24 February 2010

carne assada


Febre sem estar com febre. Cabeça ficando maior e vermelha, maior e mais vermelha, maior e ainda mais vermelha. Desmaio iminente. Incapacidade de pensamento e locomoção. Irritabilidade. Cansaço extremo. Mente confusa. Dificuldade de se expressar. Sensação de que pele começa a não comportar o sangue nas veias, e a cabeça vai explodir. Princípio do fim. Tudo pode acontecer.

Calma, tento manter a calma.

Isto é o que está sendo o verão saariano de 2010. Alguém ligou o forno do céu em volume máximo, e virei uma carne assada. Não pego sol, saio de sombrinha (to lançando moda!), filtro solar, e mesmo assim, me pego fazendo os menores percursos, tirando casquinha de ar-condicionado em lojas e bancos, sem condições de viver: encontrar amigos, fazer aulas, pensar, criar, produzir, fazer meus projetos, cozinhar, dar geral... nada que possa fazer meu corpo revolver e minha mente mexer. Ficar parada é a única coisa viável, não consigo fazer, realizar. Preciso estar constantemente molhada, inúmeros banhos, ventiladores e ar. Corpo parado. Olhando pro céu azul numa sombra e suar.

Não me lembro de um calor como este. Até na Tunísia, onde passei 4 meses trabalhando no verão, senti tanto calor assim... tinha sempre uma brisa, uma sombra fresca. Não passei mal lá como agora, sentindo que iria desmaiar... era é muuuuuito bom!!! Aqui, o ar que desce do ventilador é quente, bafo de forno, e só se molhando é que há alívio... brisa? nada, tudo parado, e quando tem, vem quente. Lembra sauna. Uma constante sauna que não passa, são horas e horas a suar. As sombras viraram ítem obrigatório e de primeira importância na escolha de um caminho a percorrer.

E até gente que sempre adorou o calor, reclama. Mas pra não dizer que é tudo só inferno, tem a ducha que me refresca e me massageia. Um orgasmo a céu aberto, uma orgia de gotinhas fartas e fortes que caem num turbilhão de cachoeira nas minhas costas, cabeça tronco membros, me arrepiando de prazer. Tem as cigarras cantantes, tem a roupa que seca em horas: cê lava de manhã, e de tarde tá sequinha... Tem as frutas que são consumidas aos montes, em pedaços, em sucos, e as salaaaaadas que mastigo com volúpia, verdadeiras florestas no meu prato fundo. Desde que estamos pedindo orgânico, ah... é muito bom. E tem outra coisa: o mosquito da dengue não se cria nestas temperaturas tão extremas. Ficamos tranquilos, sem precisar vestir calça, meia, manga comprida. Nossa, em outros verões mais amenos, eu parecia um apicultor, só faltava a telinha na cara!!!

Nada de ligar o forno, eu que gosto de legume assado, essas coisas, melhor mudar de menu. No outro dia fizemos um souflé, tava tudo pronto me lembrei que tinha que ligar o forno. Foi um terror. Nunca mais. Pratos de forno só em maio!!!

Pensei: to doente. Preciso me cuidar. Mas quando olhei pras cachorras e pros gatos aqui de casa, todos imóveis, escornados, verdadeiras estátuas (chego a olhar se estão respirando), sem ânimo nem de receber carinho, aí vi que a coisa é geral. E quer ver eu recobrar os sentidos? é só passar por algum estabelecimento na rua que tenha ar-condicionado, ou entrar num táxi com ar: em poucos segundos volto à vida, o mal-estar acaba, meus pensamentos voltam a existir, consigo conversar com a pessoa do lado, minha cabeça volta a funcionar. É batata!!!

E pela primeira vez os noticiários daqui falam em "sensação térmica": a temperatura registrada é tantos graus, mas o corpo sente muuuito mais. Olha, isso existe mesmo!!! Eu já tinha ouvido e sentido essa "coisa" numa das vezes em que fui visitar minhas irmãs nos EUA no inverno: um dia saí pra passear à pé, tava um sol lindo, um frio gostoso, mas no meio começou um vento gélido, e não consegui mais curtir nada, tentava andar, mas aquele vento ártico me paralisava, e acabei voltando pra casa. Estava bem agasalhada, mas não conseguia evitar de me congelar: entrava pela roupa. Aí no noticiário da TV só se falava disto: sensação térmica. E ontem a nossa aqui empatou com a de Akjoujt, na Mauritânia, na região do deserto do Saara. Na terça de carnaval, foi a segunda maior do mundo, só perdendo para Gana!!!!

Muita coisa to transferindo pra maio. Aniversário, exames, vida social, projetos, qualquer coisa que exija de mim um mínimo de raciocínio, ou um mínimo de atividade física. Dizem que este calor veio pra ficar, todo verão agora vai ser assim. Preciso armar um esquema pros próximos. Curso de férias no exterior. Como adestrar ursos polares. Como fazer bonecos de neve criativos. Aprenda como alimentar pinguins organicamente. Ou então, trabalhar numa estação de esqui.

Não, nem um extremo nem outro... Procurar uma praia no norte (em Natal faz menos calor que aqui!!!). Ou nem tão longe: dizem que em Rio das Ostras, neste carnaval, ficava fresquinho de noite. Será? Ou talvez ir pra montanha: Friburgo? Teresópolis? Bocaina? Mauá? bem, até lá tem um tempinho, enquanto isso a vida rola aqui e agora, e vou me deslizando de suor pelos dias. Mas quando maio chegar...