30 June 2007

o piano


Certas coisas me acompanham trôpegas por toda a vida, uma delas é o piano, com seus dentes de marfim a me morder. Temos uma relação complicada, eu e ele. Comecei a estudar com 8 anos, aulas particulares no Colégio Bennett, que naquela época era só de mulheres e ia do maternal até o ginasial (2º grau). Como não tinha piano ainda em casa, estudava as lições lá mesmo, às vezes no recreio, às vezes depois da aula. Ora, eu queria brincar no recreio, a professora era um horror, e eu não gostava nada. Depois fui pra outra professora, Nise Obino, esta sim me fez gostar do instrumento, e por quase 10 anos me dediquei a ele com intensa paixão, resolvida estava a ser concertista. Estudava 8 horas por dia, era um prazer inenarrável, era do que mais eu gostava, mais do que sorvete, mais do que passear com a família nos fins de semana, mais do que festa e namoro. Aos 18 anos porém, de estalo, fechei a tampa e por aaaaanos o piano ficou assim, mudo calado, e fui fazer outras coisas mais sociabilizantes, teatro, entrei pra faculdade de Arquitetura, comecei a cantar, saí da casa de meus pais. E com a música popular voltei a abri-lo, mas nunca mais com a paixão de antes. Toco aqui e ali, compus quase uma centena de músicas com ele, mas falta alguma coisa que não sei bem o que é... sonho? ideal? ocasião? cabeça para o iimproviso (minha formação é acadêmica, tudo lido na partitura)? sei lá... mas não pensa que desisto não, agora mesmo to tendo aulas com o Tomás pra ver se encontro aquela diana pianista que ficou lá pra trás. Foi outra pessoa. Onde estão vocês que me habitavam, seres pianísticos? foram pra o nunca mais? penso nisso e me lembro daquele provérbio: "águas passadas não movem moinho". Devo insistir? ou será que aquela já morreu? quantas vezes já morri e nasceu outra... pode ser mais uma...
Enquanto penso, estes dentes me sorriem, mas já não mordem mais.

16 June 2007

pores-de-sol


Um por-de-sol me faz tão bem. É uma hora em que fico feliz em estar viva, em tão boa saúde, com a minha sensibilidade tão à flor da pele, vendo um espetáculo tão belo. Fico comovida, emocionada, extasiada com cada mudança de cor que vai acontecendo muito aos pouquinhos, cada figura de nuvem que vai se transformando em outras... Esta hora salmão é muito especial pra mim. E onde moro, há uma vista estupenda, um verdadeiro deslumbramento.

Não há um idêntico ao outro, cada tarde é uma experiência única, um fenômeno que não se repete. Estou sempre tirando sua foto, tentando perpetuar o momento, eternizar a minha emoção. Tenho mais de cem sobre o assunto, são belíssimas, mas claro, são só tentativas pra capturar o incapturável, o instante de uma coisa em movimento.

Por coincidência, nasci às 6 da tarde... acho que isto não influencia, ou sei lá, talvez sim... mas a verdade é que é a hora que mais gosto. Até há bem pouco tempo, quando eu era da boemia, era a hora em que eu começava a me transformar também... aos poucos ia baixando um outro ser bem mais louco, meu ser noturno, e eu gostava muito deste outro ser destemido, admirava até mais do que o ser diurno careta que me habitava. Agora, como minhas noites são mais mansas, sinto a hora do por-do-sol como uma oração (agora me lembrei de uma coleção de músicas clássicas "pasteurizadas" que saiu há milênios atrás chamada de "Música à Luz da Oração" e a capa sempre era de um por-de-sol, ce vê como tá tudo lá no fundo do inconsciente...). Não uma oração religiosa, porque não sou religiosa, mas é um momento meu em que parece que fico mais perto de mim. Pode ser em Miami ou Madrid, Rio ou Eatontown, quando estou de cara com um por-de-sol é como se abrisse um parêntesis, e por um instante (ou vários) eu mergulho no meu avêsso. Me preparo pra noite. No fundo, acho que sou meio primitiva, temo a noite, que é a hora do inconsciente, dos sonhos, dos bichos noturnos sairem das tocas, dos sons estranhos, dos mistérios, dos sussurros, dos gritos, dos passos na ponta dos pés, do uivo do lobo, do silêncio sepulcral, do abandono, do indefinido. Todos os gatos são pardos. Não há como controlar nada daqui pra frente, é seja o que os deuses quiserem...

07 June 2007

saguis


Subindo pro quintal pra visitar a sepultura da Mia, veio um bando de saguis pra me consolar. Como sempre, saguis com fome. Não é época de jaca. Raros abacates. Desci de novo, e peguei a última banana que tinha (o consumo de banana aqui em casa é grande!!). Como satisfazer aquele bando só com uma banana? Fez-se então a multiplicação das bananas. Cortei-a em rodelinhas e fui dando. De um a um vieram descendo, gritando agudinho.

Antigamente não existiam saguis por aqui. Quero dizer, há 30 anos atrás... agora eles aparecem quase todo o dia. Quando me mudei pra esta casa, numa das primeiras manhãs acordei com um som altíssimo vindo do quintal, aliás estava até mais perto, parecia no telhado... um esporro louco.. nunca tinha ouvido nada igual... pensei que fosse uma passarada, mas... não eram pássaros comuns, ou então eram centenas... Depois vi que eram eles mesmos, os micos.

Uma visão inesquecível foi numa tarde em que estávamos almoçando e tinha uns oito na árvore em frente, todos amontoadinhos porque estava garoando. Aquele bloco de saguis (detestam o frio). Reparei que havia um que tinha uma mochilinha nas costas. O que era aquilo? um calombo? uma corcunda? um defeito de nascença? que nada... era o filhote agarradinho no pai. Pensei na hora que era na mãe, depois li que é no pai. O chefe de família tem a obrigação de cuidar dos filhotes, que se agarram no seu peito ou nas suas costas, na hora de atravessar os galhos ou correr pelas árvores. Voltam pra mãe na hora de mamar.

O que acho curioso é este rabo caído, sem ser prêensil, como nos outros macacos. Mais curiosidades: raramente andam sozinhos. Adoram brincar de brigar e esconde-esconde. Possuem uns tufos festivos que saem de suas orelhas. Pra mostrar a superioridade, um miquinho mostra sua bundinha pro outro. E.. que saco enorme!!! Sua dieta básica são insetos, frutos e sementes. Aqui tem uma foto antiga de dois se fartando de jacas, depois vieram mais!!!

São estridentes, hiper-estressados, e dizem que muitos morrem de enfarte. Nunca vi nem quero ver. Basta uma cena horrível que assisti: um sagui saiu aqui de cima telhado, e pelo fio de telefone atravessou a rua, e esbarrou, encostou, se apoiou sei lá, no transformador. Só ouvi aquele estrondo e o pobre sendo catapultado. Foi horrível, fiquei chocada, aquele bicho todo vivo alegre leve e fagueiro de repente ali inerte...

Mas pra encerrar, nada de tristeza. Eis a foto mais linda dos saguis aqui do quintal, tirada pelo John, namorado de Maína. Olhe esta expressão. Os olhos. A boca.

Realmente, é um privilégio ter essa convivência com os nossos primos.

01 June 2007

aleluia


Enquanto penso em minha gatinha que se foi, sinto-a por perto me olhando. Não posso vê-la, mas dela guardei muitas lembranças que são como se ela estivessa aqui no meu colo. Olho pro céu, e olhando pro céu vejo aquela árvore lá no fundo da foto. A foto em si não mostra toda a sua (da árvore) plenitude, mas foi tirada de longe pra dar uma idéia de como é enorme. Dá pra ver de quilômetros de distância.. Fui eu que plantei. O nome dela é Aleluia, e está toda florida. Amarela, alegre. Minha gatinha Mia tinha olhos amarelos, e era alegre. Ela se foi, a árvore deu flor, está chuvoso, comi chocolate. A vida continua, e tenho que aproveitá-la enquanto posso, porque um dia vai ser eu...