como eu nos anos 70, lembra de uma maneira especial o que foi a Operação Condor, a aliança de todos os ditadores militares na America Latina, junto com a CIA.

Acabou. Foi-se o último símbolo vivo desta era macabra. Mas não é dele que estou falando. É sobre a felicidade do povo chileno. Viva Chile!!! ouço o pipocar das rolhas de champanhe!!!! Chile em festa, e nós também!!!! E também hora de refletirmos sobre como e por que esses horrores subiram ao poder, para que fiquemos atentos para que isso não aconteça de novo.

08 December 2006

8 de dezembro


Data difícil de viver. Hoje fazem 18 anos que fiquei sem minha mãe. Aqui estou com ela, no ano de 1987. Nós e as flores, que não falam, mas os nossos olhos sim. Amo ela tanto, e sinto tanto sua falta. Um pedaço grande de mim já não existe mais.

05 December 2006

o caminho do meio


Respondendo ao seu comentário, Lucas, existe sim. É trilhar o caminho do meio, o que é muito muito difícil, pelo menos pra mim.

Mas como? caminho do meio?

A primeira vez que ouvi falar nisso foi quando comecei a fazer Macrobiótica. Tinha um livro que era uma verdadeira "bíblia", do Georges Oshawa: Macrobiótica Zen, Arte do Rejuvenescimento e da Longevidade. Além da filosofia, ensinava receitas, dava fórmulas de curas através dos alimentos, etc etc. E aí li sobre o YIN e o YANG, que é a base da filosofia oriental: tudo se resume neste mundo em YIN (o polo negativo, centrífuga, expansão, frio, cor violeta, leve, maciez, escuridão, água) e YANG (o polo positivo, centrípeta, contração, calor, cor vermelha, dureza, luz, fogo). Nada é exclusivamente YIN ou YANG, tudo encerra polaridade. Quando YIN chega ao extremo, vira YANG e vice-versa. Neste livro tinha uma tabela de alimentos, indo do YIN até o YANG: entre os cereais, o milho era o mais yin e o trigo sarraceno era o mais yang; nos legumes, beringela era yiníssissímo, o cará yanguississímo, nas carnes, frango era bem Yin, faisão o mais Yang, e por aí vai. A jogada era combinar os alimentos, procurando o equilíbrio, mas evitando aqueles que estão na extremidade das tabelas, e procurando usar os que estivessem no meio, por conterem em si uma dosagem mais equilibrada de Yin e Yang.

Bem, fiquei nessa dieta por uns dois anos, levando a maior fé, mergulhei de cabeça, radical... compus até uma música sobre a macrô (Campos de Arroz), que foi gravada, encenada e tudo.!! E me senti muito muito bem, nesse tempo não peguei nem um resfriadinho, nada nada, super sadia e cheia de energia. Mas.... não deu pra continuar mais que isso, por várias razões, mas principalmente por uma: a rigidez e o radicalismo da dieta e o meu radicalismo também ora ora...

Tudo isso pra dizer que... a vida é uma balança, sempre pendendo ou prum lado, ou pro outro, raramente equilibrada no meio. Uma gangorra onde brincam e brigam nossos sentimentos, nossas atitudes, nossos humores. É no caminho do meio que está a sabedoria. O exagêro vai sempre acabar nos levando pro lado oposto, basta olhar pra nossa História...

Pra mim, como falei acima, é muito complicado. Sou exagerada por natureza. Tudo eu gosto muito, faço muito, sinto muito. Muito mesmo. Inteiramente desequilibrada. Ops, to exagerando! inteiramente não... sinto que ao passar dos anos venho conseguindo dosar mais meus apetites e meus fastios pra poder ser mais feliz por mais horas. Não é um processo contínuo, dou tres passos, volto dois pra trás, mas é assim mesmo. E então... voltando ao começo deste post. A tecnologia taí, chegou pra ficar, é uma maravilha, um sol, mas como qualquer sol, se ficarmos muito tempo expostos, é mortal. Nessa hora, desliga tudo, fecha a casa, dá um tchau e ... rumo a Milho Verde, Lapinha da Serra... ou Lagoa das Lontras! e procurar um equilíbrio, uma falta de exagero nas coisas que se faz, que é pra não se cansar do tanto ou do tão pouco....

30 November 2006

papo de lagartixa


Estava eu na sala, sozinha. Não era nesta casa de agora... ainda era na Rua Oriente, numa casa bem "santateresina", com escada curvilínea de madeira rodopiando toda odalisca, chão de táboa corrida, porão, sótão, assim. Estava eu então lendo, ou comendo, ou escrevendo... não lembro exatamente, mas sei que estava sentada à mesa. Era de noite, mas não muito tarde, umas oito ou nove horas. Talvez até estivesse sozinha naquele exato momento, pelo menos pensei que estivesse, antes de um tá-tá-tá. Um tá-tá-tá quase inescutável, inaudível. Imperceptível, mouco, mudo. Se não estivesse um silêncio contundente à minha volta, provavelmente não teria escutado. Era pertinho também, vinha por trás de uma antiga e pequena cristaleira. Com cuidado, cautelosamente, sem me mexer olhei para o local. Que seria aquilo? A casa era, como qualquer casa velha de madeira, visitada em dias esparsos por camundongos, mas aquilo não era som de camundongo... era um som que quase não existia, se não fosse tão insistente e rítmico, poderia pensar que era minha imaginação querendo mangar de mim. Mas não. Tá-tá-tá, uns vinte tás muito rápidas quase coladas, depois parava um pouco, uns 5 segundos, depois de novo. Tentei imitar, ali imóvel, sem saber o que estava acontecendo e do que se tratava. Consegui um som semelhante: pondo a ponta da língua no céu da boca, curvando-a levemente, e ao desccolá-la, percutir o ôco do movimento mínimo. Complicado? nem tanto, exige um pouco de prática, mas nada que não se consiga fazer depois de um pouco de treino.

Depois de sonar essa técnica uma vezes, notei que o tá-tá-tá de lá parava quando eu tatatarava de cá. E vice-versa, quando eu parava, o outro respondia. Fiquei intrigadíssima, um ponto de interrogação posicionou-se acima da minha cabeça e pesou no meu cérebro. Com muita lentidão, com muita cautela, fui aproximando a cara por trás da cristaleira e... ei-la!!!!!! dei de cara com uma LAGARTIXA. Gente, eu tava falando com uma lagartixa, e ela estava me entendendo e me respondendo. Mas não era recíproca esta compreensão de falatório, pois eu não entendia nem o que eu falava, nem o que ela dizia...

Já sei que vai ter gente que vai falar: ce tava sozinha em casa, tava carente, começou a imaginar, imaginou imaginou e viajou brabo... por acaso tem testemunhas para confirmar esta insólita conversação?

Talvez tenham razão quanto à carência (falaria até com uma lagartixa...), talvez até estivesse só, e até descobrir quem tava ali comigo fazendo companhia, imaginei muita coisa. Mas sim, tenho testemunhas, pois em outro dia isto se repetiu!!!

Pois é, isto é o verdadeiro papo de lagartixa. Bicho que sempre tive grande simpatia, é um mini-jacaré, sem ter a ferocidade e os dentões do seu primo gigante. É inofensivo, sua dieta preferida é composta por mosquitos, e nada melhor do que um eliminador mosquitífero nos dias de hoje, com esses aedes zumbindo pelo ar. Ele é bonitinho, tenho broche e anel com sua imagem... E que genial a maneira de ele ficar pregado à parede, ao teto, sem cair, com aqueles dedinhos de ponta redonda, parecendo perereca. Acho que estas bolinhas na ponta é que permitem sua aderência tão perfeita às superfícies verticais e tetais (de teto, e não têta), tipo ventosas. E se estiver numa vidraça entre uma lâmpada e nossos olhos, podemos ver através dele, tal a finura e delicadeza de sua carne... ele fica translúcido, que nem raio X, dá pra ver tudo dentro dele...

Moral da história: nunca se sinta só. Haverá sempre uma lagartixinha por perto pra bater um papo, é só procurar.

28 November 2006

mil assuntos

Mil assuntos. É a moça que morre por anorexia, nessa estúpida vida de modelos-esqueletos... é a lei protegendo o jovem assassino da mulher no carro no Leblon... é o aquecimento global.... é o aniversário de um amigo meu que morreu de alcoolismo... são lançamentos quentíssimos de CDs que ainda não foram lançados, mas estou escutando em primeira mão e estão demais- do Jorge Mautner (com Nelson Jacobina, claro!) e da Orquestra Imperial, demais demais demais. Tantos assuntos e mais ainda- releitura de Livro do Desassossego, de Fernando Pessoa, que quero comentar sempre e pra sempre... minhas cachorras e meus gatos carentes... minha volta ao exercício de escrever, copiar partituras, transpondo tons.... enfim.... e cadê o tempo pra sentar e escrever, coisa que gosto tanto? parece que quanto mais temos a tecnologia a nos favorecer, tornando a vida mais confortável, simples e prática, menos temos tempo pra usufruir de um momento lazer, um momento ócio, que simplesmente não existem mais....

20 November 2006

Dia de Zumbi!!!


É Lucas, respondendo ao seu comentário em "inauguração dos jardins do MAM"- parece que o Rogério quis dar mesmo um contraste àquela profusão lisérgica... cores... curvas... cavas... cobras... dragões... Caetano num rosto de camafeu discreto meio sépia... e.... sai da frente!!! irado (no sentido "arcaico" da palavra).

É, e hoje é dia de Zumbi, feriado muito mais que justo e que demorou tanto a ser oficializado. Zumbi Herói. Zumbi libertador dos escravos. Mas... como isso tudo aconteceu?

Começa com os negros fugindo do trabalho escravo dos engenhos de açúcar em Pernambuco, fundando o Quilombo dos Palmares. Em 1655 nasce Zumbi, que ainda criança, num dos ataques das tropas portuguesas ao Quilombo, é aprisionado e dado a um padre. Batizado com o nome de Francisco, é educado na religião católica, estudando português e latim. Mas um dia Zumbi consegue fugir e e volta para Palmares. O Quilombo continua sistematicamente a ser atacado, Zumbi o defende mostrando que é um grande guerreiro e estrategista militar. Até que finalmente as tropas portuguesas conseguem vencer a resistência e propõem a alforria para todos os habitantes do Quilombo. Zumbi é contra, porque ele quer o fim da escravidão, não aceita liberdade só pra uns. Acontece o ataque final, Zumbi consegue fugir, mas em 20 de novembro ele é delatado, morto e degolado.

Brasil é um país negro. Setenta a oitenta por cento de sua população é negra ou descendente de. E continua a ser um país extremamente racista, e o que é pior, um racismo camuflado, fingindo que não tem, fingindo que não existe. Como ser contra uma "coisa que não existe"? Vamos combater, vamos ficar atentos, vamos fazer a nossa parte.

Viva o Dia da Consciência Negra!!!

E ninguém para melhor ficar na foto ilustrando este dia do que Abdias do Nascimento, incansável guerreiro que a vida inteira lutou pela causa. Em tempos idos fui casada com seu filho, e até hoje somos amigos de se ver, se frequentar, aniversários, festas, ou simplesmente passar só pra dar um abraço, sem nada marcado, sem razão nenhuma além de se gostar. Bida, Léa, Abdias, Elisa, Allan, Osíris, Henrique, todos.... salve salve!!! No ano passado teve uma belíssima exposição, com produção de Elisa, do Abdias no Arquivo Nacional, na Praça da República, quem não viu, perdeu. Perfeita. Completa. Abrangente. Pertinente. Indispensável.

Viva Abdias!!!

14 November 2006

os jardins do MAM


Respondendo ao commentário do Lucas, no post "inauguração do Vivo Rio": caramba!!! não é que squeci mesmo de mencionar que Gil era esse. É o Ministro sim!!! Gilberto Gil!!!! maravilha!!! show inesquecível!!! E muito legal a sua dica do ótimo site de raridades brasileiras musicais (http://brnuggets.blogspot.com). Vou colocar nessa lista de links aí do lado. Cê já tinha me dado a dica, e já entrei (e vi a Equipe Mercado). Louvável iniciativa da rapaziada, pinçando essas jóias raras. Vai me mandando sempre que tiver uma dica legal, tá?

Pensando ainda no show de domingo, no Vivo Rio, hoje li no Globo online que os jardins do MAM, por causa da construção dessa casa de espetáculos, foram inteiramente destruídos, dando lugar a canteiros de obras, tapumes, concreto, devastação total. E tem quatro fotos pra mostrar o estrago, tiradas por um leitor que passa por lá todo dia rumo ao trabalho. Cara, é horrível, esses jardins são tombados, são do Burle Marx!!! Confesso que não reparei... cheguei lá naquela noite já escurecendo, aquela confusão de fila de carros, ingressos, filas, chuva, e saí quase à meia-noite, sinceramente não reparei. Mas se for verdade, é alarmante. Os jardins do MAM precisam ser restaurados replantados cultivados preservados imediatamente. Já soube que a Prefeitura está querendo botar um "marina-shopping" no Atêrro do Flamengo pros Jogos Pan-Americanos!!! Socorro!!! Não pode!!! É área tombada. Mas como as coisas aqui são extremamente flexíveis quanto às leis... temos que ficar de olho:|

O Parque do Flamengo foi projetado nos anos 50, mas as obras só começaram em 61. O arquiteto Affonso Eduardo Reidy foi quem fez o projeto urbanístico e arquitetônico, o paisagístico é de Roberto Burle Marx, e a realização desses projetos contou com a participação decisiva de Lotta Macedo Soares. O atêrro foi com o desmonte do morro de Santo Antônio (que cheguei a conhecer, era onde ficava a estação do bonde de Santa Teresa), que ficava no Largo da Carioca.

Em 1951, quando fui morar no Flamengo, na Rua Paissandú (a das palmeiras imperiais), não havia atêrro nenhum. O mar vinha pertinho dos prédios, tinha uma mureta, e muitas pedras, pouca areia. Me lembro perfeitamente, eu tinha uma bóia daquelas pretas de pneu e adorava, acho que como qualquer criança adora, entrar no mar com a bóia. Quando o Parque ficou pronto (1965, por aí), estava me mudando pra Ipanema, e não cheguei a frequentá-lo. Era pra mim uma belíssima e impressionante paisagem futurista que eu via da janela do ônibus. E de noite, aqueles mastros altíssimos, pairando uma luz azulada, fria, solene, silenciosa, selene... Mas em breve o destino iria nos aproximar...

Em 68 (ai meu coração!!!! que ano!!!!) entrei pra Faculdade de Arquitetura, e no mesmo ano foi lançado este disco cuja capa (de Rogério Duarte) enfeita esta história: CAETANO VELOSO. Produção de Manuel Barembeim, arranjos de Júlio Medaglia, Damiano Cozzella, Sandino Hohagen. Esse disco foi um daqueles que ouvi até furar. Sabia de cór. Pois nele está a música PAISAGEM ÚTIL, do Caetano:

Olhos abertos em vento
Sobre o espaço do Aterro
Sobre o espaço sobre o mar
O mar vai longe do Flamengo
O céu vai longe e suspenso
Em mastros firmes e lentos
Frio palmeiral de cimento

O céu vai longe do Outeiro
O céu vai longe da Glória
O céu vai longe suspenso
Em luzes de luas mortas
Luzes de uma nova aurora
Que mantém a grama nova
E o dia sempre nascendo

Quem vai ao cinema
Quem vai ao teatro
Quem vai ao trabalho
Quem vai descansar
Quem canta, quem canta
Quem pensa na vida
Quem olha a avenida
Quem espera voltar

Os automóveis parecem voar
Os automóveis parecem voar
Mas já se acende e flutua
No alto do céu uma lua
Oval, vermelha e azul
No alto do céu do Rio
Uma lua oval da Esso
Comove e ilumina o beijo
Dos pobres tristes felizes
Corações amantes do nosso Brasil

E nessa mesma época, passei a frequentar a Cinemateca do MAM diariamente, depois de almoçar idem na Associação Macrobiótica que ficava na Praça Mahatma Gandhi, na Cinelândia. Me sentia em casa, mais ainda quando conseguimos -Pamplona, Conceição e eu- a chave!!!! de uma sala no próprio MAM para ensaiar a peça de Harold Pinter, fundando na Arquitetura o TUFÃO (Teatro Universitário do Fundão). Os ensaios eram de noite e não havia perigo nenhum em pirulitar por ali... às vezes íamos até um bar na Presidente Antônio Carlos, depois voltávamos pro ensaio sonhando em voz alta...

E em 76? novamente fui "abduzida" pelo Atêrro. Walter Smetak estava fazendo um workshop e estreando uma peça dele "A Caverna" no MAM. Fui, participei, cantei na peça, e selamos uma amizade que só se interrompeu com o seu falecimento em 84. Ficávamos conversando horas naquele café do Museu, nas cadeiras ao ar livre, sorvete, café com filosofias e torradas, água mineral e nuvens...

Foi nesse café que tomei meu primeiro expresso. Acho que era o primeiro em toda a cidade.

Como diz o Zeca Pagodinho, deixa a vida me levar. E me levou num rodamoinho pelo mundo todo. Eis que em 1988, aterrisei. Comecei a treinar tai chi chuan com o Mestre Hu. ONDE? justamente nos jardins do MAM, entre o Museu e o mar, bem embaixo daquela fileira de palmeiras. Foi um reencontro emocionante com aquele lugar, depois de tanto tempo e de tanta coisa. Treinava todo dia, de 6 às 9 da manhã, e dependendo da estação, via o sol nascer por entre aqueles jardins. Também reparei que tinham-se passados 18 anos, e o MAM, mal conservado: áreas sujas, a grama feia, o café fechado, a Cinemateca extinta. Tinha de tudo... gente acordando de manhã, saíndo de uma moita pra ir trabalhar... gente dormindo entre os arbustos, mendigos.... loucos que vinham imitar nossos gestos nos exercícios, gente transando, assaltos (dos quais nem o Mestre Hu, com os seus 90 anos, conseguiu escapar), e até pessoas armadas eu vi. MAS... os jardins estavam lá, a natureza esplêndida do lugar me extasiava, o aroma das flores, os pássaros... aqueles treinos com a turma foram uma viagem.

Está claro que não precisa nem ter essa ligação afetiva com esses jardins para entender uma coisa tão óbvia. O Atêrro do Flamengo é um patrimônio da cidade, área tombada e portanto NÃO PODE virar local de canteiro de obras, shopping, cais de navio, terminal pesqueiro, complexo hoteleiro, supermercado... to torcendo para que já tenham reparado o estrago das obras, e que a Prefeitura tenha desistido desse projeto insano de canibalizar essa área tão linda.

13 November 2006

inauguracao do Vivo Rio

Respondendo ao Lucas no comment anterior, é, a foto tá legal, né? foi tirada pelo Milton meu amigo (não é um profissional, mas acabou sendo). e com uma Canon não digital, com tele...

Bom, agora hoje.

Ontem, naquela garoinha gostosa, encasacada e de cachecol, feliz pela benção desse friozinho em pleno novembro, feliz pelos convites que o Jorge (Mautner) e Nelson arrumaram, fui na inauguração do Vivo Rio, última noite. A casa de shows fica bem ali no MAM, no Atêrro do Flamengo. Soube que este espaço faz parte da planta inicial, do qual fazia parte aquele terraço de tijolinho que tem uma rampa, o edifício do MAM e este dito cujo, mas só agora é que foi construído.

Chegando lá, aquela confusão de carros, gente, ingressos, fila, convites... mas até que não foi das piores. Entramos e fomos descendo pela escada em direção à área VIP. À primeira vista lembra um pouco o Canecão, mas acho que é maior. O show levou uma hora pra começar, dois telões anunciando repetidamente as próximas atrações, anúncios... Finalmente, sob luzes brancas e roxas (é, parece que roxo tá na moda mesmo...), Gil e banda- Claudinho Andrade nos teclados, de Dalva na percussão, Artur Maia baixo, o filho Bem numa das guitarras, a outra é o Sérgio (ops, squeci do sobrenome), e bateria, o sempre Jorge Gomes. Gil tá super em forma, cantando e tocando como nunca, uma maravilha de emocionar, cheguei a chorar em várias músicas, como Drão (a melhor da noite pra mim), A Novidade (me emocionei com ele cantando pro neto, filho do Bem, que estava bem na frente no colo da mãe. Disse que o menino adorava essa música). Ainda com bonitas participações de Adriana Calcanhotto e Maria Rita. Só não gostei do bis- Imagine, de Lennon, a música é legal mas... sei lá...

O som do local ainda é precário, e tava "chovendo" no banheiro feminino, logo interditado, e tivemos que ir prum outro lá atrás, ainda bem que tinha este outro... Parece que foi inaugurado antes do tempo... acredito.

Mas ver o Gil ao vivo é sempre inesquecível. Ele é tudo e mais um pouco....

10 November 2006

nomes irrequietos


"Não é numerologia. Embora não tenha nada contra (nem a favor), nunca fui a um (a) numerologista. Sempre foi uma coisa tão natural, como vida e morte, que na verdade nem me dei conta do fato. Mas quando minha amiga se surpreendeu com a quantidade de vezes que mudei de nome na minha profissão, achando que aí tem coisa, senti que devia dar uma explicação ao distinto público. Na verdade, como vou explicar uma coisa tão natural como vida e morte? Precisa? Existe e pronto. Muita filosofia pra analisar quem veio antes, o ovo ou a galinha, muitas religiões pra ir tapeando o medo da morte, muita psicanálise pra saber se ce tá acordado ou dormindo, mas... não sei... é uma coisa tão natural.

Meu nome na Equipe Mercado foi de cara -DIANA. Adoro esse nome. Sou eu. Totalmente identificada. Mas aí (to falando nos anos 70) tinha a mulher do Odair José, que era cantora de pseudônimo Diana (nome Ana Maria). Bem, começou a confusão. Aí Ronaldo Periassú sugeriu Diana com um jota antes do i. Ficava assim meio djavan, djalma.

Olha só, fica até bonitinho: DJIANA. Mas cheira a numerologia, não? aquela coisa de por um (ou mais!) agá no nome, ipsilon onde não tem nada a ver.... fica tão forçado, tão fragilizado... 'tadinha da pessoa, acredita que isso vai lhe dar sorte... sucesso.... Acontece que esse djiana só se sustentou numa única reportagem, abaixo de uma (linda) foto tamanho 3x4, na revista Amiga.

Quando a Equipe Mercado acabou, eu e Stul fizemos a dupla Diana & Stul. Eu diana, ele stul. Mas por uma involuntariedade, dessas coisas que ninguém sabe explicar, e se a gente tivesse querido isso, não ia acontecer, o povo começou a me chamar DIANA STUL. Nossa, lindo demais!!! Mas era uma corruptela... Nada fiz no entanto para desfazer o equívoco, pois sentia nesse novo nome um renascer das cinzas, um novo alento, uma nova vibração. E adotei.

Outra invenção periassústica foi o DIANA PERTREE. Seria (e foi) meu pseudônimo para a edição na Revista Vozes do meu "Conto Cognak". Como a gente mexia muito com o som das palavras, misturando de palavras de várias línguas diferentes, achamos que seria divertido colocar pereira (nome de batismo) em ingles -pear tree- misturando as grafias. Estendendo assim o clima do conto até o nome da autora, uma coisa só.

Mas fora esses nomes incidentais, meu diana stul continuou circulando pra cima e pra baixo, todo contente. Foi quando passei pro elenco de Rock Horror Show. Guilherme Araújo perguntou meu nome completo. Nome que tá na certidão. Diana Estela Pereira. Bem, minha mãe tinha nomes russos. Não! Meu pai tinha Jordão (aliás, TODOS da família têm Jordão, menos eu). Não!
Guilherme fixou-se no estela. Estela = Strella. Eu respeitei, afinal foi ele que mudou o nome Maria da Graça pra Gal, e foi tão bem sucedido!!! E por toda temporada do Rock Horror (e depois um pouco), ficou DIANA STRELLA, o que não é mau. Mas eu, na minha modéstia, me chamar assim impunemente de estrela? Depois que acabou a temporada, fui saindo do céu da strella, e voltando pro chão da Diana.

E CAÇADORA? Acho que esse só apareceu no cartaz na entrada do Teatro da Galeria, na peça infantil "Roboneta, Planeta dos Robôs". Nem em jornal. Uma brincadeira de criança.

Com Smetak, fui DIANA PEREIRA. Trabalhar com microtom era coisa séria... E na Europa, DIANA PEREIRA (ou PERERA) pegou bem. Pereira é bonito, sinto-me eu, mas aqui no Brasil a quantidade de homônimos assusta qualquer cidadão sensato... E na hora dos direitos autorais? Jorge BEN mudou por muito menos por causa do BENSON, imagina a confusão de dianas pereiras???? Mas lá fora tinha tudo a ver. E provavelmente teria sido o último, se eu tivesse ficado lá pra sempre. Mas pra sempre não aconteceu, e voltei.

Com que nome? ah... preguiça de pensar nisso. Diálogo comigo mesma:
-Vamos deixar só diana e chega. É o ideal.
-Mas... e a outra?
-Ah meu deus... então tá. Vamos lá pra trás. Infância. Minha avó russa. Ela me chamava de alguma coisa. Um apelido. Não era diana em russo, era um carinho em forma de som. Me beijava e me abraçava, me chamando de DASHA. Mayá Malênkaya Dasha (Minha Pequena Dasha). Ah, agora vai.

DIANA DASHA. Foi perfeito. Parecia até numerologia, mas não era mesmo. Cinco letras em cada palavra. Equilíbrio perfeito. Duas palavras começando com a mesma letra d. Tipo Marilyn Monroe, viu que chique? e ainda tinha aquele indefectível agá, que todos insistem em inserir onde não tem mais lugar. Mandei ver. Gravei meu LP com o DIANA DASHA bem grandão encima, e por mais de 10 anos atendo por esse nome no palco. Até fora dele sou eu.

Mas lá vem a onda que tudo quer mudar, tudo renovar, tudo matar pra renascer, por um fim para que haja um começo.

Por razões pessoais, sinto-me eu neste belo instante como um casulo virando borboleta. Como uma grão de areia que a ostra engoliu, virando a mais linda pérola que já se viu. E queria tanto marcar esse momento. Tanto. Marcar. Pérola. Borboleta.

Você é louca? mudar de novo? assim ninguém vai saber quem é. E a mídia vai ter um problema aí... vão escrever Diana Nome Novo, ex-dasha, ex-stul, ex-pereira, ex-mercado (ainda tem essa!), não é vendável, não é sensato, assim ce acaba com a sua carreira!!!

Mas gente, será que sou tão famosa assim? será que tá tarde demais pra mudar? nunca é tarde demais, as más línguas falam, ou não?

Não ser famosa tem vantagens, sabia? e uma delas é a liberdade de fazer o que se quer. Pode ser apenas um singelo mudar de nome.

Outro diálogo que ouvi na cabeça:
-Se você está mudada realmente no seu interior, não precisa mudar de nome.
-Ah... mas assim a brincadeira não tem graça...

Não é numerologia. É mágica. Vou mostrar como funciona. DASHA vira JORDÃO. DIANA JORDÃO. Vocês gostam? O que ces acham? Cartas aqui pra redação!!!!!"

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Este texto está no meu site que estará em breve nas bancas!!!! acabei optando por DASHA, porque descobri que sou mais conhecida do que imaginava:)

07 November 2006

novas ferramentas

Estou meio eufórica, pois descobri que abrindo o blog no Mozilla, várias novas ferramentas de edição ficam disponíveis. CORES CORES CORES CORES CORES fontes fontes fontes fontes fontes (pouca opção, meio parecidas...), tamanhos tamanhos tamanhos ESTILOS ESTILOS... um novo mundo descortina-se para mim... eu, que até então não tinha opção, era aquela letrinha mesmo, tudo igual, nem um negrito, nem um itálico.... bem, agora vou demorar mais ainda, porque estou deslumbrada, gosto de ficar experimentando, adoro coisas novas, mudanças... mas também não posso ficar viajando dias e horas e semanas, porque os assuntos vão se acumulando, como agora estão empilhados dentro do meu cérebro, gritando pra sair.

Agora tem um PEQUENO detalhe. Publico, mas pra visualizar, só no Safari... Mozilla não me deixa ver as novas publicações, ou então não estou sabendo fazer.

Ai ai. A CADA DIA UMA NOVA CRIA.

31 October 2006

Jamelao


Publicado no jornal Extra, de 31 de outubro de 2006: "Jamelão não vai gravar o samba da Mangueira. Intérprete teve uma isquemia e ficará fora do CD do Grupo Especial, mas escola fará homenagem.

Cantor da Mangueira há mais de 50 anos, Jamelão não vai poder gravar o samba da verde-e-rosa no disco das escolas do Grupo Especial. O intérprete, de 94 anos, sofreu uma isquemia e, pela primeira vez em 20 anos, fica fora do CD oficial. Luizito, que é o segundo puxador da escola, fará a gravação. Segundo o médico Fábio Rossi, que há anos cuida de Jamelão em São Paulo, a isquemia só foi detectada na quarta-feira, após uma tomografia:

— Ele não apresentou problemas motores e anda sem problemas, mas tem dificuldades cognitivas, ou seja, não entende bem as coisas e tem dificuldades de articular as frases.

Jamelão está em casa e deve ficar no Rio até semana que vem, quando volta para São Paulo com seu médico. Ainda não se pode prever como ele estará até o carnaval, já que a recuperação de uma isquemia em idade avançada é lenta e imprevisível. Mas a Mangueira espera que ele esteja bem para o desfile.

— Se Deus quiser ele estará cantando nosso samba na Avenida. Caso não possa cantar, queremos Jamelão no carro de som, que é seu lugar de direito — diz Percival Pires, presidente da Mangueira"

Se Deus quiser, e Ele há de querer!!!! torço pela recuperação dele, senão como será o carnaval da minha querida Mangueira? não consigo imaginar o desfile sem o vozeirão dele a ecoar pela avenida.

Jamelão é o próprio carnaval pra mim. "Mangueira teu cenário é uma beleza, que a natureza criou ô ô" (Exaltação à Mangueira).. essa música foi marcante pra mim, criança de nove anos e que adorava o carnaval. Outra que eu gostava especialmente era "Eu Agora Sou Feliz".

O nome de Jamelão é José Bispo, e ele nasceu em 12 de maio de 1913. Começou tocando tamborim na bateria da Mangueira, depois aprendeu cavaquinho e passou a cantar nas gafieiras. Seu apelido não se sabe bem de onde veio, se de um locutor de um programa de calouros em que ele participava, ou se na gafieira onde ele passou a se apresentar. Foi crooner da Orquestra Tabajara, do Severino Araújo, e chegou a excursionar com a Orquestra pela Europa. Em 1949 passou a ser intérprete da Mangueira, atividade que pratica até hoje. Gravou vários LPs, sendo o maior intérprete dos samba-cancões de "dor-de-cotovelo", cantor romântico. Gravou um disco só de composições de Lupicínio Rodrigues. O gênio dele não é muito fácil, não tem papas na língua, tem fama de ser meio mal humorado, possui várias manias, sendo uma delas a de andar com muitos elásticos enrolados entre os dedos, e quando canta, é aquela confusão- microfone, dedos, elásticos, dedos, elásticos.... Mas Jamelão pode ser o que quiser, falar o que quiser, porque já conquistou o seu lugar na música brasileira com muita dedicação e talento, e hoje é o Presidende de Honra da Mangueira, foi eleito em 1999 o intérprete do século do carnaval carioca por 80 jurados do Rio e de São Paulo, é reconhecido, querido, homenageado, adorado em todo os lugares.

Pois é, ele tem que ficar bom. Senão, como vai ser?????

28 October 2006

Rogerio Duprat


Do site do CliqueMusic e jornal O Globo:

"Morreu na tarde desta quinta-feira (26), Rogério Duprat, maestro que rompeu a barreira do erudito com o popular no movimento musical conhecido como tropicalismo e que reuniu nomes como Caetano Veloso, Gilberto Gil e Tom Zé, no final da década de 60. Duprat foi também responsável pelos arranjos de diversos discos do grupo Mutantes, da Rita Lee.

O músico estava com 74 anos, sofria de mal de Alzheimer e de um câncer na bexiga descoberto recentemente. Duprat estava internado desde o dia 10 de outubro no Premier Residência Hospital (zona sul de São Paulo).

O velório aconteceu no Museu da Imagem e Som (MIS), em São Paulo. O corpo do maestro, que tinha uma esposa e três filhos, deverá ser cremado amanhã no Crematório da Vila Alpina.

Nascido no Rio de Janeiro, começou a estudar violoncelo no começo da década de 1950, período que integrou a Orquestra Sinfônica Estadual. Mas seus primeiros passos na música se deram ainda bem jovem, quando tocava "de ouvido" cavaco, violão e gaita de boca. Mudou-se para a São Paulo em 1955, onde passou a ser um dos destaques da Orquestra Sinfônica Municipal. Foi um dos fundadores e diretores da Orquestra de Câmara de São Paulo e o idealizador do movimento Musica Nova em 1961, junto com Damiano Cozzella, Willy Correia de Oliveira, Gilberto Mendes e Régis Duprat. Viajou para Europa com o maestro Júlio Medaglia, onde teve aulas com o compositor Karlheinz Stockhausen - curiosidade: um de seus colegas de "classe" era Frank Zappa.

Começou a compor trilhas para longa-metragens do diretor Walter Hugo Khouri, como “A Ilha”, “Noite Vazia” e “Corpo Ardente” e a se aproximar dos músicos populares, principalmente dos tropicalistas, liderados por Caetano Veloso e Gilberto Gil. Para Gil, compôs o ousado arranjo para Domingo no Parque, que mais tarde lhe daria o prêmio de melhor arranjador no Festival de Música da TV Record, em 1967. No ano seguinte, ao lado de Caetano, Gil, Tom Zé, Gal Costa, Os Mutantes, Nara Leão, Torquato Neto, gravou o histórico disco “Tropicália”, compondo arranjos para várias canções do álbum, como “Baby”, “Panis Et Circencis” e “Geléia Geral”. Fez arranjos para canções de Chico Buarque (“Construção/Deus Lhe Pague”), Jorge Ben Jor (“Descobri que Sou um Anjo”) e trabalhou em vários discos dos Mutantes, sendo decisivo para a mudança de sonoridade da banda paulistana. Passou a dedicar-se a produção de jingles e aos poucos abandonou o mercado musical por problemas de surdez, causados pelas intermináveis horas de estúdio, e mudou-se para um sítio em Itapecerica da Serra, interior de São Paulo. Só voltou a atividade musical na década de 90, compondo arranjos para os discos de Lulu Santos e Rita Lee.

Duprat foi o grande responsável pelo rompimento da barreira entre erudito e popular, consolidando-se como figura ímpar da música brasileira".

Fiquei triste com a notícia quando li. Não sabia que ele estava doente. Poxa, ele ainda era jovem- 74 é jovem pra morrer hoje em dia- e me lembrei quando o conheci em 69 ou 70 numa reunião em São Paulo quando eu era da Equipe Mercado. Fiquei nervosíssima em ele estar ali diante de mim, como a gente sempre fica diante do ídolo... pois o disco "Tropicália" fazia parte da minha trilha diária, noturna, vesperal, matutina, sonhando dormindo ou acordada, em pé, sentada, aflita ou relaxada, eu sabia de cor, e aqueles arranjos revolucionários, assim como quase tudo do movimento tropicalista já faziam parte da minha pessoa. Bem, foi por causa do Tropicalismo que comecei a cantar. Deu um troço doido em mim, virei pelo avêsso. Parecia que de repente eu estava entendendo tudo na vida. Acendeu-me a luz, senti que aquela era minha turma, e me senti inteiramente identificada com ela: ah.... então é isso... eu sempre soube, mas não tinha consciência...

O disco é genial. A começar pela capa, Rogério ele próprio no canto esquerdo do banco faz de um penico uma xícara de chá. Os Mutantes atrás, ao lado de Tom Zé, com a "mala de couro forrada de pano forte bem cáqui" (No Dia Em Que Vim Me Embora, de Caetano), recém chegado da Bahia. Gil no chão, segurando a foto de Capinam, ausente na foto. Acima, o Caetano faz a mesma coisa com a foto de Nara Leão, também ausente. E do lado direito do banco, Gal e meu saudoso amigo Torquato. Todos, fora o Rogério, parecem ter de 15 a 20 anos de idade. Tem uma moldura verde amarela azul, fundo e chão de verde ardósia, e pronto. Tropicália na vertical de um lado, do outro Ou Panis et Circenses. Todo mundo sério. Predominam as roupas psicodélicas.

Vamos às faixas. A primeira é Miserere Nobis, do Gil e Capinam, canta Gil. Começa com um órgão de igreja, sininho, pra bruscamente interromper pras guitarras em ritmo, flautas, fagotes em contracanto, e final bombástico (me lembra até a Abertura 1812 do Tchaikovski, que tem canhões) de uma trompetada e climas de banda militar. Ora pro nobis. Tomára que um dia sim um dia não na mesa da gente tem banana e feijão.

A segunda, Coração Materno, de Vicente Celestino, canta Caetano. Um cello e tambor, meio bala de canhão e também e principalmente, a bomba de um coração batendo. Clima expressionista. A letra é um dramalhão só: a história de um "campônio" que, pra provar sua paixão à amada, e a pedido desta, arranca o coração de sua "pobre mãezinha ajoelhada a rezar", mas ao voltar, cai, quebra a perna e coração voa longe. De repente ouve-se uma voz: "vem buscar-me filho, aqui estou, vem buscar-me que ainda sou seu"... O arranjo prepara todos esses climas carregando na emoção e Caetano cantando é lindo. Naquela época muita gente não entendeu o porquê desta música (considerada "kitch"- nova paravra para brega, aliás Nelson Gonçalves, Angela Maria, essa turma estava bem por baixo) ter sido uma das escolhidas pro disco, mas Tropicalismo era exatamente isto: não ter preconceito algum, assumir todas as nossas influências culturais, desde o sertanejo, o brega, o rock, a jovem guarda. Isso somos nós.

A terceira, Panis et Circenses, de Gil e Caetano, canta Os Mutantes. Esta é.... esta é.... confesso que fico com lágrimas nos olhos quando a ouço. E a pele arrepia. Esta me é especial. Muito especial. Começa com um lalalalá côro mutante, o órgão fazendo a base numa nota só ininterrupta, guitarra dando uns arpejos. Pára tudo. Respiram e entra a letra, que é uma das mais lindas que já ouvi. Simplérrima, infantil, essa melodia em arpejo ascendente, tônica, terça, quinta e... a inesperada inusitada bendita nona!!! vai-se repetindo e é quase isso só, e é tanto tanto tanto... é tão pra cima, tão forte, é um hino mantriático psicodélico, o arranjo muito louco, uma coisa que parece um pato (sintetizador? guitarra?) tocando no contratempo (isso antes do reggae!!). Quando entra a segunda estrofe (mandei fazer/de pura aço luminoso punhal...) entra uma trompete inteiramente insandecido, tresloucado, fazendo um contracanto pungente e arrebatador. O timbre e a participação especialíssima lembra ao longe Penny Lane, dos Beatles (aliás, diziam que o Duprat era o "George Martin"- arranjador dos Beatles em Seargent Pepper's Lonely Hearts Club Band e muitos outros- tropicalista, e que este disco era o Seargent Pepper brasileiro!!!). E segue o arranjo: no meio da música, há uma "falta de luz" e é como se o disco fosse parando com a agulha encima. Silêncio. Uma nova introduçãozinha com flautas, algo com som de cravo, e... e explode o final, que começa num andamento lento e vai acelerando: "essas pessoas na sala de jantar essas pessoas na sala de jantar", repetindo repetindo obsessivamente, todos cantam, todos tocam, e o tresloucado trompete se contorcendo, se dilacerando, num crescendo apoteótico. De repente pára tudo, e barulho de talheres, gente conversando- me passa a salada aí...o pão por favor... só mais um pedacinho...

Olha, isso JAMAIS tinha sido feito antes. Era que nem ouvir, sei lá, uma música vinda de outro planeta... mas pra mim, era contraditório, pois apesar de ser uma tremenda novidade, me era extremamente familiar, vinha do MEU planeta, e aquela era a MINHA linguagem. Eu vinha de uma formação clássica de piano, tendo ouvido e tocado muuuuita música erudita, que inclui, claro, os contemporâneos, muito doidos, serial, dodecafônico... A música popular até então era extremamente "comportada": previsível, com a métrica certinha, começo meio fim... e os arranjos deste disco eram uma mistura de popular com contemporânea.

E a letra? é linda demais. E era o que eu -nós- meus amigos, minha geração- estávamos vivendo, existencialmente e politicamente: eu quis fazer/minha canção iluminada de sol/.... mandei plantar/folhas de sonho no jardim do solar/.......mas as pessoas na sala de jantar/são ocupadas em nascer e em morrer. A liberdade que queríamos, a mudança no mundo, e aquelas "pessoas na sala de jantar" e no govêrno nos impedindo de realizar. Tudo, claro, nas entrelinhas, por causa da censura.

A quarta faixa é Lindonéia, de Caetano e Gil, canta Nara afinadíssima, com aquele canto perfeito, apolíneo, acompanhada de uma verdadeira orquestra, belíssimamente arranjada, compassos e breques, um bolero de surpresas, um samba-canção latinoamericano.

A quinta é Parque Industrial, de Tom Zé, canta Gil, Caetano, Gal, Os Mutantes e o próprio Tom Zé. Uma crítica inspiradíssima, bem humorada do dito "progresso" ("o avanço industrial vem trazer nossa redenção"som de banda de música, voz de ciranças, bandeirolas, grande festa em toda nação) e ainda dá uma alfinetada na "colonização cultural" vinda dos EUA: "o que é made, made in Brazil". A letra é muito boa, e cada um vai se intercalando ao cantar. O arranjo reproduz uma "grande festa em toda a nação": banda de música com direito a tuba, voz de crianças, naipes de sopros, trompete em wahwah com surdina.

A sexta faixa é.... Geléia Geral, de Gil e Torquato, canta Gil. Esta é outra das minhas preferidas, essa letra é simplesmente ge-ni-al, letra de Torquato, que depois assinou uma coluna no jornal Última Hora com este título. O arranjo começa com a guitarra quente num baião contraponteando com o baixo deslizante. Pela música toda, os sopros são soberanos- imperam marcando tempos fortes meio como um baixo quadrado, fazem rítmo. No meio dessa festa a levada muda e a letra é declamada, aí aparecem "áudios" da letra: bateria escola de samba ("destaques da Portela"), citação da música de Sinatra "All the Way" ("um LP de Sinatra"). Essa música é tão forte, tão poderosa, um verdadeiro terremoto. O "sentimento" tropicalista é exatamente isto que tá letra, a sua mais perfeita tradução. Genial. Um hino.

A sétima é Baby, de Caetano, canta Gal e Caetano. Mmmmm.... acho que também choro com esta, porque era esta que tocava na rádio. Muito. E ouvia-se muito rádio naquela época. E me lembro de estar em casa (ainda morava com os meus pais), de estar na rua, de estar namorando, de estar passeando, de estar estudando, de estar na praia, de estar na cantina na Faculdade de Arquitetura, de estar no carro de algum amigo, de estar levando o Kiko nosso basset pra passear, de estar comendo com a família, enfim.... tudo ao som dessa música que tocava no rádio. Essa, de todo o LP, era o menos "estranho" para quem achava que o Tropicalismo era um bando de hippies sujos cantando letras sem sentido. Meu pai (olha que ele era músico revolucionário na sua época) detestava, não conseguia entender, nem eu explicando. Mas adorava a VOZ da Gal, com toda a razão, aí "aguentava" ouvir até o fim, sem mudar de estação :) A música é uma marcha-rancho em rítmo ternário. O arranjo é delicado, belíssimo, começa com o baixo, depois o violão fazendo a levada, entra a batera, violinos celestes e diabólicos fazendo uma cama deliciosa macia gostosa sensual e quando entra a VOZ da Gal, é êxtase. Caetano no final faz vocal com ela, cantando "oh, please stay by me, Diana", mega sucesso de Paul Anka. Puro tropicalismo. Essa música -Diana- do Anka foi da década de... 50. Eu era menina, tinha o disco 78, e ouvia o dia todo, pensando que poderia ser pra mim. Quando o Caetano saiu cantando o meu nome, tive a certeza:)... detalhe é que ele não me conhecia ainda... e foi assim que gamei.

A oitava é Três Caravelas, que é uma versão "cachonda" de João de Barro -Braguinha- de Las Tres Carabelas (de A.Algueró Jr/G.Moreu). Duprat fez uma salsa quase convencional, e Caetano e Gil cantam misturando a letra em castelhano e em português. Divertidíssimo.

A nona é outra que possivelmente deixa meus parcos cabelinhos em pé. Enquanto Seu Lobo Não Vem. De Caetano, canta Caetano. Extraordinária. Jóia rara. Um hino. Homenagem a nós que participamos das passeatas contra a ditadura. Belíssima. O arranjo é cheeeio de detalhes, primoroso. Começa com um simples agogô. Depois um côco. Violão numa levada andante, constante, forte, denso, ininterrupta. Este violão vai ser a base da música toda, tem apenas dois acordes que se repetem do começo ao fim, obsessivo. Cria tensão, Caetano cantando tranquilo. Percussão leve, dividindo cada tempo em quatro, criando uma espécie de tensão. Flautas, trompetes gorgeando. Ao longe, a voz de Rita, bem ao longe ecoando- "os clarins da banda militar, os clarins da banda militar, os clarins da banda militar..." Entra um bumbo baixinho, (Estação Primeira de Mangueira)... Trompete toca o primeiro verso da "Internacional" ("vamos passear escondidos"). Ouve-se algo como uns tiro, muito misturado, quase imperceptível. Já no final, o bumbo se torna presente até o fim. Conseguiu passar na censura, está totalmente em código. Cê não ficaria com lágrimas nos olhos se fôsse eu???

A décima é outra "bomba" do Caetano e Torquato, canta Gal: Mamãe Coragem. O filho saindo da casa paterna. Eu estava justamente passando por isso na época, e com muito sofrimento, porque NINGUÉM saía assim impunemente da casa dos pais sem ser pra casar. Naquela época. Mulher então, nem se fala. Era deserdada. "E não se pronuncia mais o seu nome nesta casa"...

Começa curto e grosso com uma sirene de polícia (não podia deixar de ter em alguma música, era um ruído aterrador constante no nosso dia-a-dia). Violão marcando um 3-4-1....3-4-1 com baixo.... percussão metálica fazendo chhhhhhhh. Flautas fazendo a melodia com a voz em terças. Um interlúdio com muita flauta interrompe a levada para a letra "ser mãe é desdobrar/fibra por fibra os corações dos filhos/ seja feliz/seja feliz" para que ela esteja em especial evidência. Letra de Torquato, meu ídolo. Um ano depois ficamos amigos.

A penúltima do disco é Bat Macumba, de Gil e Caetano, canta Gil e côro de todos. Uma brincadeira com a letra: enquanto o coro canta a frase (batmacumba iêiê, batmacumba obá), Gil vai brincando com a palavra batmacumba, cada vez tirando uma sílaba (batmacum/batman/bat/batman/batmacum.....). O arranjo é com uma esperta viola caipira de primeiríssima ponteando, tumbadoras, divertidíssimo.

Hino Do Senhor do Bonfim é a última, com a participação de todos. Solenidade apoteótica. Pratos. Trompetes. Côro. E com essa se encerra um dos melhores discos que vivi.

Teria havido o Tropicalismo sem o Rogério Duprat? Teria, pois havia o Caetano e Gil. Mas com certeza, teria sido BEM diferente.

22 October 2006

de pisces


Esse charutão de cobertor que minha mãe está segurando sou eu, saindo do hospital com um dia de nascida. Meu pai do lado. Fazia frio (tenho uma amiga que tem uma tese: se cê nasceu no inverno, cê gosta de frio.... se nasceu no verão, cê gosta de calor....). A foto é pra ilustrar o segundo capítulo da minha eletrizante biografia que sairá no meu site imperdível, e cada dia mais perto do lançamento!!!!!! aguardem aguardem!!!!


DE PISCES
Nasci no dia 10 de março de 1947. Papai já não tocava mais no Bando da Lua, estava agora na Radio NBC, com um programa próprio de música americana de jazz sendo transmitido para o Brasil. E mamãe já não fazia mais teatro (embora nutrisse uma louca paixão por Greta Garbo, a ponto de segui-la pelo parque, a atriz já naquela fase de retiro, tentando passear anonimamente- I want to be alone- oculões escuros, chapéu.... mas mamãe a seguia extasiada), estava agora se ocupando com sua primeira filha, que de tão pequena, cabia num bolso de sobretudo.

E logo minha mãe me levou pra Cambrige, Ohio, na fazenda onde morava sua família. Camponeses russos, mãe e nove irmãos, meu avô não cheguei a conhecer... era violonista e regente de coral da Igreja Ortodoxa. Família muito religiosa. Cantavam muito, e o tempo todo. Por qualquer coisa. Por nada.

Vida no campo em clima temperado é a maior batalha. Quando chega o inverno, vem aquele frio, aquela neve, tudo congela, se não se preparar... Não tinham empregados, eram eles que faziam tudo: desde arar a terra, plantar e colher seus alimentos, tirar o leite, bater a manteiga, fazer queijos e coalhadas, amontoar o feno pro gado, cuidar dos animais- cavalos, vacas, galinhas, cachorros- além de fazer conservas para comer no inverno. horta, pomar, arar, plantar, colher.

E até os meus 3 anos de idade, a gente se dividia entre Nova York (agora morando em Long Island) e a fazenda em Ohio. Meu pai chegava nos fins de semana, depois voltava pra NY. Essa fazenda foi fundamental pro meu entendimento de mundo... Cresci sentindo uma intimidade com a vida no campo, os cheiros, as plantas, a terra, os tatos... acordar com o sol, ir cedinho com a vó recolher os ovos debaixo da galinha no ninho quente... depois da chuva, sair com a tia à cata de cogumelos pra servir no jantar... cachorros, gatos, veados selvagens visitando o meu quintal...

Lembranças musicais as mais remotas: meus pais dançando o charleston, minha mãe recitando Poe e Shakespeare, meu pai me ninando com músicas de seu repertório- Lig-Lig-Lé, Touradas em Madri, Alalaô, N'Aldeia- além de suas próprias, horas e horas no violão, meus tios e avó cantando em russo.

21 October 2006

jaboticabas


Pego uma jaboticaba negra reluzente com o polegar e o indicador. Levo-a à boca. Sem largá-la, mordo delicada mas firmemente sua casca rija lisísssima, ao mesmo tempo expremendo-a com os referidos dedos. Ela explode num suco delicioso que invade meus sentidos e me traz felicidade. Chupo em êxtase. Um suco transparente doce, dulcíssimo. Junto vem suas sementes, podem variar de uma a quatro, do tamanho de grãos de feijão. Elas são revestidas por uma polpa branca (quando são rosas púrpuras não estão boas, azedas já passadas) e dentro, um "gruvo" roxo, mais pro ácido. Às vezes mastigo essas sementes e a casca, mas quase nunca.

Quantas horas passei dentro de uma jaboticabeira... Jaboticaba é muito louca. Ela dá NO TRONCO, e são verdadeiras multidões. E pra colher? ce vai subindo -é uma árvore relativamente fácil de subir- e, por mais que tenha cuidado, muitas vão sendo sacrificadas, pois só de ce colocar a mão, elas desmontam e caem aos montes no chão. Como a casca é grossa, elas não se espatifam, e quem não sobe pode ir colhendo as maiores.

Bolas de boliche de gnomos. Bolhas de pensamento de micos. Balões de festa de bem-te-vis.

Não sei se tem em outros lugares do mundo, se levaram ela daqui e replantaram e vingou. Sei que é 100% brasileira.

Jaboticabas são alegres, simpáticas, divertidas, populares, não gostam de solidão, e desabrocham em tempo frio. Serão afrodisíacas? Ao contrário do que o nome sugere, nada têm a ver etimologicamente com o jabuti, e nem fazem parte de sua dieta, ou fazem? não sei...

O melhor sorvete de jaboticaba da minha vida era na saudosa Sorveteria Moraes, na Visconde de Pirajá. Aaaaai!! só de me lembrar me dá um arrepio na língua!!! Era doce ma non troppo, tinha o acidinho da casca também, e era roxo claro, ou quem sabe, lilás escuro. Eu chegava lá disposta a variar o sabor, eram tantos, mas... não conseguia, pedia sempre o de jaboticaba. Ou então, gulosa do jeito que sou, começava com um tangerina por exemplo, mas o o último era sempre.... de jaboticaba.

Tenho duas maiores e suculentas lembranças: as primeiras em Lagoa das Lontras, onde passei minha infância e adolescência me recheando delas, as jaboticabeiras em cujas copas eu me refugiava; e depois, as melhores de todas, as incrivelmente esplendorosas em Friburgo na casa do Mario Jansen, pianista que tocou comigo por muito tempo, parceiro de várias músicas. Estas tinham o diâmetro de 4 cms!!!! Agora não tenho tido acesso a nenhuma jaboticabeira, e se eu quisesse plantar, dizem que demora 15 anos pra dar fruto. Tudo bem, até plantaria... do jeito que o tempo tá correndo, planto e quando vou ver já to chupando... mas enquanto isso não acontece, vou me satisfazendo com as que vendem em lotes na feira, no camelô das ruas.

A safra esse ano foi boa.

16 October 2006

nota do Big Boy


Big Boy foi um DJ (nos anos 70, DJ era um apresentador de programa musical, e não o que é hoje) que revolucionou a linguagem radiofônica. Tinha um programa Baile da Pesada de rock na Radio Mundial AM e também era repórter no O Globo, e trazia pra gente todas as novidades no panorama roqueiro, garimpando músicas pelo mundo afora. Carismático, corajoso, único, criativo, dinâmico, bem informado, foi uma presença marcante e indispensável numa época que quase nada chegava a nós, não tínhamos acesso aos lançamentos, às vezes saíam notícias no jornal, mas o disco mesmo demorava a chegar aqui, às vezes um, dois e até tres anos... ou seja, quando conseguíamos ouvir, já estava defazado no tempo, a banda já tinha lançado outro... Não havia interesse em rock por parte do mercado, essa máquina que hoje existe por trás (aliás, pela frente e pelos lados tb!!!) e também a censura era severa. Tudo que se produzia e que se escutava tinha que passar pela censura, e o próprio Rock era alvo por ser "um rebelde, selvagem e perigoso grito da juventude contra os bons costumes, contra a tradição, contra a família". Bem, o Big Boy era fã da Equipe Mercado, e colocou essa foto na sua coluna, com a legenda:

A FOTO DO OURIÇO
OS "CARAS" (E A "CARA" TAMBÉM) DA FOTO COMPÕEM A SUPERQUENTE EQUIPE MERCADO, JÁ BALANÇANDO OS CORAÇÕES COM A MELÔ "MARY K NO ESGÔTO DAS MARAVILHAS", UM LANÇAMENTO DA ODEON.

A foto é de Mauro Pamplona, que fazia parte da "equipe": Ricardo, eu, Lemgruber, Stul e atrás, Sagrá (Carlinhos Graça). Foi tirada nos terrenos baldios (agora inexistentes) da Rua Júlio Ottoni, onde morávamos.

14 October 2006

sexta-feira 13


Ontem foi sexta 13. Isto me lembra imediatamente não de gato preto, azar, bruxas, caldeirão, monstros... não. Me lembro de FRIDAY THE 13, de Thelonious Monk. Só ele pra fazer uma melodia dessas numa harmonia dessas. No quinto compasso, a melodia dá uma 3ª Maior- si bequadro (acorde de G), e no tempo seguinte, a harmonia faz Cm7, que tem o si bemol. Aí a melodia faz uma pausa de colcheia, mas na verdade o si bequadro ainda está soando no ouvido, fica muuuuuuuito doido. Eu quando toco gosto de não fazer a pausa, fica essa dissonância tão gritante, é muito bom. E ela se repete, se repete, se repete, é meio obsessiva, meio não, totalmente. Ao mesmo tempo é meio alegre, simples, quase infantil.

Muito difícil achar essa partitura, e mais ainda, de achar a música, não aparece nessas coletâneas. Mas baixando da internet é fácil. Tem uma gravação belíssima dela com o Monk e o Sonny Rollins, demais!

picapau


Por um momento parei. Eram 2:48 da tarde. Parei para escutar. É que estava ouvindo um toc toc toc insistente do lado de fora. Era leve, quase imperceptível, se fosse em algum lugar mais barulhento e movimentado, não daria pra se notar, mas estava um silêncio de algodão. Só pássaros e um gavião fazendo sua ronda. O som vinha do alto de uma árvore. Saí intrigada, imaginando ser uma coisa que depois se confirmou. Um picapau.

Lembro da primeira vez que vi um picapau ao vivo. Estava na Lagoa das Lontras (meu paraíso da infância, adolescência, e um pouco mais) descendo uma trilha, quando de repente, muito perto de mim, aquele bicho ali percutindo no tronco de uma árvore. Virei estátua, imóvel, e ele não se assustou, ficou ali toc toc toc. Tão emocionada fiquei que sempre me lembro deste encontro, mesmo depois de.... mil anos. Picapau pra mim era aquele Woody Woodpecker, dos cartoons de Walter Lantz, um bicho meio mitológico, como um centauro, um dragão... Fiquei até meio taquicardíaca. Depois me disseram que ele faz aquilo para pegar as larvas de insetos que escavam galerias nos troncos pra deixarem ali dentro seus ovos.

Mas como é isto? bate toc toc toc e elas abrem a porta? como é que ele chega nessas galerias? Lendo sobre esse "palpitante" assunto (As Aves, Editora José Olympio), descobri que...

-VOCÊ SABIA?-

para o picapau, perfurar as árvores com o bico é apenas a primeira etapa para chegar às larvas que ali vivem. Depois de perfurá-las, usa a língua (enorme, como um tamanduá) flexível para penetrar profundamente nas galerias. Mas haja língua. Onde guarda ele uma língua tão comprida dentro da pequena cabeça? novamente dou uma lida. Na realidade, a língua dele é curta. Faz parte de um dispositivo de ossos e tecidos elásticos que, passando sob o maxilar, sobe contornando a cabeça e vai prender-se na narina direita, deixando a esquerda livre para a respiraçao. Quando esse dispositivo desliza ao longo da cabeça, a lingua projeta-se à frente.

Trata-se de uma engrenagem muito bem estruturada, muito bem estudada, não é asssim de qualquer jeito... Um projeto de alta complexidade, embutido nesse pequeno pássaro. Quem diria? Bem, a Natureza não é boba, não é simples (e nem é justa...). Tudo é muito complexo. Tem coisa mais sofisticada do que o corpo humano, a noite e o dia, o respirar das plantas, as cores do arco-íris????

O da foto é um carijó (ou verde-barrado). Pode ter sido um destes que parou por aqui...

12 October 2006

Pontos de Cultura


Eu já tinha gostado quando soube desse projeto do Ministério da Cultura- Ministro Gil!- chamado Pontos de Cultura, onde há um intercâmbio, uma troca de conhecimentos entre os artistas das mais variadas regiões do Brasil. Mas vendo o DVD que o Nelson trouxe do Navegar Amazônia (um desses pontos pra onde ele foi junto com Jorge Mautner) fiquei encantada, emocionada. Este projeto é uma verdadeira Revolução!!!!

Conhecemos a cultura de outros países, mas a nossa, muito pouco. Acho que precisamos conhecer mais o Brasil pra saber do que a gente é feito. Conhecendo a nossa cultura, a gente se conhece mais.

O Navegar Amazônia (http://navegaramazonia.org.br) é o seguinte: dentro de uma grande barca, vai navegando pelo Rio Amazonas uma turma de artistas e equipes de direção do projeto com filmadoras, câmeras, instrumentos, computadores. O barco vai parando em vários povoados ribeirinhos, e é intensamente recepcionado pelas habitantes logo ao atracar, com música, cantoria e muita festa. Vão se realizando oficinas em palcos improvisados no chão de barro e com tetos de folha de palmeira; artistas locais se apresentam, os de fora também, tocam uns com os outros, misturando todos os estilos e influências, sempre com a participação intensa da platéia que canta junto, bate palmas, dança. Depois a garotada sobe no barco e vai aprendendo a mexer com o computador, vai navegando pela internet, aprende a fazer filminhos pra depois vê-los na tela. É incrível ver essas pessoas tendo acesso pela primeira vez às ferramentas que fazem parte do dia-a-dia de quem mora na "civilização" das grandes cidades, e ao mesmo tempo, os artistas da "civilização" das grandes cidades ficarem estatelados, de boca aberta, quando descobrem a cultura daqueles lugares distantes, festas danças rituais lendas música, um enorme universo desconhecido, tão perto mas tão longe. E penso comigo mesma- o que será Revolução Cultural, senão isto?

Por coincidência ou não, recebi hoje o email de meu amigo Ricardo Moreno, Mestre de Música Brasileira pela Uni-Rio, que falava justamente destes projetos do Ministério da Cultura. Fala, Ricardo:

Prezados amigos,

No nosso dia a dia temos tantos afazeres que muitas vezes ficamos impossibilitados de tomar conhecimento de coisas importantes que estão acontecendo na nossa sociedade. A essa quantidade de tarefas, soma-se o desinteresse dos meios de comunicação em dar destaque a uma pauta do bem. Cotidianemente esses meios nos brindam (bombardeiam, na verdade) com uma verdadeira "pauta do mal".
O Ministério da Cultura tem desenvolvido um trabalho muito interessante que articula cultura popular e economia solidária. Chama-se "ponto de cultura". Hoje já são em torno de 600 espalhados pelo Brasil. Eles são encontrados tanto nas periferias das grandes cidades, quanto em pequenas cidades. Além de articular cultura e cidadania, está em curso também o reconhecimento do estado brasileiro de que esses fazeres são legítimos do ponto de vista da produção cultural brasileira. Isso quer dizer que tanto a "alta cultura" como a "cultura popular" são reconhecidas e financiadas pelo Estado. Cada ponto de cultura recebe apoio financeiro de até R$ 150.000,00 e um kit de produção multimídia, com computadores, internet banda larga, ilha de edição e estúdio de gravação para registro de seus trabalhos.
A articulação de cultura e cidadania gera importantes ganhos simbólicos e materiais para as comunidades detentoras dos saberes tradicionais. Isso é muito importante e gera inclusão social, pois muitas dessas comunidades estão em situação de risco social.
Para o economista Paul Singer, há muita cultura na economia soildária, e muita economia solidária na cultura. É preciso, no entanto, juntar essas pontas. Para ele, um novo Brasil está surgindo a partir da idealização dos "pontos de cultura".
Penso que só por isso o projeto Lula presidente já mereceria nosso voto. Deixo aqui um link de um artigo publicado na agência Carta Maior, para quem desejar maiores informações sobre os pontos de cultura:
http://agenciacartamaior.uol.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=10568
Um abraço a todos!
Ricardo Moreno

07 October 2006

por causa de Carmen Miranda


Este é o comêço do texto que escrevi no meu site que brevemente estará no ar:



POR CAUSA DE CARMEN MIRANDA
O mundo visto de um bolso de sobretudo. Frio, mas a neve já tinha derretido, formando aqueles chancões de lama preta. As árvores solenes sagradas esqueléticas sem folhas, o frio no nariz, porque o resto estava muuito bem embalado, e abraçado. Central Park, Nova York no começo da tímida primavera de 47.

Mas por que a minha história começa em Nova York?

Por causa de Carmen Miranda!!! Meu pai Helio Jordão Pereira, filho de uma baiana de Salvador com um advogado neto de portugueses- foi um dos integrantes do BANDO DA LUA, grupo musical carioca que desde 1931 vinha fazendo sucesso nacional e internacional. Quando Carmen Miranda foi contratada pra estrear nos Estados Unidos, ela bateu o pé e fez questão que o Bando também fosse, ela iria precisar de um acompanhamento à altura, e isso não ia encontrar lá fora, por melhor que fossem os músicos... o ritmo, o molho, e o tempero. Já em Nova York, ele conheceu a minha mãe- Elizabeth Tablak Brill- filha de russos, atriz formada pelo Actor's Studio, e modelo exclusivo da Helena Rubinstein. Os dois jovens, lindos, talentosos, famosos... e apaixonados.

O namoro foi ao som das Big Bands, onde iam dançar (eram grandes pés-de-valsa): Benny Goodman, Cab Calloway, Count Basie, Duke Ellington. Shows de jazz, swing, bebop em cada esquina: Thelonious Monk, Charlie Parker, Dizzy Gillespie, Billie Holiday, Ella Fitzgerald. E foi um casamento "de guerra", como diria a minha mãe: sirenes, black-outs, aquela tensão de ser atacado a qualquer momento pelo inimigo. Um pouco mais de 10 anos depois da Grande Depressão. Fazia-se de tudo para tentar ser feliz.

Politicamente foi uma fase importante: detentores da bomba atômica, os EUA saem vitoriosos da guerra, com uma economia fortíssima, tão ricos que participam da recuperação econômica dos países europeus em crise criando o Plano Marshall. Há uma explosão demográfica, e começa os movimentos dos direitos civis e feministas. E Truman lança a sua doutrina contra o comunismo, iniciando assim a Guerra Fria contra a União Soviética, o que vai provocar outra tensão permanente no mundo, de ser atacado a qualquer momento, só que dessa vez não iria sobrar nada, pois entra em campo a bomba atômica.

E foi neste fundo musical que nasci e passei meus tres primeiros anos de vida.

pro Nelson

















FELIZ ANIVERSÁRIO!!!!

01 October 2006

Cana Caiana em Canet


Em 1980 fui me embora pra Europa, e lá fiquei por tres anos. Com mais o Mário Jansen (teclados), Bida Nascimento (baixo), Walter Guimarães (bateria), e posteriormente, Alfredo Lemos (guitarra) e Foguete (percussão), fizemos o Cana Caiana, um grupo de jazz e música brasileira. Fizemos um tremendo sucesso, Espanha, Portugal, França, Inglaterra, Suiça e até Emirados Árabes, onde fizemos um reveillon num hotel da cadeia Hyatt, nunca tinha entrado num lugar tão moderno e sofisticado assim. O último andar era um restaurante giratório de vista de 360º, de onde se via, sabem o que? areia areia areia.

Mas este é um outro capítulo, agora quem está aqui é o cartaz de um show da gente em Canet, uma localidade perto de Barcelona muito hospitaleira, de onde guardo boas lembranças. Muuuito linda, um teatrinho muuuuito maneiro e aconchegante chamado Café Odeon, foi demais.

Em Barcelona e em toda Catalunha fala-se o catalão, uma língua muito musical e bonita, com seus "Ls"(éles) bem pronunciados, aprendi muitas palavras -claro- e falava uma frases- claro, pois morar numa cidade de língua diferente da sua é a melhor maneira de aprender a falar.

Entenderam o cartaz? é meio parecido com latim, italiano. Dissabte- sábado; diumenge- domingo; vuit- oito (lembra huit, frances); dos quarts de dotze- onze e meia.

Mais palavrinhas: si us plau -por favor; deixeu sortir- deixem sair; mulher- dona; la llum de la lluna- a luz da lua; a casa seva o a la meva?- à sua casa ou à minha? E um texto sobre meu signo, Pisces: últim signe del Zodíac, Piscis representa la fi d'un cicle i l'inici d'un altre, ambdós simbolitzats pels dos peixos, un que s'escapa de la roda zodiacal i l'altre que hi retorna. Signe femení, d'aigua, les seves aigües són les de l'oceà, l'infinit. El seu regente, Neptú, és el planeta de la il-luminació, de la visió de l'ideal, de la fusió amb la totalitat. Així, Piscis tant és el signe del misticisme com el dels moviments populars de tendència socialista.

Deu pra entender tudo né? é parecido, mas não tanto quanto o castelhano. Me amarro no catalão, adoro escutar.

E pra fechar, uma boa noite, até amanhã: BONA NIT, FINS DEMÁ!!!!

29 September 2006

ressonancia schumann


O tempo está correndo demais. Eu estou correndo demais atrás do tempo que está correndo demais, e... onde foi parar esse ano? o semestre passado? esse mes? isso pra não falar do ano passado, dos 5 anos passados etc etc... Acordo pensando: vou fazer isto, isto, isto, aquilo outro e mais aquilo... deito pensando: só consegui fazer isto e a metade daquilo.... Não consigo entender esta sensação: uma coisa que aconteceu há um mes sinto que foi há, no máximo, duas semanas atrás. Por quê??? E meus amigos também sentem algo parecido. Jovens e menos jovens e adolescentes e idosos: não há idade pra sentir esse tempo passando na velocidade da luz... é unanimidade.

Apesar de ser de peixes, e o verbo deste signo ser o verbo "crer", não sou exatamente uma pessoa que se possa chamar de crédula, pelo contrário. Mas também não duvido de nada. Então achei curioso esse email que recebi há um tempo atrás. Não sei, não sei, mas quem sabe? talvez essa coisa de sentir o tempo voando seja por causa dessa tal de "ressonância schumann". Em todo caso, já uso isso aqui nas internas como desculpa quando cometo deslizes temporais, e costumo ser perdoada:))

Recebi o texto exatamente assim, creditado a Leonardo Boff, o que não quer dizer que realmente seja dele...



Ressonância Schumann
(Leonardo Boff)

Não apenas as pessoas mais idosas mas também jovens fazem a
experiência de que tudo está se acelerando excessivamente. Ontem foi
Carnaval, dentro de pouco será Páscoa, mais um pouco, Natal. Esse
sentimento é ilusório ou tem base real?
Pela ressonância Schumann se procura dar uma explicação. O físico
alemão W.O. Schumann constatou em 1952 que a Terra é cercada por uma
campo eletromagnético poderoso que se forma entre o solo e a parte
inferior da ionosfera, cerca de 100km acima de nós. Esse campo possui
uma ressonância (dai chamar-se ressonância Schumann), mais ou menos
constante, da ordem de 7,83 pulsações por segundo. Funciona como uma
espécie de marca-passo, responsável pelo equilíbrio da biosfera,
condição comum de todas as formas de vida. Verificou-se também que
todos os vertebrados e o nosso cérebro são dotados da mesma
frequência de 7,83 hertz.

Empiricamente fez-se a constatação de que não podemos ser saudáveis
fora dessa frequência biológica natural. Sempre que os astronautas,
em razão das viagens espaciais, ficavam fora da ressonância Schumann,
adoeciam. Mas submetidos à ação de um simulador Schumann recuperavam
o equilíbrio e a saúde.

Por milhares de anos as batidas do coração da Terra tinham essa
freqüência de pulsações e a vida se desenrolava em relativo
equilíbrio ecológico. Ocorre que a partir dos anos 80, e de forma
mais acentuada a partir dos anos 90, a freqüência passou de 7,83 para
11 e para 13 hertz por segundo. O coração da Terra disparou.

Coincidentemente, desequilíbrios ecológicos se fizeram sentir:
perturbações climáticas, maior atividade dos vulcões, crescimento de
tensões e conflitos no mundo e aumento geral de comportamentos
desviantes nas pessoas, entre outros. Devido à aceleração geral, a
jornada de 24 horas, na verdade, é somente de 16 horas. Portanto, a
percepção de que tudo está passando rápido demais não é ilusória, mas
teria base real nesse transtorno da ressonância Schumann.

Gaia, esse superorganismo vivo que é a Mãe Terra, deverá estar
buscando formas de retornar a seu equilíbrio natural. E vai consegui-
lo, mas não sabemos a que preço, a ser pago pela biosfera e pelos
seres humanos. Aqui abre-se o espaço para grupos esotéricos e outros
futuristas projetarem cenários, ora dramáticos, com catástrofes
terríveis, ora esperançadores, como a irrupção da quarta dimensão,
pela qual todos seremos mais intuitivos, mais espirituais e mais
sintonizados com o biorritmo da Terra.

Não pretendo reforçar esse tipo de leitura. Apenas enfatizo a tese
recorrente entre grandes cosmólogos e biólogos de que a Terra é,
efetivamente, um superorganismo vivo, de que Terra e humanidade
formamos uma única entidade, como os astronautas testemunham de suas
naves espaciais. Nós, seres humanos, somos Terra que sente, pensa,
ama e venera. Porque somos isso, possuímos a mesma natureza
bioelétrica e estamos envoltos pelas mesmas ondas ressonantes
Schumann.

Se queremos que a Terra reencontre seu equilíbrio, devemos começar
por nós mesmos: fazer tudo sem estresse, com mais serenidade, com
mais amor, que é uma energia essencialmente harmonizadora. Para isso
importa termos coragem de ser anticultura dominante, que nos obriga a
ser cada vez mais competitivos e efetivos. Precisamos respirar juntos
com a Terra, para conspirar com ela pela paz.

lboff@uol.com.br
[JORNAL DO BRASIL - 05/MAR/2004]

24 September 2006

show com Tomas


No primeiro semestre deste ano fizemos uma série de shows, Tomás Improta e eu, com a participação especial em várias músicas de Nelson Jacobina. Foi um repertório selecionadíssimo, que ia de Thelonius Monk a Nelson Cavaquinho, passando por Dorival Caymmi, Cole Porter e Billie Holiday. Teve também músicas que raramente são tocadas, como o Edmundo, versão do Aloysio de Oliveira para o "In The Mood", gravado por Elza Soares há muito tempo atrás. Toquei teclado também com Tomás numa música minha, "Sousse", inspirada numa cidade em que fiquei trabalhando na Tunísia. Mmmmmm... tocar teclado com Tomás do lado me deixa com calafrios, mão tremendo, boca seca, coração descompassado porque... sabe como é... Tomás toca demais!!! mas criei coragem e mandei ver porque, como canta o Gil -cada macado no seu galho!!!

Teve ainda uma inédita do meu pai, Helio Pereira, intitulada "De Déu em Déu".

Agora quero retomar esse trabalho e fechar mais datas. Muito muito bom, adorei.

22 September 2006

1972, o filme

Hoje dia 22 vai passar um filme que promete. Essa eu não perco por nada! Quem fala é o Cláudio Araújo, homeopata e músico, integrante do grupo Faia dos anos 70. Fala, Cláudio:

Pessoal
Nessa sexta, às 21h, tem a estréia do filme "1972" para o qual compus a trilha original, junto com o Renato Ladeira, da Bolha. O filme está no Festival de Cinema e vai passar no Palácio 1, no Centro.
Estarei lá às 17h numa tenda montada no lado de fora, pra discutir o filme, as músicas, etc, com as pessoas interessadas. A primeira sessão é as 15h, depois tem esse papo com o público. Mas só estarei vendo o filme na sessão das 21h, junto com os diretores (Zé Emílio Rondeau e Ana Maria Bahiana) e o restante do elenco.
Eu já assisti uma prévia e o filme está muito legal. É uma recriação daquela época e ficou perfeito. Saí do cinema em estado de choque, parecia que eu tinha voltado 35 anos pra trás!
Quem quiser aparecer pro papo, é às 17h numa tenda armada lá fora. Tb não sei onde vai estar essa tenda, mas ainda vou saber.
A produtora me disse: voce vai achar! Coisas do Brasil...
Mas dá pra encontrar o cinema, lá no Passeio Público.
Abs
Claudio

21 September 2006

entrevista ao Senhor F

Há um tempo atrás, o escritor e biógrafo Nélio Rodrigues, autor do livro "Os Rolling Stones no Brasil", procurou a mim e aos meninos da Equipe Mercado, porque estava levantando dados pro seu próximo livro. Foi ótimo conhecê-lo, viramos amigos, e ele fez uma entrevista comigo na revista virtual de rock Senhor F. Ficou no ar por um tempo, depois foi pro arquivo, nº 22. Agora infelizmente não está mais acessível e acessável, não sei porque. Várias pessoas me perguntam pela entrevista, e resolvi transcrevê-la aqui no blog, onde estará guardadinha e ao mesmo tempo inteiramente legível clicável indeletável para o deleite de todos que aqui entrarem. Ei-la pois:

NR-Como e quando você se tornou cantora da banda que veio a se chamar Equipe Mercado?

DD-Estávamos no ano de 1969, em plena ditadura militar, estava cursando o 2º ano da Faculdade de Arquitetura da UFRJ, depois de ter feito o curso de piano com Nise Obino na Academia Lorenzo Fernandez , teatro com Nelson Xavier e expressão corporal com Klaus Vianna. Achava que -agora sim!- tinha encontrado o que queria. Naqueles corredores compriiiiiiiiiiiiidos da FAU eu vivia passarinhando, cantando, soltando a voz, o eco me dava um timbre danado!! Então num desses vai-e-vens, eles- Marcos Stul, Trajano Lemos, Antonio César Lengruber- me ouviram e me convidaram para fazer parte da sua banda intitulada César, Marcos et Trajanus.
A coisa mais importante que estava acontecendo para mim no momento era o Tropicalismo. Gil e Caetano. Me identifiquei inteiramente. Esse Movimento foi fortíssimo... me virou de ponta-cabeça.... me descompassou o coração... me deu força pra fazer coisas nas quais eu sempre acreditei...mas não ousava... Eu, que estava estudando pra ser arquiteta (tinha jeito, desenhava bem), de repente, com esta explosão estética-moderna-contemporânea-musical, não tive dúvidas: era isso que eu queria: a música popular... o Tropicalismo me fez descobrir a mim mesma, e foi inspirada nele que eu comecei a minha carreira.

Topei fazer parte da banda dos meninos.

Ensaiávamos no Rocha num pátio no último andar da casa da avó do Lemgruber, entre biscoitinhos e refrescos. Instrumentos precários, difícil acesso, mas cheios de ideais utópicos, sonhos, ansiedade, alegria, alegoria, fantasia, trópicos, repertório de Beatles, Stones, Mutantes, e surgindo nossas primeiras composições. Lá fora o pau comendo no Vietnam, Janis e Hendrix nos embriagando, tudo era tão novo, tudo era tão forte, tudo era tão aqui e agora, e o aqui e agora, tudo. Nasceu o Mercado.

NR- Desde sua entrada, a banda sofreu uma rápida transformação. Tanto estética quanto musical. Quais foram os fatores que contribuiram para que a Equipe se tornasse um grupo de vanguarda?
DD- Um dos fatores foi o encontro do Mercado com Ricardo Guinsburg e seu parceiro Ronaldo Periassú, quando vieram nos chamar para participar de sua composição no programa da Dercy Gonçalves na TV , cantando Xaxerú.

Ricardo e Ronaldo faziam umas músicas inteiramente surpreendentes, influenciados pela poesia concreta dos irmãos Campos, Décio Pignatari, música de vanguarda, Stokenhausen, Rogério Duprat, e por aí vai... Deste encontro com a dupla nasceu a Equipe Mercado.

A banda básica era sempre igual: Stul no baixo, Lemgruber na guitarra, Guinsburg no violão acústico microfonado (!), eu cantando, tocando percussão, dançando. O baterista variava... Nascimento... Áureo.... Cláudio Jaguaribe.... Trajano.... Carlinhos Graça... João del Aguila. Às vezes Periassú participava com voz e corpo, e sempre com idéias para happenings.

Era uma equipe mesmo: fora a banda, havia as mulheres, os maridos, os amigos, os parentes, cada um ajudando, dando uma força no que podia... Época das comunidades, de morar junto, de se abraçar, de se entender, de mudar o mundo.... Eu particularmente senti que aí podia acontecer muuuuita coisa, não só pelas composições tão originais de Guinsburg e Periassú, mas também pelo espaço que eu teria para criar criar criar, usar minha voz como instrumento, meu corpo como pássaro e nuvem, meus olhos como janelas para a esfera terra. Me soltar, voar e voltar etérea.

Outro fator (não determinante, mas inspirador) foi o fato de a gente ter se matriculado no Instituto Villa-Lobos, ali na Praia do Flamengo, antiga sede da UNE (hoje virou o estacionamento do velho Cipriano). Essa escola era a vanguarda da época (para se estudar música, só tinha a Escola Nacional de Música, o Conservatório e a Academia Lorenzo Fernandez, todas com aquele ensino tradicional clássico). Dirigido pelo Reginaldo de Carvalho, que fazia música eletro-acústica e aleatória, o Instituto Villa-Lobos era também um ponto de encontro de hippies, de artistas de todos os setores.... Rose Marie Muraro, Cecília Conde, Bohumil Med, J.Lins, entre outros, eram os professores, e Celia Vaz, Paulinho da Viola, Nelson Jacobina, Mauro Senise estavam entre seus alunos.

Outro fator foi o fato de nós do Mercado sermos como éramos, abertos a todos os tipos de música, sem preconceito algum, querendo experimentar, fazer coisas novas, arriscar, nos aprimorar.

E claro, o momento histórico-cultural foi decisivo.

NR- O estilo da Equipe era único, pois misturava o psicodelismo (tanto na melodia quanto nas letras das músicas), a teatralidade, a dança...No palco, era um verdadeiro happening. Essa forma avant-garde de ser surgiu espontaneamente?

DD- Totalmente. Os arranjos eram de Ricardo Guinsburg, que vinha com uma idéia pronta e íamos acrescentando outras idéias e detalhes e a coisa ia tomando forma. Eu cuidava também da parte visual, cenário, figurino, expressão corporal. E muita coisa acontecia na hora, em cena mesmo. Cada show era diferente do outro, dependendo da situação, do local de apresentação etc. Por exemplo, no Teatro Poeira, que era um teatro pequeno e aconchegante situado na rua Jangadeiros, na Praça General Osório,distribuimos ao público presente panelas, tampas, objetos para que pudéssemos em conjunto fazer uma criação coletiva. Foi fantástico, pena que naquela época não havia meios para se gravar ao vivo uma experiência dessas, pelo menos nós não tínhamos.... Já não se podia fazer isso em espaços maiores.... aí fazíamos outros tipos de "happenings"(palavra usada naquela época pra dizer "performances") durante os shows.


NR- Vocês tinham consciência da ousadia e originalidade da banda? Era isso que vocês buscavam?

DD- Tínhamos consciência sim... Claro que antes da nossa primeira apresentação como Equipe Mercado (foi no programa da Dercy Gonçalves na TV), não sabíamos o que estava para acontecer, mas me lembro particularmente de uma reunião em Santa Teresa que se deu um pouco depois, na casa do Guinsburg e Periassú (a primeira vez que andei no estribo do bonde, e desde então me apaixonei pelo bairro onde moro até hoje). Era uma reunião para discutir o sucesso repentino, e traçar estratégias e nos preparar pro que vinha mais pra frente.
Isto foi nas vésperas da apresentação no Festival Universitário de SP, onde fomos tocar "Poesonscópio de Mil Novecentos e Quarenta e Quinze" , de Guinsburg e Periassú (depois gravado no lado B do compacto que saiu pela Odeon, com "Mary K no Esgoto das Maravilhas" no lado A). Teve a participação especialíssima do músico Naná Vasconcellos. Figurinos surreais de Vera Figueiredo. O grupo de teatro Oel, de São Paulo -umas quinze ou mais pessoas- escovando os dentes no palco enquanto a gente se apresentava. Hoje em dia isso pode parecer banal, mas em 69 era motivo de escândalo, com reações as mais imprevisíveis, desde meias-páginas iradas de cronistas no jornal, até.... É bom lembrar que estávamos em plena ditadura militar, sempre bom lembrar isto, porque essa nuvem era constante, pairando sobre a cabeça de todos.

Nosso objetivo, claro, não era fazer escândalo, mas sabíamos que nosso trabalho era de vanguarda, e que iria provocar muita polêmica. Mas como qualquer artista, buscávamos uma aceitação de público e crítica, um reconhecimento pelo nosso talento e ganhar o suficiente para podermos nos sustentar sem precisar trabalhar em outra coisa senão na Equipe Mercado.

NR- Num festival universitário, em São Paulo, vocês ganharam um prêmio de originalidade por conta desse estilo mas, em compensação, passaram maus bocados em Cataguases, de onde foram expulsos. Como é que vocês encararam esses dois fatos antagônicos? Em Cataguases, o público e as autoridades presentes ficaram chocados com a apresentação da banda. Como foi?

DD- Este Festival Universitário em São Paulo foi justamente a apresentação que descrevi acima, com Naná Vasconcellos e o Grupo Oel. Tivemos muito sucesso, com prêmio e muitas apresentações agendadas em vários pontos do país. Mas teve muita crítica contra. O Flávio Cavalcanti, um famoso apresentador da TV, nos chamou pra fazer o programa dele no Rio na TV Tupi não porque tivesse gostado, mas sim pra falar mal, pichar: Só a nossa presença no programa já iria aumentar o ibope dele. Foi assim. E nós fomos porque era uma baita divulgação...

Agora, em Cataguases, foi diferente. Tratava-se de um Festival Audio-Visual de Vanguarda. De Vanguarda, diziam. Fomos defendendo a música de Guinsburg e Periassú "Marina Belair" (depois gravada pela Odeon num disco chamado "Posições", com o Som Imaginário, A Tribo e Módulo Mil). Essa música era sobre uma manicure do "bas-fond" da Lapa. Levamos para o palco montanhas de papel, plásticos, objetos, uma caravana de amigos para fazerem a cena: o halterofilista de sunga, corpo azeitado mostrando seus músculos musculosos, casais em posições e movimentos sugerindo trepadas, baldes de suco de groselha, gente fazendo com que devorava carne crua. Eu vestia um lençól manchado de vermelho, eles, de mendigo. Nossa apresentação tinha a duração de aproximadamente 20 minutos. Quando saímos de cena, sentimos um clima tensíssimo... soubemos pelas pessoas do júri, que o povo da cidade queria nos linchar...neguinho tava doido de ódio. Tínhamos ido além dos limites para Cataguases... Logo a polícia entrou nos bastidores e apreendeu os nossos documentos. Entendimentos, desentendimentos, negociações... Ficamos até o final e fomos os últimos a sair do teatro, junto com o júri nos servindo de escudo, escoltados pela polícia até o alojamento. Passamos a noite em claro, e na manhã seguinte, às seis e meia da manhã, havia duas kombis nos esperando para sair da cidade. E só então os nossos documentos nos foram devolvidos. Fomos sem ao menos tomar um café da manhã. Saimos frustrados, sentindo-nos injustiçados, pois o júri nos informou que íamos tirar o primeiro lugar, e o dinheiro do prêmio, sem dúvida, iria vir em boa hora. Mas por que esta cidade hospedou um Festival Audio-Visual de música de vanguarda? não tinha condição...

A repercussão aqui no Rio foi intensa. Colunas de jornalistas (Luis Carlos Maciel, José Carlos Oliveira, Julio Hungria e mais), falando sobre o assunto dias seguidos. Revistas com a reportagem, com fotos com os dizeres: "A seminudez e a gesticulação erótica dos jovens do Mercado indignaram muitos espectadores"; "A apresentação do grupo Mercado provocou o grande escândalo do festival e causou a expulsão de seus integrantes pelo delegado". Como diria o Luis Carlos Maciel, em um dos seus artigos (foram pelo menos 4) no jornal Última Hora: ".... fazer um festival de vanguarda numa cidade do interior é fogo!!....."

NR- Como é que vocês foram parar num espetáculo com Betty Faria e Leila Diniz?

DD- Chamaram a Equipe Mercado para participar de um espetáculo que ficaria meses em cartaz, na Boite Sucata do Ricardo Amaral (onde ficava o Tívoli Park, por ali). Seria um musical picante, com texto de Luis Carlos Maciel, dirigido por Neville de Almeida (também autor de um filme erótico -super 8- com as duas atrizes, que foi filmado exclusivamente para ser rodado durante o espetáculo). No roteiro de músicas, canções de compositores conhecidos (por exemplo, Betty cantaria, dentre outras, "As Curvas da Estrada de Santos" de Roberto e Erasmo Carlos) e nós, além de apresentar o nosso repertório, tocaríamos, por exemplo, o "Cérebro Eletrônico" de Gil, etc.
Os ensaios foram divertidíssimos, a gente se deu super-bem com as duas, e o espetáculo saiu divulgado em jornais, outdoors e panfletos. Na estréia a casa estava super-lotada, muita loucura, muita confusão e aconteceu o que ninguém esperava: roubaram o tal filme delas, que mostrava, entre outras coisas, elas devorando, sugestivamente, um farto abacaxi. No dia seguinte, o "grude" estava formado. Elas se recusaram a participar, rescindiram contrato, e nós seguramos sòzinhos a peteca.

NR- O sucesso de "Mary K No Esgoto das Maravilhas" chegou a surpreender a banda?

DD- Sabíamos que tínhamos em mãos uma coisa boa, e que, com um pouco de sorte, seríamos recompensados. Não deu outra!!! Tirou o 6º lugar, com direito a contrato na gravadora Odeon (logo gravamos um compacto com Mary K no Esgoto das Maravilhas no lado A, e Poesonscópio de Mil Novecentos e Quarenta e Quinze no lado B, esta terrìvelmente mutilada para que durasse no máximo 3 minutos, exigência da gravadora...). E estourou!!! Por meses, 1º lugar no "Show dos Bairros" da Radio Mundial, Radio JB. Me lembro tão bem da sensação inenarrável que eu sentia ao escutar minha voz saindo ali no rádio. Primeira vez!!!!

NR- Que lembranças você tem daquela vida de hippie em Santa Teresa? Dá pra descrever um pouco?

DD- Vai ser difícil descrever "pouco"! São bilhares de lembranças devidamente guardadas em gavetinhas do inconsciente, que vou abrir, sacudir a poeira, pra poder responder a essa pergunta. Aquela "vida de hippie em Santa Teresa" citada, nem sei quando acabou, nem sei SE acabou.... Vou falar primeiro da chamada "casa da Equipe Mercado".
Bem, a primeira lembrança é do perfume que um cacho de bananas deixou pela casa toda ao amadurecer.

A casa de que falo é a mítica enorme casa na Rua Julio Otoni (Santa Teresa), de 2 andares, um vasto quintal, 5 quartos, que alugamos e fomos morar em comunidade. Os primeiros moradores fixos oficiais foram 3 meninos da Arquitetura e eu. Junto havia dezenas de "agregados", irmãos, namoradas, namorados, irmãs, amigos, primos, artistas em geral, produtores, que ocasionalmente passavam... e dormiam por lá. Fomos os primeiros da nossa turma de conhecidos a fazer isso, uma atitude mais que ousada, revolucionária. Difícil encontrar um proprietário que quisesse nos alugar algo, mas conseguimos depois de muito bater perna. Pra mim foi uma saída dramática, meu pai era contra -e olha que ele era músico, foi do Bando da Lua, tocou com a Carmem Miranda, foi com ela pros States filmar e se apresentar, conheceu minha mãe atriz, eu nasci (digo que foi por causa da Carmem que eu nasci!!!). Tudo isso pra dizer que ele era artista, tinha tudo pra ser mais aberto, mas que nada... foi uma barra, fiquei anos sem pisar os pés em sua casa... Agora, se ele era assim, imagina como eram os pais convencionais...

Bem, então afinal saimos da casa dos pais. E agora? agora era fazer tudo diferente deles, mudar a nossa vida, mudar o mundo... Mas como?? não sabíamos... mas isso não importava. Nos reuníamos semanalmente pra discutir "como". Tudo era posto em pauta, desde a posição do papel higiênico na parede, até o revesamento dos quartos (os da frente tinham uma vista pra baía de Guanabara, e chegamos à conclusão que seria justo que todos pudessem usufruir disso), passando pelo cardápio , atividades comunitárias e indo pra estudos esotéricos, e claro, era o local de ensaio da Equipe Mercado, onde recebíamos outros músicos, produtores, artistas. Tudo era feito em comunidade, em conjunto. Hoje em dia, com esse individualismo reinante, é difícil de imaginar, mas na época tinha tudo a ver... as filosofias orientais sendo descobertas... yoga, macrobiótica, tai-chi-chuan, Maharishi, Ravi Shankar, os beatniks, as drogas, Marcuse e MacLuhan, leitura dinâmica, Julian Beck e o Living Theatre, José Agripino de Paula, Zé Celso Martinez Correa, livros como O Despertar dos Mágicos e os de Carlos Castañeda, Ordens Místicas secretas, W. Reich, viagens de corpo astral, sexo grupal, amor livre, ninguém é de ninguém, feminismo, feminismo, feminismo, jogar fora o sutiã...uma verdadeira avalanche de novos conceitos estético-filosófico-culturais me dando a sensação de que eu tava nascendo, tinha estado até então na barriga da minha mãe. Como consegui chegar até essa idade (22 anos) sem conhecer o arroz integral? sem saber o que era uma mandala???? sem ter acampado em Arembepe???

E repetindo: não esquecer jamais que estávamos em plena ditadura militar. Amigos desaparecendo assim.

E lá fora a Guerra do Vietnam...

Quem viveu os anos 70 sabe.

Na mítica casa, passávamos o dia a compor, tocar, cozinhar nossas refeições macrobióticas, estudar, fazer artesanato, pintar, cuidar dos afazeres domésticos, ensaiar... Na decoração, nada de camas, dormíamos em esteiras no chão, caixas de alho eram transformadas em prateleiras, tampas de goiabada coloridas em quadros, costurávamos, tingíamos, bordávamos nossa própria roupa, criando a nossa própria moda... Fazíamos nossas sandálias de pneu, nossa bijuteria, que também vendíamos na Feira Hippie na General Osório (era MESMO uma feira hippie quando começou.... vendi muito colar e sandália lá feitos por mim).

Aliás, era muuuuuito difícil ganhar dinheiro com música naquela época. Não havia essa profusão de lugares pra se apresentar como hoje, nem os instrumentos, nem os equipamentos, nem a infra-estrutura, nem as facilidades de uma gravação de cd em casa, nem os livros de música, nem os songbooks, nem os cursos que existem hoje em dia, nenhum investimento em arte... e às vezes topávamos com alguém que achava que a gente tinha que tocar de graça... que era "feio" ganhar dinheiro com música... aquela idéia idiota que o artista tem que viver duro, esfarrapado: esse é o "verdadeiro" artista.... porque quem ganha dinheiro com música é vendido, comercializado, não tem valor, e a música é um "dom divino" a qual não se pode vender bla bla bla...


NR- Apesar do relativo sucesso da bonita "Campos de Arroz", em 1971, a Equipe não teve fôlego para emplacar 1972. Por que a banda se desfez?

DD- Foi um sucesso mesmo, a canção (minha letra com música do Guinsburg) foi gravada na Phillips, com a direção musical de Nelson Motta, com uma verdadeira orquestra atrás, arranjo maravilhoso, com aqueles scattia pensere abrindo a introdução, uma beleza mesmo. Mas, fazer parte da Equipe Mercado, como aliás de qualquer banda, era muita entrega, a dedicação era total, e a gratificação monetária pouca, o sacrifício era muito, e a vida de artista pop acabou sendo inviável para uns... Lengruber foi se formar como arquiteto, Guinsburg foi trabalhar em produção de jingles e música para propaganda em geral. Foi assim que Equipe Mercado se dissolveu. Os que ficaram -eu e Stul- decidimos sair da casa na Júlio Otoni -grande demais, recordações demais- e fomos morar por pouco tempo num ap., também em Santa Teresa, para um pequeno período tranquilo de reciclagem de baterias. Nascia o Diana & Stul.

NR- Com o fim da Equipe, você e Stul seguiram como dupla (Diana & Stul) e gravaram um compacto pela RCA. Você pode sintetizar esse período na sua carreira?

DD- Fiizemos vários shows como dupla (na boite Flag, com Edson Frederico e Juarez Araújo, por exemplo), e gravamos na RCA esse compacto maravilhoso que tem a participação de Paulo Moura e Maurício Einhorn na ótima música do Stul "Não é Preciso Correr"... Mas naquela época NADA estava fadado a ser um "período tranquilo" por muito tempo: aos poucos fomos morar com toda a banda do Diana & Stul: Mario Jansen (piano e teclados), Afonso Correa (bateria, substituindo João del Aguila), Barroco (guitarra), num castelo monumental na Rua Joaquim Murtinho, também em Santa Teresa, onde já tinham morado o Luís Sá (do Sá e Guarabira) e as nossas amigas, a dupla Luli e Lucinha.

Que castelo!!!

Ali continuou tudo, com a diferença de que, como os moradores oficiais eram todos músicos, e músicos da mesma banda, só se falava de música, respirava-se música, ensaiava-se música, comia-se música de dia e....de noite!!! Muitos agregados, hippies, hare-krishnas, artistas (hospedamos Zé Celso por um tempo), produtores passavam por ali. Carregávamos um piano de armário nos shows, estávamos trabalhando razoàvelmente bem, compondo bastante, ensaiando diàriamente, aparecendo na midia, fotos, tijolinhos de shows, reportagens de meia página, entrevistas, e conseguindo pagar o aluguel do castelo só com o dinheiro dos shows. Que nem na época da Equipe Mercado, não tínhamos carro, não tínhamos telefone, era tudo de orelhão e boca-a-boca, fazendo cola de farinha para colar pela cidade nossos cartazes de shows, que claro, eram feitos por nós. Mimeógrafo. mala direta. Chegou uma hora que não dava mais. A precariedade cansa... Apareceram outras ofertas e convites irrecusáveis de trabalho para cada um de nós, e cada um foi trilhar seu caminho.

NR- Depois, você encarou uma série de musicais, entre eles o "Rock Horror Show" que ficou em cartaz, no Rio, de fevereiro a junho de 1975. Como foi sua participação?

DD- O musical sempre foi o meu gênero preferido de filme, de teatro, de tudo. Desde criança eu achava que a vida deveria ser assim -cantada e dançada!... Era mais profundo... era mais leve... era mais solto... era mais completo... eu via (vivia!) aquelas operetas com a Jeanette Macdonald, depois as chanchadas da Atlântida, depois os musicais americanos -Gene Kelly, Leslie Caron, Cid Charisse, Fred Astaire- e filmes como South Pacific, Um Americano em Paris, Dançando na Chuva, 7 Noivas para 7 Irmãos, West Side Story (que perdi a conta de quantas vezes eu vi, umas 25...e continuo vendo)... Como eu desde os 8 anos de idade estudava dança (e meu trabalho posterior ter sido muito baseado em dança e expressão corporal), fiquei extasiada quando fui chamada pra participar do "O Casamento do Pequeno Burgues" de Brecht/Weill, dirigido pelo saudoso Luis Antonio Martinez Correa. Eu era uma das coristas, meu nome era Mameley Dan-Dan. Começava a peça tocando ao piano a Ave Maria de Gounod. Marieta Severo, Thelma Reston, tinha muita gente incrível no elenco. E a banda? Barrozinho, Tomás Improta....

Depois fiz um musical infantil de Paulinho Machado e Fernando Pinto (dos Dzi Croquettes), uma incrível fantástica fábula cibernética chamada "Roboneta, o Planeta dos Robôs", toda cantada e dançada, com um figurino belíssimo do Fernando Pinto, coreografia belíssima de Fernando, músicas belíssimas de Paulinho, belíssima peça, belíssimas pessoas, belíssimo trabalho!!!

E finalmente, o Rock Horror Show, que fez um tremendo sucesso, com direito a gravação pela Som Livre da trilha e tudo! Vivi, com essa peça, uma época de super-exposição na mídia: minha foto saía 3 vezes por semana em jornais, meu aniversário com repórteres e fotógrafos, fofocas, reconhecida na rua, esse clima... Dirigido pelo -nem sei que adjetivo dar, era uma pessoa tão tão especial, tão única- Rubens Correa. Eu era a protagonista, a noivinha que seria "corrompida" pelo vampirão. Os ensaios eram puxadíssimos, o dia inteiro varando a noite, mas... que prazer era trabalhar com o Rubens! O elenco, super-divertido. Quase toda dançada, com rodopios, sapateados, altas coreografias (hoje em dia é comum, naquela época os musicais estavam começando aqui)- a peça exigia um preparo físico perfeito... A voz tinham que alcançar a última fila da platéia, sem microfone... Sábado e domingo, fazíamos duas sessões... Só sei que quando acabou a temporada, eu estava precisando de umas férias... resolvi dar um tempo, uma reciclada, e fui passar uns meses no mato, em Lagoa das Lontras, Miguel Pereira, pra onde, claro, levei tinta, pincéis, papel de desenho, máquina de escrever, instrumentos, discos, fitas k7 e um gravador. Sem TV ou telefone.

NR- O Bando da Santa foi outro projeto efêmero, não é?

DD- Antes do Bando da Santa uma coisa importantíssima aconteceu na minha vida profissional: tive a oportunidade de conhecer e trabalhar com Walter Smetak, músico, filósofo, escritor, poeta, criador de instrumentos-esculturas. Smetak trabalhava com microtons (a primeira vez que ouvi falar dele foi naquela música do Gil "Língua do P": smetak tak tak tak. Depois saiu o LP dele produzido por Caetano). Foi num curso de Criação Espontânea que ele estava dando no MAM, e de noite era encenada a peça dele, A Caverna. No dia em que entrei, sentei na sala e nós nos olhamos, foi uma empatia muito forte, uma identificação total, como se nos conhecéssemos há muito. Pediu pra eu cantar. Assim... sem nada ...sem acompanhamento... sem letra... improvisar... Fiz o que ele pediu. Resultado: de noite já estreei como cantora na peça, e desde aquele dia mantivemos um relacionamento muito profundo, muito forte, me identifiquei inteiramente com o seu trabalho, e a participar com a maior paixão. Como ele morava em Salvador, eu "me mudava" pra lá a cada chamado seu. Eu passava de manhã à noite, todos os dias, no seu estúdio-oficina num subsolo dos Seminários de Música da UFBA. Tenho muito material gravado inédito que passei pra cd recentemente, é um trabalho do qual me orgulho demais, e que pouca gente conhece.

A verdade é que depois disso, senti que nada mais me restava a fazer aqui, e fui armando aos poucos a minha transferência para Europa (onde vim a trabalhar com Smetak de novo, no evento Horizonte 82, em Berlim, 1982). O Bando da Santa estava nesse meio entre uma coisa e a outra. Esse nome representava o conjunto de várias bandas, que juntaram seus trabalhos num verdadeiro "mutirão musical" . Gente que morava em Santa Teresa, que se conhecia e trocava figurinhas há muito tempo, se esbarrando no bonde, no colégio, nas esquinas do bairro. Na época não existia essa coisa de música ao vivo nos bares: o que fazíamos era ensaiar cada grupo no seu canto e íamos nos apresentar lá embaixo, na cidade. Resolvemos então nos juntar, conseguimos através da Região Administrativa de Santa Teresa, um bom espaço bucólico, cheio de mangueiras, bem no Largo dos Guimarães (ex-Colégio Brentano) pra ensaiar, e neste espaço - fato inédito- conseguimos realizar vários shows históricos. Mas como isso era incomum, em pouco tempo começou-se a ter um movimento contra o Movimento que estávamos criando (que considero precursor do Arte de Portas Abertas, um festival de música, teatro, artes plásticas que se realizou em 97, com shows ao vivo por todo o bairro), e tiraram a gente de lá. Cada um então seguiu o seu rumo. Fui pra Europa.


NR- Nos anos 80 você passou uma boa temporada na Europa se apresentando com o grupo Cana Caiana. Quem participava do grupo? Conte um pouco dessa sua aventura.
DD- Acho que a "vida de hippie" acabou quando eu fui pra Europa. Em país que não é seu não se pode vacilar, você vai estar competindo com gente dalí, você sempre vai ser estrangeiro, não vai ter a família e os amigos pra darem uma força, então tem que procurar ser o "melhor"... se vestir bem, fazer bons contatos, falar a língua do país, ganhar mais dinheiro pois tudo é mais caro, os invernos são frios, e é loooonge pra caramba...

Mario Jansen (tecladista do Diana & Stul e do Bando da Santa) tinha se mudado pra lá havia 2 anos, e sempre me chamava pra montarmos um grupo, que daria o maior pé, que teria muito trabalho, que tava um momento ótimo pra música brasileira... Quando senti que era a hora certa, lá fui eu, pela Royal Air Marroc (existe ainda?) com escalas em Casablanca (opiástica!) e Tânger (fantástica!) rumo a Madrid (de putísima madre!!!!!). Um mes depois chegou o Bida Nascimento (baixo do Bando da Santa), seguido de Walter Guimarães (bateria do Bando da Santa). Nascia o grupo Cana Caiana. Meu repertório mudou completamente: sai o rock and roll e músicas autorais, entra a bossa nova e o samba. Foi quando aprendi a letra de Garota de Ipanema, entre muitas outras.... Claro, porque o que nos diferenciava do resto, era o fato de sermos músicos brasileiros, e naquela época, ainda não havia muito músico brasileiro lá.

Mario estava certo, o momento era excelente, de Madrid fomos pra Paris, onde fizemos uma boa temporada no Via Brasil, além de turnês por toda a França (Biarritz, Rouen, Montpellier e Algerès-Sur-Mer na Riviera Francesa, etc), fomos fazer o reveillon de 80-81 no Hyatt Regency Hotel em Dubai (Emirados Árabes), nesta ocasião participando de um show turístico de mulatas chamado "Tangas of Brazil", além de shows na Suiça e em Londres. De lá, para Barcelona, onde resolvemos estacionar nossa carroça e criar uma base por um bom tempo. A cidade catalã de Gaudi, Dalí, Miró nos recebeu de braços abertos...era deslumbrante, acolhedora, gostosa, alegre, fizemos amizades que duram até hoje.... e havia muita oferta de trabalho... em relativamente pouco tempo o Cana Caiana juntou um público fiel que ia onde quer que a gente fosse... De lá conseguimos agendar show por toda a Espanha, de ponta a ponta, uma maravilha.... Foram mais de 30 cidades diferentes!!!

Nessa fase o Cana Caiana contava com o guitarrista brasileiro Alfredo Lemos (também do Bando da Santa), que veio do Brasil especialmente pra tocar conosco. De Barcelona fizemos contato também para uma temporada em Porto, Portugal, e pegamos 24 horas de trem não parador, com uma cesta cheia de "bocadillos de tortilla" (enormes sanduíches de omelete) que eu havia feito na véspera.

Portugal foi sucesso total, ficamos 2 meses tocando de segunda a segunda no Chico´s Bar, com a maior mordomia, casa cheia, um verdadeiro barato, e de quebra, um show de hora e meia na TV Portuguesa!!! De volta a Barcelona, Alfredo precisou voltar pro Brasil, Mario foi convidado pra fazer um trabalho solo, eu fui chamada pelo diretor do "Tangas" pra fazer uma temporada de 3 meses na........TUNÍSIA, ganhando muito dinheiro, oferta que não dava pra recusar.

Hospedada num hotel 5 estrelas (Diar-Al-Andaluz)em Sousse, à beira-mar, de dia na praia com camelos passando, de tarde na piscina, onde de noite estaria cantando à sua beira, a lua, o cheiro de jasmim, tudo foi tão perfeito que parecia um filme... por 3 meses eu conheci o Paraíso. Cenário enebriante. Romance no ar. Quando terminou a temporada, fui morar em Munchen (Alemanha). Mas, como Munchen não é Sousse, e o cheiro de linguiça com chucrute é bem diferente do de jasmim, a coisa não vingou... Voltei pra velha e querida Barcelona, que me acolheu de braços abertos.

Mas tinha um problema... como eu sou americana, com carteira de estrangeiro, tinha expirado o meu visto permanente no Brasil, pois fiquei mais tempo fora do que o permitido por lei. Fiquei em pânico, doente, entrei em depressão, havia me esquecido completamente desse detalhe. Fui no Consulado e soube que havia uma maneira de conseguir a permanência de volta, mas tinha que voltar ali e naquele momento. Passagem de ida e volta pela Varig. Mas chegando aqui, aqui fiquei. Foi o fim de uma coisa, renascimento de outra, nova fase, nova casa, nova gente... mudanças... o eterno deus mu....dança!!!!

NR- Seu primeiro (e único) disco solo (Fome de Javali), saiu em 1990. De lá pra cá o que é que você tem feito? Tem planos de lançar outro disco?

DD- Antes do lançamento do Fome de Javali (que foi em 1992), é interessante falar sobre o recheio do sanduíche (minha volta da Europa e o disco). Apesar de eu ter passado relativamente pouco tempo fora (um pouco mais de 3 anos), as coisas aqui tinham mudado muito! Pessoas que eu conhecia não trabalhavam nos mesmos lugares de antes (nas gravadoras, nos teatros, na produção), minha agenda telefônica ficou desatualizada, amigos casaram e se mudaram. O rock estava no auge: enquanto eu estava na Europa, houve um interêsse das gravadoras em investir no rock nacional, promovendo diversas apresentações para um público grande em praças, praias etc. Disto se beneficiaram diversas bandas jovens (Kid Abelha, Paralamas), e alguns músicos da minha geração, que então tiveram a oportunidade de divulgação do seu trabalho e a formação de um público (Lobão, Ritchie, Lulu Santos).

Fiquei meio sem saber como recomeçar. Antes de entrar em parafuso, resolvi estudar. Soube de um curso de Harmonia e Composição que Antonio Adolfo estava dando no Calouste Gulbenkian (na Praça Onze; naquele tempo ele ainda não tinha sua famosa e renomada e bem sucedida Escola. Hoje ele fala brincando que nós éramos suas cobaias!!!). Antonio é um professor fantástico, um grande músico, uma pessoa simplesmente maravilhosa. Ficamos amicíssimos e foi naquele curso (que pulou pra Copacabana, depois pra casa dele mesmo, e finalmente pro Leblon e que durou 4 anos), que eu compuz no piano mais de cem músicas (5 delas estão no meu LP), a maioria só instrumentais.

Continuando o recheio: em 1989 Mario Jansen voltou da Europa e reiniciamos nosso trabalho, compondo um bom número de músicas. Em 1990 eu e Nelson Jacobina iniciamos uma parceria, com shows com músicas nossas e de outros autores, como Maysa, Jorge Mautner, Luis Melodia, Thelonius Monk etc. Em 1992 produzimos o disco Fome de Javali (título de uma composição nossa), shows de lançamento... Paralelamente fiz uma pesquisa com o Nelson de repertório de sambas antigos para montarmos um show chamado Cachorro Vagabundo, com participação especial de Ignez Perdigão (flauta, cavaquinho) e Rubinho (cavaquinho), com músicas de Assis Valente, Wilson Baptista, Ismael Silva, Nelson Cavaquinho entre outros. No ano seguinte, eu e Mario Jansen montamos um show de blues (Noites de Blues), com participação especial de Barroco, repertório de Bessie Smith, Leadbelly, Chuck Berry, Jimi Hendrix, Muddy Waters, B.B. King, Robert Cray etc. Ainda participei de mais 3 trabalhos: um sexteto de bossa nova (Encontros com a Bossa); uma "big band" de covers dançantes (Itaipava Band), com músicas de Stevie Wonder, Marvin Gaye, Stones etc; e um trio de jazz (Jazzy Hours), com Bida Nascimento (baixo), Alfredo Lemos (guitarra), e eu no piano e cantando aqueles "clássicos" de jazz. Estes trabalhos todos estão gravados ao vivo, e umas músicas também em estúdio, o que já é material para novos cds. Há pouco tempo atrás me formei em Bacharelado de MPB pela UNI-Rio, e com isso surgem novos caminhos, novas possibilidades.

E vem aí um CD de inéditas.

Um leque de 360º de portas se abrindo e estou no meio disso tudo... epa!!! sinto que está tudo começando outra vez...