12 November 2009

não deu tempo...


Fui assistir THIS IS IT, o filme do que seria o último show de Michael Jackson, se não fosse a sua morte inesperada, 18 dias antes do primeiro show. Era pra ser uma série de 50 shows, que se realizariam entre julho de 2009 a março de 2010 no 02 Arena em Londres, com lotação esgotada meses antes: dois milhões de pessoas de todas as partes do mundo se inscreveram para a pré-venda de ingressos, e quando postos à venda, foram-se assim! os ingressos mais rapidamente vendidos da história, o público mais numeroso para um artista numa só cidade. O filme era pra ter sido uma coisa privada, somente para constar de seus arquivos pessoais, sem nenhum plano para divulgação de imagens. Acredito que ele não gostaria que estivéssemos vendo a obra ainda por fazer, seus drafts, mas com a tragédia, é um premio de consolação para nós, seus fãs do mundo inteiro, que jamais vamos vê-lo outra vez. Uma saudosa despedida.

O que é que a gente faz depois de um filme destes? como é que se engata o cotidiano, e segue-se adiante?

Quando o filme acabou, o cinema aplaudiu em peso. Fui a última a sair, assistindo aos créditos e a várias vinhetas-surpresa. Nem sei descrever direito o depois. Me levantei da poltrona literalmente tonta, e vi que todos já tinham ido embora. Queria ver de novo. Saí trôjda, zonza, andando em zig-zag. Trôpega em pleno Largo do Machado, e... o que fazer? pra onde ir? me arrependi de não ter assistido a mais uma sessão logo em seguida. Tava querendo mais. Mas ao invés disto, comprei um sorvete, e vim tomando pelo caminho, neste dia de tanto calor, andando e pensando e sentindo, sentindo e pensando e andando...

Ver o Michael tão vivo ali, tão presente, tão ativo, tão intenso (apesar de dizer que estava querendo se poupar, ele se entrega inteiro, sob aplausos de todos que o estão assistindo) é um choque, porque é a imagem de uma coisa que era pra acontecer, mas não deu tempo. Um filme de uma despedida em que os protagonistas não sabiam se tratar de tal... Muito difícil e muito doloroso acreditar que ele não está mais aqui, que este show não rolou nem vai rolar... nem este, nem outro nunca mais (nunca diga a palavra nunca, mas neste caso, é nunca mesmo!). Difícil pelo absurdo da situação: saber que não temos mais o que vemos ali em plena forma (apesar de não ter feito show há anos), inteiraço (apesar das notícias nefastas de cadeira de rodas, máscaras, remédios, vida conturbada, atitudes grotescas, escândalos de pedofilia jamais comprovados). Fisica e psicologicamente inteiraço, comandando, sabendo exatamente o que quer (“essa nota não!”), dançando com uma precisão de acrobata chines, cantando divinamente, dirigindo os músicos, fazendo os arranjos, corrigindo a coreografia (“esse dançarino deveria sair antes”), dirigindo o show inteiro junto com Ortega. E de uma maneira inteiramente encantadora, doce e gentil. Gentileza para com os colegas e vice-versa, distribuindo sorrisos cativantes, mostrando humildade ao admitir deslizes (sorry!). Coisa rara, em se tratando de estrelas de primeira grandeza, que nem sempre mostram este cuidado. Uma pessoa especial.

Não quero tirar a surpresa de quem ainda não viu. Só digo que é imperdível. Não é preciso nem falar aqui -mas falo- de todo o extraordinário elenco de artistas envolvidos no projeto, desde o diretor Kenny Ortega, que consulta MJ a cada momento, aos dançarinos "invertebrados" e feitos de látex, ao time monumental dos músicos, aos cenários e efeitos especiais high-tech, 3D, MJ no bar assistindo Rita Hayworth cantando, Humphrey Bogart caçando-o de metralhadora, enfim... o maior show de todos os tempos, e como MJ diz: “quero que o show leve as pessoas a lugares onde nunca foram, e impressione como nenhum outro já visto”. Pode crer que era isso que iria acontecer. Menciono ainda tres mulheres simplesmente inacreditáveis: a Mekia Cox, uma negra inteiramente fantástica de uns dois metros de perna, com uma andada e uma cara pra lá de deliciosas, que dança com ele em This Is The Way You Make Me Feel; a Judith Hill (americana de mãe pianista japonesa e pai músico negro de funk), backing-vocal que faz duo com ele em I Just Can’t Stop Loving You e a louca guitarrista inenarrável Orianthi Panagaris- que nome!- (australiana, descendente de gregos), que, alucinada, segue-o no palco em diversos números e toca absurdamente.

É comovente ver como Michael é amado e respeitado pelo elenco (“estamos aqui por ele, e que ele continue nos guiando no caminho”), e vice-versa. Família.

Uma parte é dedicada ao Jackson 5, e MJ cita o nome de cada um deles, dizendo, emocionado, que os ama. A gente assistindo assim, começa a chorar... Uma hora em que me lembrei de Jimi Hendrix (acho que foi uma citação proposital) quando MJ joga o paletó no palco, queima-o (Jimi queimou a guitarra) e ele se ajoelha ao lado do casaco queimando (no ensaio, é só a marcação), e faz aqueles movimentos do Jimi com as mãos imitando labaredas.

O filme é dedicado aos seus tres filhos: Michael Jr (Prince), Paris-Michael e Prince Michael (Blanket). No final, outra cena "forte", de molhar os lenços: uma roda com todos os participantes, Michael agradece a presença, a energia, o trabalho, a união, a dedicação de todos. A gente sente a energia intensa que circula naquele momento, agradece e sai do cinema com lágrimas.

É pra ver várias vezes, com a certeza dolorosa de que perdemos o maior artista de todos os tempos.

11 October 2009

Ismael


Ele nasceu de uma ninhada de 4 gatinhos (irmão de Colombina, Fumaço -que dei- e de Mia, que morreu em maio de 2007, ver neste mesmo blog), e resolvemos ficar com ele porque era tigradinho, e estávamos sem nenhum exemplar desta cor (Tigrinha tinha morrido e Suleiman havia sumido, saiu pra passear e só fomos encontrá-lo um ano e meio depois). Era uma época em que éramos contra castrar (deixa trepar!!! é a natureza!!!), e ainda queríamos ter um gato de cada variação de cor pelo menos (amarelinho claro, amarelinho escuro, preto e branco, preto, cinza, tigrado de cinza, tigrado de marrom, branco e lá íamos nós...). Quanto mais gato melhor, e gata, melhor ainda, por causa das ninhadas!!! Então neste clima de paz e amor, há 14 anos nasceu o Ismael, filho de Violeta.

Como a gente muda! hoje em dia acho a castração fundamental e imperativa para evitar o abandono e a crueldade humana com os bichos em geral, com os gatos em particular. Depois de ter dezenas de ninhadas, cuidar dos filhotes e dá-los a pessoas de confiança, consegui me fixar em um número certo (na época eram apenas 13, que agora são oito).

Desde cedo, vi que Ismael ia ser um gatinho carinhoso, dócil e amoroso. Seu nome foi em homenagem a Ismael Silva, grande sambista que começou a fazer samba de um modo diferente, menos amaxixado como era a moda de então, e mais parecido com o samba que se conhece aqui no Rio hoje em dia. Ismael (sambista) foi o fundador da primeira escola de samba, o Deixa Falar. Quando adulto, Ismael (gato) enfrentava os gatos que vinham da rua, era forte, valente, e defendia seu espaço com muita garra. Mas como a contradição habita nos corações e mentes de todos os seres vivos, ele não podia ouvir um trovão nem de longe (ver neste blog em janeiro 2008, medo de tempestade). Quando ainda no horizonte ameaçava-se uma tempestade -podia até ser um começo, com um vento mais forte- ele começava a miar alto, chorar em forma de eeeaaaaauuuuu (quem tem gato sabe que cada miado quer dizer alguma coisa, e é tudo diferente. Nós, os humanos, passamos a identificar cada palavra de gatês. Esta é de pavor). Aí ele tratava de se esconder ou em baixo da mesa, ou num canto da casa, ou atrás da máquina de lavar. Sumia. Tinha vezes que eu chamava por ele pra colocá-lo pra dentro e não se molhar, mas nada. Tinha sumido. Gente estranha também não era confiável (podia ser veterinário, sabe-se lá...), e volatilizava-se. Na hora da vacinação coletiva então, quando eu prendo todo mundo num cômodo da casa, ele fazia um escândalo de arrepiar, parecia que estava sendo torturado.

Gato ensina muita coisa pra gente. Aprendo com eles muita filosofia, matemática, terapias orientais, acrobacia, meditação, coordenação motora, cálculo aerodinâmico, massagem aurivédica, técnicas para um sono perfeito, exercícios para desenvolver a intuição, entre outras coisas. Ismael também me ensinou na prática que quem tem medo não mama, ou vendo por um outro ângulo, o seguro morreu de velho: depois que acostumei a população felina a ficar fora de casa, ele dava valor à liberdade e quando eu o colocava pra dentro pra dar uns tiragostinhos especiais, ou mesmo pra ficar com ele no colo na cadeirabalanço vendo um filme, ele ficava ali mas lá olhando pra porta, que tinha que estar aberta. Se eu fechasse com ele dentro, entrava em pânico e começava a miar em forma de eeeaaaaauuuuu. Na cabecinha dele, ficar fechado dentro de casa coisa boa não era: ou ia ser espetado, ou manipulado, então era melhor ficar lá fora por via das dúvidas. Bem, não posso culpá-lo, pois muitas vezes era isso mesmo: uma medicação, uma limpeza de ouvido, veterinário à domicílio... mas eu ficava chateada, querendo dar uns agrados só pra ele sem ninguém ver, e ele sem querer entrar...

Pra cada gato, fiz uma letra pra uma melodia do “cancioneiro popular”. E todos sabem seus nomes e suas respectivas músicas. A do Ismael era em cima daquela música do filme Noviça Rebelde, Edelweiss. A letra é assim.
ISMAEL ISMAEL
É UM GATO VALENTE
ISMAEL ISMAEL
É MEU GATINHO FIEL EL EL EL

Quando eu o pegava no colo e começava a cantar a sua música, ele esfregava sua cara no meu pescoço e começava a me dar umas mordiscadinhas de amor. Mmmm, era muito bom! eu ficava arrepiadinha. Aquilo era característico dele, só ele fazia, e era uma demonstração tão grande de afeto entre gato e gente, um entendimento perfeito, um captar de vibrações mútuas e harmoniosas que nunca mais vou esquecer.

E com as gatas? pra ver só: Piteca e ele tinham um namoro firme, estavam sempre juntos e abraçadinhos. Depois, mesmo castrado, ele tinha um caso com a Chiquinha: quando ela aparecia (ela fica lá pelo quintal) e com seu cheirinho que ele sacava logo, pronto! começava a miar num ritual sestroso, e cheirava, se esfregava nela, e ela também tinha essa atração por ele. Dormiam juntos muitas vezes na mesma caixinha, realmente se amavam. Aqui primeiro ele com Piteca, depois com Chiquinha:




Semínima, minha gata-mór era sua melhor amiga. Viviam juntos e também dormiam juntos na mesma cadeira, na mesma caixa. Eram parecidos de temperamento: gato-gente boa, da paz... tenho inúmeras fotos dos dois juntinhos, pintei até uma aquarela. Ei-los:


Pois Ismael de uns tempos pra cá vinha tendo umas coisas estranhas. Era um dedo que deu bicheira e teve que ser amputado porque não cicatrizava, umas coisinhas aqui, outras ali. Comecei a notar que ele pouco saía de seu caixotinho, parecia meio triste, sei lá, e em fevereiro deste ano descobri que ele estava ficando cego! mas mesmo assim se interessava pela Chiquinha, por comida e quitutes, banho de sol, estes simples prazeres da vida felina. Quando foi terça agora, quando cheguei tarde de noite da aquarela, ele não saiu lá de trás, e quando fui ver, estava com as patas de trás paralizadas!!! Que visão horrorosa. Chamei um taxi correndo e fui pra veterinária. Meia-noite estava lá. Dr. Murad disse que talvez fosse ser hérnia de disco, mas como ele era cego, o itinerário dele era caixinha, comida, água, xixi e voltava pra caixinha, então seria difícil ser tombo, ou pulo mal dado, e me aconselhou vir no sábado pra falar com o veterinário neurologista que atende só neste dia, ele poderia me dar um diagnóstico mais preciso. Passou um corticóide e fiquei de ligar pra ele no dia seguinte.

Fiquei inconsolável. Apesar de ele me acenar com uma reversibilidade, eu olhava e pensava- isso tá muito ruim. Cego, idoso e agora paralítico: o rabo e as pernas de trás estavam inteiramente inertes, pendurados. Por um dia meu gato foi aguentando e sofrendo. Como ele foi sempre tão limpinho, quando queria fazer xixi, saía de sua caminha, se arrastava prum canto e fazia deitado. Sofria calado, com um olhar tão doce...

Sou muito fraca pra sofrimento de bicho, chego a passar mal. Eis que na quinta-feira de repente Ismael começou a ter uma hemorragia: era muito sangue saindo por trás. O céu diluviando, sem um táxi disponível, Santa Isabel me socorreu e me levou no carro dela para a veterinária (valeu, Bel!!!! sem palavras!!!), daí interna, medica e espera. Diagnóstico: a paralisia afetou o aparelho urinário e intestinal, ele já não estava conseguindo fazer suas necessidades, tinham que apertar pra drenar. Com muita tristeza fui vê-lo na internação na sexta, ele lá deprimido tomando soro, sem muita reação. Conversei muito com ele, falei pra ele o quanto eu o amava, cantei pra ele (reconheceu sua música) e, meio que já sabendo, senti que estava me despedindo. No sábado conversei com o neurologista que o examinou e confirmou o que todos já desconfiávamos: era uma doença dos nervos, e que o quadro era irreversível. Pela primeira vez, tive que assinar uma autorização para a eutanásia, convencida que era a melhor solução pra ele. Eu também, antes de conversar com o médico, estava achando que era a única solução, não dava pra continuar este sofrimento. Mesmo assim, na hora foi estranho assinar. Uma sombra tomou conta de mim... fiquei meio enjoada... fui dar uma volta pela praça, e só depois de uma hora voltei para pegá-lo, dentro de sua caixinha.

Quem tem bicho sabe a dor que é quando morre um. Não interessa se temos outros, aquele é único, aquele tem contigo uma relação singular, é que nem com amigo: cada um preenche um pedacinho do que é você, cada um é uma relação diferente, uma parte de você que outro não substitui.

E falando em amigo, preciso dizer que Milton me acompanhou em todas estas idas ao veterinário, inclusive porque ele era o co-responsável por Ismael, e tinha um carinho imenso por ele desde que era filhote. Milton foi fundamental principalmente neste último dia, porque eu não lido bem com a morte. Não consigo olhar pro morto, não quero ver porque depois fica a imagem na minha cabeça aparecendo sem mais nem menos me assombrando. Com gente também, não dá pra olhar. Sou muito impressionável. Então foi ele que carregou a caixinha, e depois teve a coragem de enterrá-lo.

Enquanto ele cavava lá em cima, aqui em baixo me deu uma louca de dar uma geral na cozinha (chão inclusive), lavar toda a louça e fazer um almoço, que acabou sendo o jantar. Catarse. Me catar. Chovia o tempo todo (desde quinta-feira), a terra estava mais fofa do que o costume, e estava frio. Quando achei que já podia subir ao quintal, fui e enfeitei sua cova. Plantamos uma folhagem e umas maria-semvergonhas. Ficou bonito. Aliás, toda a floresta estava bonita, bem verde e molhada, brilhante. Silencioso. Um verdadeiro templo. E lá ficamos por um bom tempo, eu e Ismael. Meu gato fiel.

22 September 2009

friburgo


Antes que acabe setembro (papagaio!!!!!!), vou rapidinho deixar uma nota.

Não sei onde foi parar este mes, mas me lembro como começou: fiz uma viagem adorável a Friburgo com Verônica, minha super-mestra de aquarela, que estava inaugurando sua belíssima exposição no SESC de lá. Foi ótimo, super-divertido, o tempo estava delicioso -nublado, fresco- e aproveitei pra ficar uns dias depois pra visitar o Mario, meu parceiro de tantos anos, pianista e compositor, que depois de ter vivido por anos na Europa, mora agora nesta cidade serrana.

Fazia tempo que eu não ia a Friburgo... esta cidade tem um passado pra mim -eta!- um passado de muitas lembranças. Pra começar, foi lá onde cantei em público pela primeira vez: no coreto da praça principal (este da foto, continua igualzinho). Foi uma apresentação de tarde para divulgar o show que faríamos no Clube dos 50 (que ainda existe, e no mesmo lugar!) de noite.

Quem "faríamos"? Nós: Stul, Lemgruber, Trajano e eu: o embrião da Equipe Mercado. Lembro do frio que fazia quando, depois do show, lá nas madrugas, ficamos amontoados sentados no meio-fio da rua deserta, esperando a rodoviária abrir e o primeiro ônibus chegar pra nos trazer de volta pro Rio. Nós acampados ali com aparelhagem, instrumentos, mochilas, cheios de fome, mas felizes de termos feito nosso primeira apresentação, sonhando com todo o nosso futuro musical pela frente, e nessas horas se sonha alto e sem pudores!!! Sucesso, Glória, Fama!!!! sim, porque com 22 anos, tudo ainda está por acontecer. Eu era uma criança. O futuro pela frente. Cor-de-rosa bebê.

Friburgo continuou fazendo parte do meu caminho. Conheci o Mario nos anos 70 e passamos a tocar juntos no Diana & Stul. A sua mãe morava lá, volta e meia íamos visitá-la. Que delícia! Nesta época, meu espírito era a de uma adolescente romântica, hormônios explodindo, ardendo em vermelho-paixão, mas começando a conhecer o “heavy metal” da realidade que é a vida, em que o vermelho-sangue se fundia com um cinza-chumbo, reforçado por um verde-oliva dos tempos sombrios. Futuro? que futuro? eu vivia no presente total, como se não houvesse um amanhã!

Depois nos anos 80, quando voltei da Europa, dei aula no Conservatório de Música de Friburgo, e também foi muito bacana. Aí já era uma mulher feita, embora com lampejos daquela outrora adolescente, começando porém a desconfiar que.... o futuro estava chegando ali na esquina, e se eu não começasse logo a realizar os meus sonhos, ia acabar sendo tarde demais. Comecei a entender a fundo o significado da palavra "angústia"... Uma época verde-bandeira bem brasileira, bem verde de esperança enfim.... salve lindo pendão!!!

Sonhos azuis fluindo em amarelos e laranjas... sonhos dando lugar a outros... eu me transformando em outras à medida que o tempo nadava num mar ora sereno, ora revolto... azul-cobalto, azul-cerúlio, azul da prússia, turqueza, indigo blue...

Friburgo mudou, mas eu mudei mais ainda, muito muito mais. Tantos personagens, tantas criaturas. Me reconheço em todas, mas estão tão distantes desta que hoje chamo de eu, que às vezes parecem outras pessoas. Mas não! elas sou eu, e se eu for bem procurar, posso até reencontrar em mim cada uma delas, num olho nos olhos que me dou no espelho, ou num breve segundo atravessando a rua, ou fazendo carinho no gato numa tarde chuvosa, ou passando por uma inesperada seta onde leio a palavra Galdinópolis, numa singela estrada de barro, ou tirando uma foto ou cantando uma canção... Vai ver que é isto que chamam maturidade. Envelhecer. E fico só imaginando as outras que estão por vir. De todas as cores. Ai! mal posso esperar pra conhecê-las!!!

17 August 2009

um banho, um prato, uma cama


Como preciso de coisas de que não preciso! coisas que colorem, animam, distraem, dando graça aos meus dias. Brincam em volta de mim, e me fazem sorrir. Biscoitos, batons, bolsinhas, almofadas, chapéus, sapatilhas, cumbucas, flores, brincos, molduras, bibelôs, toalhinhas bordadas, móbiles... são pequenos detalhes, tão necessários para a minha saúde mental, indispensáveis para não perder a razão.

Mas numa “situação extrema”, se eu tivesse que escolher tres coisas de primeira necessidade -só tres coisas- escolheria
1. um banho
2.um prato
3. uma cama
Aparentemente, são necessidades físicas, mas ah... como fazem bem ao espírito!!! Aliás, corpo e mente, tudo a mesma coisa.

Ao primeiro ítem. Um banho. Um banho limpa, um banho relaxa, um banho renova, um banho tira o cansaço . De preferência, um banho morno a levemente quente (menos no verãozaço, aí é frio mesmo e vááááários). A pele fica suave, volta a respirar. A gente se sente outro, depois de um bom banho.

Banho é coisa de índio e oriental, os europeus não tinham esta prática, achavam até que fazia mal. Foram aprender com os japoneses e chineses, e depois com os índios da América. Aliás, até hoje não são todos que tomam banho diariamente... na Europa não é raro encontrar quarto sem banho em hotéis pequenos. Como se lavam? água da torneira numa pequena bacia, nela mergulha-se uma toalhinha, às vezes sabonete, dão uma esfregada, axilas, pescoço, uma gotinha de perfume e pronto!!! é o que aqui chamamos de banho de gato, se bem que de gato não tem nada. Gato se “lava” muito mais: se lambe exaustivamente e fica limpinho, cheiroso.

Pois estranhei muito, e, por mais frio que sentisse, fazia questão do meu banho diúrno. E olha que passava frio. Teve um inverno em Paris que não havia calefação no ap em que eu estava, de noite fazia -1ºC no quarto, chegou a gear na Cidade Luz. Pois era um ato heróico tirar a roupa, pra começar. Era melhor ser rápido, e entrar na água correndo. E pra sair daquele morninho e enfrentar aquele ar gelado?

Pior foi em Barcelona. Teve um tempo em fiquei hospedada num lugar em que o chuveiro ficava dentro de um tanque numa varanda envidraçada, o ar gelado entrava pelas frestas, era preciso tirar a roupa, escalar o tanque, e só aí abrir o chuveiro, que quando chegava no meu corpo já estava frio, de tão frio que estava o ar naquela varanda. Foi num inverno em que nevou em Barcelona depois de 20 anos!!!! estavam todos maravilhados. Eu também, mas o meu amor ao banho passou por vários testes ali....

Ao próximo ítem. Um prato de comida.

Até aguentaria ficar horas sem comer, mas não gosto... e pra quê??? Primeiro porque não faz bem mesmo: vai dando aquela dor de fome no estômago, depois passa, esqueço, e quando enfim vou comer, acabo comendo quatro vezes mais. Às vezes dá até taquicardia (leve...). E segundo: não tem coisa melhor do que comer. Poderia escrever um livro sobre este prazer maior, tamanha a minha paixão pela comida. Mas não é qualquer coisa não- pois não como carne há quarenta anos, não gosto de gordura, fritura, açúcar. Em compensação, adoro todo o resto, e QUANTIDADES. Detesto aquela coisa chique daqueles pratos que a comida parece desenhos no prato... racionada, porções microscópicas. Não me convida que vou ficar triste... quero comida farta. Que me sustenta, me faz brilhar, me faz pensar.

E finalmente, uma cama. Não mole. Com lençóis limpos, com cheirinho de sabão. Deitar o corpo, relaxar, sonhar, se renovar.

Dormir é uma bênção. Dormir bem, um sonho!!! Quem consegue não têm direito de sentir depressões. Quem não consegue, que se cuide, porque a loucura tá atrás da porta.

Tenho muitas insônias (aí nem adianta uma cama!), não consigo me entender com meu travesseiro, noites virando de um lado para o outro, às vezes é preocupação mesmo, outras, nada: estou ligada, pronta pra qualquer evento, menos dormir. E como levanto cedo, fico cada vez mais puta de não estar conseguindo, e as horas passam voando: olho, são 2:00, quando vou olhar de novo, 3:45!!! E não é o caso de me levantar, ligar o computador, ou ler um livro, ou ver TV “pro sono chegar”: não! só se eu desistir de dormir mesmo, porque isso tudo vai me ligar mais ainda, e vou virar a noite. Tomar tarja preta, só em último caso, então fico tentando tentando, e finalmente o sono vem, mas aí já são 4:00 ou mais ou bem mais. E se passo várias noites dormindo mal, começo a achar que to pirando, fica uma atmosfera estranha nefasta sinistra rondando a minha cabeça, uma nuvem espessa que me faz ver tudo torto e distorcido. É muito ruim. Agora mesmo to saindo de uma fase destas, e ufa! é uma bad trip, falo como boa entendedora do assunto.

Ah, mas quando consigo dormir bem é como um presente, me sinto tão bem no dia seguinte. Acho que pra mim talvez seja mais importante do que comer (hmmm... será? melhor não comparar he he).

Um banho, um prato, uma cama. Mas como não estou passando por nenhuma “situação extrema” e não to precisando escolher 3 coisas básicas, quero as minhas mil coisas desnecessárias. Preciso delas loucamente. Quero andar pelo SAARA, olhar para aquela porção de coisas balançando na entrada das lojas uma ao lado da outra, as cores, os formatos, escolher umas bobagens. Flores de papel, um brinco de argola, durex prateada, recipientes de plástico, lixa pra unhas, bananadinhas sem açúcar, descascador de legumes, papel de presente, erva-doce, fitas coloridas, cestinhas, tinta pra tecido, espelhinho, incenso, sorvete, envelopes, vasos, boás, chapéus... O que seria de mim sem estas “desnecessidades”?????

06 July 2009

heavenwalk


Foto de Anne Leibovitz, 1989, capa da revista Época, 29 junho 09: Michael Jackson em equilíbro máximo, asas abertas, prestes a levantar vôo.

Tentei escrever durante a semana passada, mas escrevia e deletava, deletava e escrevia e deletava de novo, ficava uma frase, duas, mais umas palavras, deletava tudo... não sabia como começar, não sabia como escrever, não sabia não sabia como iria dizer... estava estupefata... perplexa, besta, boquiaberta num estarrecimento ensurdecedor imóvel e mudo. Michael Jackson. Não conseguia acreditar. Morreu. Assim. Com ele, um pedaço de mim. Um dos meus melhores pedaços. Um dos meus pedaços mais felizes. Fiquei despedaçada, destroçada, apatetada.

Michael é o exemplo de que a perfeição existe. Sim, existe sim a perfeição. Ele. Rei do pop? coisa boba, coisa pequena. Que ralo este título... não faz jus ao seu talento. Michael foi muito mais do que isto. Ele foi um deus. Apolo e Dionísio num mesmo ser. Gênio. Único. Jamais haverá igual. Não tem pra ninguém. Diz então quem!??? Ótimos dançarinos, cantores existem, mas Michael era isso tudo vezes mil. Exageradamente perfeito. Desafiava a lei da gravidade e os limites da criatividade, genialidade, precisão e perfeccionismo. Intenso intensíssimo, muuuito muito forte muito vibrante, tudo muito. Em sua vida profissional- de 45 anos- ele conseguiu fazer o que normalmente se faz em 100, e na maioria das vezes, nem isso! Cantor, compositor, dançarino, coreógrafo, produtor, mega-talento. Desde cedo um verdadeiro fenômeno, desde criança carregando a semente de um gênio- basta ouvir It’s Your Thing, Get It Together, Dancing Machine, Give Me One More Chance por exemplo, e o blues Who’s Loving You (todas com o Jackson 5) - UÁU!!!!- pra comprovar que sua interpretação de criança em nada ficava devendo aos grandes intérpretes adultos que faziam sucesso na época. Como é que uma criança pode passar tanto sentimento cantando sobre temas que só um adulto conhece? e cantando melhor!!!

Dedicação total à sua carreira, buscando alcançar a perfeição. Sofreu acidentes durante ensaios extenuantes (nariz quebrado, couro cabeludo queimado), que o deixaram com sequelas graves como dores e operações nasais, e que contribuiram para o seu fim trágico. Homem belo e sensual, ente mutante metamorfósico inesperado inusitado estranho raro, rosto transfigurado que no fim sorria e se contorcia numa máscara kabuki de atos contraditórios e polêmicos, como a suposta pedofilia (jamais provada) e seu embranquecimento. Quanto mistério nesta pessoa que ninguém conseguiu entender (a compreensão é tão limitada), quantos pontos de interrogação sem resposta. Coisa que nunca teve relevância pra mim: nunca me liguei na sua vida pessoal, porque o que me interessava realmente era a sua arte, sua luz que me iluminava, e isto era tudo. O resto, tanto fazia... E no final, é a sua divina arte que vai ficar daqui a 50, 100 ou 500 anos...

Billie Jean, Thriller, Beat It, Dirty Diana, Black and White, Don’t Stop ‘Till You Get Enough, Rock With You e tantas... Adoro cada uma de suas músicas, mas HUMAN NATURE tem um sentido especial pra mim, e na época que estourou... me lembra de uma fase maravilhosa na minha vida, de fatos, cheiros e mega-sentimentos, das festas no escurinho do sótão da Oriente, dançando iluminada pelo cialume brilhante, pista cheia, todos vivendo momentos prazeres inesquecíveis inenarráveis indescritíveis e únicos... mordendo a maçã. Meus amigos, como fomos felizes em viver Michael Jackson!!! será que existe uma voz mais sensual que esta, esses sussurros dentro do ouvido dagente???? Não foi atoa que o Miles Davis gamou também, e gravou este tema...

Todos os cantores que estão aí beberam de sua fonte. Toda a geração 80, 90 e 2000 e daqui pra frente. Música e imagem (videoclip) antes dele (AMJ) era uma, depois (DMJ) outra.

Doou grande parte de sua fortuna para causas beneficentes, e criou o movimento que resultou na gravação de We Are The World, onde um supergrupo de 45 cantores se juntaram para ajudar a Africa Central (Etiópia, Chad, Mali, Sudão e Niger), que sofria uma seca severa (84-85). A música foi composta por Michael e Lionel Richie, e produzido, arranjado e regido por Quincy Jones, músico-maestro-fera de quem Michael soube muito sabiamente se cercar, e que foi o responsável pela produção de Thriller (o disco mais vendido da história, com 100 milhões de cópias), Bad e Off The Wall.

Como teriam sido estes shows que ele não fez? será que ele iria nos surpreender e cantar igual, dançar igual ao que sempre foi? ou ficaria ofegante, falhando a voz? inventaria um novo passo? e suas roupas, como seriam? o repertório? teria umas composições novas e fantásticas? ele estaria feliz? ou pressionado pela responsabilidade de encarar um palco depois de tempos sem se apresentar, e estando com a saúde debilitada??? Bem, podemos ter uma “palinha” de como teria sido, assistindo uns minutos de um de seus ensaios, realizado dois dias antes de sua morte (youtube). O que vemos aí é o seguinte: nas vésperas de sua morte, ele estava ÓTIMO!!! feliz por retomar a sua a carreira, feliz por fazer um show que seus filhos, pela primeira vez, iriam assistir, feliz pelos ingressos esgotados, feliz pelos milhões de fãs loucos para vê-lo outra vez no palco, dançando e cantando com garra e precisão em cada passo e em cada nota. Na minha opinião, os shows iam ser extraordinários.

Como teriam sido, jamais vamos saber. Cada um de nós vai ter que imaginar. E vou ficando por aqui, deixando minhas palavras de louvor a este artista que me deu tanta alegria. Enquanto que ele, feito anjo, dança e canta no céu, agora livre do corpo, solto no ar. E eis que, lá em cima, acabou de inventar um novo passo. O Heavenwalk.

07 June 2009

Hypatia

Li no outro dia que vão fazer um filme sobre a Hypatia, egípcia de origem grega nascida em Alexandria no século IV. Quem era esta mulher, e por que eu nunca tinha ouvido falar dela? Fiquei curiosa, e dei uma pesquisada. Fiquei besta: a sua importância é imensa, ela foi fundamental para o desenvolvimento da matemática. Durante séculos sua obra serviu de base para o ensino de gerações. Foi a primeira mulher matemática da história da humanidade de que se tem conhecimento (à propósito, li que 12% dos matemáticos da Grécia Antiga eram mulheres. Um número surpreendente. Só de curiosidade: qual seria a porcentagem hoje em dia?). Escreveu livros sobre geometria, álgebra e astronomia, além de aperfeiçoar os primitivos astrolábios e, se interessando por mecânica, inventou o hidrômetro (aparelho que mede a densidade e a velocidade dos fluidos). Publicou trabalhos sobre seções cônicas, desenvolvendo os primeiros conceitos sobre hipérboles, parábolas e elipses. Cartografava os corpos celestes, mapeando os astros das mais variadas galáxias. Eis o que o historiador Sócrates Escolástico fala dela: “Havia uma mulher em Alexandria que se chamava Hypatia, que alcançou tais avanços na literatura e ciencia, que se sobrepos em muito a todos os filósofos de seu próprio tempo. Havendo sucedido a escola de Platão e Plotino, explicava os princípios da filosofia a seus ouvintes, muitos dos quais vinham de longe para receber sua instrução. Por causa de seu autodomínio e auto-confiança, ela frequentemente liderava os ambientes da intelectualidade. Tampouco se retraía ao frequentar assembléias compostas só de homens, pois todos admiravam-na e respeitavam-na imensamente pela sua extraordinária dignidade, virtude e sabedoria”.

Hypatia foi filha de Theon de Alexandria, renomado matemático e astrônomo, e foi primeiramente através dele que Hypatia desenvolveu seu gosto pelas questões científicas. Mestre em matemática, ela se dedicou também aos estudos de filosofia, religião, oratória, se dividindo entre Atenas e Roma, criando uma rede de mestres e alunos que a seguiam. Em torno do ano 400, virou líder dos neoplatônicos alexandrinos, e para sua casa se dirigiam sábios e intelectuais de todo o mundo para assistir suas aulas. Nesta época, o Egito havia se convertido numa das mais importantes comunidades cristãs do mundo, pressionando e perseguindo outras religiões, que passaram a ser vistas como heresias, como o paganismo e outras variantes de fé cristãs. Os neoplatônicos foram particularmente pressionados, a ponto de muitos acabarem se convertendo ao cristianismo. Como Hypatia era pagã, neoplatônica e cientista, ela era triplamente vista como herege.

Em 412, Cirilo foi nomeado patriarca de Alexandria, e o prefeito desta cidade era Orestes, aluno e amigo de Hypatia. Cirilo e Orestes eram rivais políticos: igreja e estado lutando pelo poder. Conta a história que Cirilo, passando por uma casa, viu um movimento intenso de entra e sai, portas sendo empurradas, homens e cavalos, uns vindo, outros partindo, e ainda uma multidão parada ali em frente. Quando perguntou o que estava acontecendo e de quem era a casa, responderam que era da filósofa Hypatia e que ela estava no meio de uma fala, discursando para uma platéia. Foi aí que ele se deu conta da força e do poder que tinha esta mulher, e a partir deste dia foi planejando o seu linchamento brutal, com detalhes de crueldade bárbaros. E num dia do mes de março, no ano 415, em plena quaresma, uma horda de cristãos e fanáticos, formada pelos seguidores de Cirilo, pegaram-na e arrancaram suas roupas, arrastando-a violentamente para a igreja e ali Hypatia foi ferozmente esquartejada. Sua carne foi raspada dos ossos com a borda afiada de conchas de ostras, e seus membros atirados às chamas.

Um pouco antes, a Biblioteca de Alexandria havia sido reduzida a cinzas por monges fanáticos cristãos, depois acabaram com os jogos olímpicos e em 529 fecharam a Academia de Platão. A morte de Hypatia marca o fim do mundo pagão e o fim do progresso da ciência e da tecnologia pelos próximos mil anos, quando o mundo entraria nas mais profundas trevas.

06 June 2009

é muito triste

Já tem uma semana que caiu este airbus da Air France, todo equipado, todo computadorizado, e no entanto isso tudo não serviu pra nada, aliás, até atrapalhou, porque o piloto ou não viu a área de tempestade, ou não estava na velocidade certa, ou estava na altitude errada, e tudo baseado no que o computador dizia. O computador falhou. Adoro a tecnologia, mas deixar que uma máquina substitua o piloto é loucura. Não dá pra entender, não dá pra aceitar. Só agora a Air France vai substituir os censores dos aviões daquele tipo, mas teve que esperar uma tragédia acontecer pra fazer isto??? houve vários alertas, estes aviões já tinham dado problema. Agora, passada quase uma semana, ainda não sabem a causa, e nem se tem a certeza de nada. Nem os destroços são confiáveis, podem não ser do avião. Dia após dia a gente procura no jornal algo que consiga explicar o que não tem explicação. E que definitivamente não podemos controlar.

A morte. Se pudéssemos escolher como morrer e quando, os seres humanos seriam melhores, acho.

É muito triste. Penso nas famílias que perderam suas pessoas queridas, seus amigos e penso nas pessoas que se foram. Tenho muito medo de avião, nunca viajo numa boa, mas enfrento. Agora vai ser muito mais difícil. Sei que é o meio mais seguro, sei que tem milhões decolando e aterrisando diariamente, cada hora, cada minuto, sei que preciso visitar minha família, sei que não vou gostar de mim se eu deixar este medo ditar a minha vida, mas na hora é algo mais forte, não é racional, é inconsciente. Detesto a sensação de estar lá em cima flutuando numa máquina que pesa toneladas, mas não há outra maneira de eu ver a minha família, a não ser esperar que eles venham pra cá pra me visitar. Pra poder ter dias maravilhosos e inesquecíveis com eles, tenho que viver horas de tortura. Fazer o que?


Não quero pensar mais nas pessoas que sacaram que iam morrer naquele maldito vôo, o desespero que sentiram. Que tristeza. Que horror. Ninguém deveria passar por tamanho pavor. Pessoas do bem, cheias de saúde, cheias de sonhos, cheias de idéias, cheias de coisas a fazer ainda, felizes por estar fazendo uma viagem tão linda.Todas com suas histórias bonitas: não tem um assassino, um mau-caráter, um ladrão, um psicopata, um foragido... um avião cheio de boa energia, boa vibração, como é que um avião destes cai???

Agora só viajo com gente que não presta. Se pudesse escolher...

E Deus?

20 May 2009

escrever


Escrever escrever escrever. Dedos batendo rapidamente no teclado, palavras se atropelando na cabeça, brigando pra quem vai sair primeiro, vontade de não parar mais, e ir sem pensar. Deixá-las sairem, mesmo que não faça o menor sentido. Varar a noite, raiar o dia, e ainda assim, continuar. Escrever pra entender. Entender o que sinto, e que não entendo porque não tem palavras, e escrevendo sai no papel, e daí vira coisa que dá pra entender.

Se não for isso, então é nada. Silêncio. Esperar a musa inspiradora bater na minha porta da percepção, esperar "baixar"... e quando que será isto? tem data? é certo? pode demorar dias, meses, anos.

Não. Escrever tem que ser quase que diário. Como comer. Dormir. É tão necessário, e quanto mais frequente é, mas flui a cada dia. Aliás, como tudo na vida. Se fico um tempão sem escrever, posso até viver bem, sem precisar, ocupada em viver o resto, mas viver incompleta. Será que existe o "completa"? acho que sempre vai ficar faltando alguma coisa. Escolher o que fazer, quais são as prioridades?

Comecei escrevendo à mão, com uma letra caprichada ainda criança, depois continuei na adolescência, e depois continuei. Adorava escrever cartas. Escrevia milhares e recebia milhares, ainda desenhava em volta, às vezes no envelope, ia no correio, colava uns selos às vezes lindos da fauna, flora, outras vezes feios e sem graça, mas sempre coloridos. Era legal quando havia vários pra escolher. Fazia estoque, pra ter sempre uns à mão, em caso de emergência.

Esperar pelas respostas recheava os meu dias. Geralmente de pessoas distantes, de outros países, de outras cidades, mas também daqui mesmo. Guardava todas, eu tinha um baú só de cartas, separadas por anos em sacos plásticos. Quando mamãe morreu, poucos meses depois me deu uma coisa de jogar muita coisa minha fora, e nesta foram as milhares de cartas. Salvaram-se umas poucas, que guardo até hoje.

Depois ganhei uma máquina Erika alemã usada mas em perfeito estado, e foi amor à primeira vista. Negra, pequenininha, vinha numa maletinha compacta com design perfeito. Sei lá, era uma das primeiras fabricadas, era uma jóia. Onde eu ia, levava minha companheira insubstituível. As letras do teclado eram redondonas, a letra preta com fundo branco, e negra negra negra. Gostosa de teclar, fazia um barulho delicioso, bem primitivo. Depois eu trocava a fita quando ficava gasta, eu gostava daquela bicolor, preta e vermelha, pra colorir o texto com sentimentos. Fiquei anos com ela, era eu e ela pra cima e pra baixo, durante o dia ela do meu lado, durante a noite comigo na cama, não podia mais viver sem ela, ela lia meus pensamentos, me completava.

Mas eis que numa viagem, pondo as malas dentro do carro, o Ranulfo foi me ajudar, e colocou tudo MENOS a bichinha, que ficou sozinha abandonada esquecida na rua. Imagino como tenha sofrido, imagino todo o seu pavor de ver o carro se afastar e ela lá à mercê de vândalos. Só fui me dar conta quando chegamos na Lagoa das Lontras. Que depressão. Que porre tomei. Tinha perdido minha companheira...

Minha letra então não era mais tão caprichada e tinha uns garranchos, umas desequilibradas, umas impaciências, ranhuras e incompreensões gráficas. E a transmissão entre o meu pensamento e a página escrita era lenta demais, a mão não acompanhava a idéia. Doía. Tinha me viciado na minha Erika.

Depois fui trabalhar na Europa, onde acabei morando por anos, e sem a Erika ou qualquer substituta, pois vivi na estrada, indo de uma cidade pra outra. Vida cigana que nos ensina que quanto menos se levar, mais vazia fica a mala, mais alto se voa, mais longe se vai. Quando de volta ao Brasil, ganhei uma Olivetti Roma (?) de aniversário, era cinza claro e um vermelho tijolo, e apesar de não ser a minha adorada, foi uma mão na roda, voltei a escrever.

Aqui e agora, computadorizadíssima, retomo este prazer que nem sempre é tão prazer, às vezes requer coragem, às vezes cabeça, às vezes tempo, às vezes saco. Mas o ato de escrever sempre tem um final feliz pra quem escreve. Acho.

02 May 2009

as tres irmãs


Antes que eu me empolgue por outro assunto num outro post numa outra hora, quero lembrar e falar aqui dos dias excepcionais que passei em companhia das minhas duas irmãs, que vieram dos EUA, onde moram, pra visitar. Foi em março, e calhou de pegar o meu aniversário. Foi uma viagem, deixei minha rotina de lado e inventei outra: a de estar inteiramente à disposição, pra aproveitar ao máximo os momentos que iam acontecendo, espontâneos, regidos pelas emoções, tentando manter um certo roteiro (hoje isso, isso e isso, amanhã aquele outro, e mais aquele, mas antes ir em tal lugar, depois vamos... vamos... vamos). Tentando, porque era difícil conseguir fazer tudo que havíamos programado... quase sempre os imprevistos, os improvisos e os acasos tomavam conta, e a nossa programação não saía do papel. Ou então ficávamos em casa na rede, estiradas, à vontade, conversando, lembrando, com-vivendo, o que é a coisa mais gostosa do mundo. Mas sempre numa ligação emocional interna muito grande, que tirava o sono da gente.

Há muito tempo não vivíamos esta situação: as tres irmãs juntas aqui no Rio. Suzy vem pra cá, eu vou pra lá, então nós duas volta e meia estamos juntas, mas com a Lili... há dez anos a Lili não vinha pro Brasil!!!

Lembrei-me do tempo em que a vida era assim, nós tres juntas. Brincávamos, brigávamos, disputávamos, competíamos, dividíamos, viajávamos pra Lagoa das Lontras, morríamos de rir juntas, chorávamos juntas, extremamente juntas, muito íntimas, profundamente íntimas. Família pequena, sem tios e primos, éramos nós tres mais nossos pais no dia-a-dia e nas datas festivas. Nós cinco, sempre e só. Eu ficava com inveja quando meus amigos contavam da farra que era ter sete irmãos, quinze primos, cinco tios, avôs... todo dia era uma festa! um caos que diluía qualquer seriedade, e quando se é pequena, a gente quer é festa (ops, quando se é grande, também...). Depois é que fui ver as vantagens (claro, tudo tem dois lados) de uma família pequena, mas isto já é outro capítulo. Aqui estão umas fotos da nossa alegria em estar juntas de novo, esperando que isto se repita em breve e por muitas muitas vezes!!! Amém.


05 April 2009

show!!! show!!! show!!!


Então foi assim. SHOW SHOW SHOW!!!!

Eu estava particularmente feliz. Feliz é pouco... muito feliz é pouco... terrivelmente feliz é pouquíssimo: Suzy estava aqui no Rio, iria voltar no dia seguinte. Não dava pra acreditar. Poxa, há pelo menos 9 anos que ela não me via cantando ao vivo, desde que se mudou pros States... No passado, ela foi presença constante e indispensável nos shows da Equipe Mercado, Diana & Stul, Cachorro Vagabundo, Noites de Blues e tantos outros que aconteceram. Ela fazia parte da equipe. Me ajudava na produção. E agora revivemos estes momentos tão bons: foi minha figurinista, me maquiou, ajudou nos detalhes e no geral. Como falei, eu estava muito feliz. De uma certa forma eu me sentia inteira de novo. Não que sem ela eu não me sentisse, mas com ela estava mais inteira ainda: minha história estava presente. Família. Irmã.


Outro motivo de tanta alegria é esta Banda. Um time de feras. Me sinto tão à vontade, pessoas boas de se estar, com quem gosto de trabalhar. Tudo flui sem climas e cataclismas... ó banda amada, idolatrada, salvesalve!!!! Ensaiamos uma só vez, e sem o Domenico, que chegou de Moçambique na véspera do show. Mas este ensaio rendeu, e ainda acrescentamos música nova-Risque, de Ary Barroso- (que foi a Aurora quem lançou, nem eu sabia disso), com um arranjo inspiradíssimo e todos animadíssimos, que coisa boa. Como é que ainda se toca Risque, depois de tanto tempo lançado, depois de taaaaaaantas versões as mais diversas, e ainda fica-se animado e emocionado? foi o que aconteceu.


Outra razão para um pleno regozijo é o repertório, músicas lindas que fizeram sucesso na década de 30 e 40 e que hoje tocadas, soam inéditas. Que prazer é cantar este repertório!!!

Mais motivos para comemorar com um sorriso de ponta a ponta: a presença de presenças queridas de presenças amigas, calorosas. Não vou dizer o nome de todos, mas pra cada um que foi, o meu beijo estalado, meu abraço apertado, e o meu MUITO OBRIGADA. Vocês são o que importa pra mim, o resto é o resto.

Presença-surpresa: Abdias, que não é de ficar esticando na "night", ainda mais depois de ter saído do evento em que foi homenageado: 21ª Medalha Chico Mendes de Resistência 2009. Que pique!!! que energia e disposição!!! Com 95 anos, cantando junto várias músicas, músicas de sua época!!!! Uma honra para mim, que honra!!!

Com certeza, somente ele sabia o que queria dizer a palavra "tintureiro" na letra de Assis Valente, no samba Só Por Causa De Você:

só por causa de você
meu batuque terminou
só por causa de você
botei fogo no chatô
e o tintureiro me levou

Ouvindo assim é inteiramente surreal e sem sentido. Mas não: tintureiro quer dizer camburão, carro de polícia que leva presos. Eu também não sabia, aprendi quando fui cantar esta música. Que aliás é a minha preferida do show. Tenho uma coisa com Assis Valente...

Bem, e pra mostrar a surpreendente extensão da faixa etária do público, quem estava presente também era o Joaquim, de 3 anos, filho do Rubinho e Ana.

De 3 a 95!!!! incluindo adolescente e jovens pós. Todos curtindo, cantando dançando e batendo palma.

Não se filmou, não teve fotógrafo "de profissão", mas amigos amadores e amados clicando seus flashes. Fica aí o registro neste post.




PRECISO COLOCAR ESTE SHOW NA ESTRADA!!!! QUEM SE HABILITA A VENDÊ-LO???

30 March 2009

de jeito nem maneira!!!!


Respondendo ao comentário do post anterior (filipeta show Aurora Miranda): de jeito nem maneira, definitivamente não, nem pensar!!!! nunca me passou pela cabeça acabar o blog... eu estava só esperando um comentário como este para voltar a escrever he he... pois ele me fez sentir que algum(a) anônimo(a) querido(a) estava sentindo a minha falta... e que tenho leitores afinal... e que preciso voltar à atividade escrevinhatória, à brincadeira de escolher palavras e ao desafio de encarar uma folha em branco sem entrar em pânico... porque tem alguém esperando por mim. Quando a gente não tem essa consciência, a gente vai deixando a vida levar pra outras necessidades mais palpáveis, mais prementes, mais gritantes, mais comunitárias, pensando que ninguém vai notar a ausência temporária, que só eu é que sei que não escrevo no blog há meses, mas que em breve vou voltar a fazê-lo... e o tempo passando...

Pois bem, são 23:30, to escrevendo só pro meu querido(a) anônimo(a) saber que seu comentário me sacudiu!!! que me mexeu!!! que me empurrou!!! que me virou pelo avesso!! foi muito bom, valeu!!! pois saiba que estou aqui vivinha da silva, cheeeia de coisas pra contar de tanto sentir e pensar. Mas são 23:30, amanhã acordo cedo, e depois de amanhã tenho show no Valansi. O tempo passou tanto, que aquele show que fiz em fevereiro com o repertório da Aurora deu este outro show. Fora o fato de que minha amada irmã Suzy está aqui e vai assistir o show e volta pros States no dia seguinte... de hoje a quinta, emoções turbilhonadas... calma, preciso dormir... e será que consigo????

Aqui vão umas fotos do show passado, em fevereiro. E a filipeta do atual está aí em cima.

Boa noite!!!!


20 February 2009

filipeta show Aurora Miranda


Eis a filipeta que fiz anunciando o show que fizemos. Verbos no passado porque faz uma semana... não tive tempo de abrir blog, colocar, comentar, pois foi tudo avisado com pouquíssima antecedência, escolher as músicas, tirar harmonias, aprender, ensaiar... Adorei fazer, aprendi uma porção de músicas novas, e agora to querendo colocar este show na estrada. Banda da pesada, adorei adorei adorei.

27 January 2009

a posse de Obama


Voltando ao blog. E voltar é fazer um parênteses no meio do meu dia-a-dia, como se meu dia-a-dia fosse uma frase. Ou então fazer uma pausa numa partitura musical, como se eu fosse uma partitura. Estou destreinada de escrever, e estas coisas, como todas as outras, exigem prática e disciplina. Começar falando de quê? faz tempo... o que é importante para dizer aqui? pensando nisso lembro no ato de muuuuita coisa, mas vou escolher justamente a primeira que me veio à cabeça, e que me emocionou tanto. A posse de Obama, que aconteceu há uma semana, e que assisti comovida, e comovida ainda estou.

Isto é simplesmente inacreditável, assim como tudo isto que está acontecendo nos EUA. Vejo e assisto emocionada. Sinceramente, eu subestimava o povo americano, achava que não estava preparado ainda para dar este grande passo (é só lembrar do Ku-Klux-Khan, que ainda existe). Obama é a mudança que todos, não só os norte-americanos, mas todos gostaríamos de ter visto há muuuuuuito tempo. Essa é a revolução que todos esperávamos que pudesse acontecer, mas poucos acreditavam que fosse possível. Escrevo ainda mexida pelo dia da posse, aquela multidão de 2 mil pessoas, Aretha Franklin cantando aquele hino.

Revolução a começar pelo nome. Ironia!!! Obama. O que é que lembra? Osama. E Hussein, sobrenome de Sadam? Logo que entrou na corrida presidencial pensei- não vai dar certo: com um nome destes, ele tá perdido. Mas não!

E a família dele, que abarca os 5 continentes (a mídia americana nem quis dar muita ênfase a isto)? inteiramente multi-racial, misturada, amalgamada... Parece brasileiro.

E sua campanha para presidente, usando a internet e linguagens modernas?

E o seu discurso na posse?

Sei que muitos estão céticos, não acreditam, nem querem acreditar, com medo de se estrepar, preferem não se empolgar para prevenir uma possível decepção. Mas eu não. To levando a maior fé!!! Sei que ele não é deus, não é mágico, não to esperando milagres, existe muita coisa amarrada, vai haver muitos anos pela frente pra desfazer os erros que foram feitos, vai haver muita resistência, vai haver erros, vai ter gente contra, mas eu to levando fé. Em algum momento tem que haver o primeiro passo. Um longo caminho começa com um pequeno passo. O seu olhar me passa intenções honestas, seu sorriso me passa sinceridade, seu carinho com a mulher e filhas me passa um jeito mais humano de entender e lidar com a vida... e além de tudo (nem precisava deste "pequeno" detalhe)... é um gatão!!!

Um dia depois da posse, ele vai e assina ordens executivas para o fechamento da base da Guantânamo em um ano, e de prisões secretas da CIA, além da proibição de tortura. Vibrei!!! Sabe lá o que é isto? aquela vergonha, aquele horror, aquela mancha na história dos EUA, país que se vangloria de ser defensor dos direitos humanos, da liberdade ("sweet land of liberty", verso daquele hino cantado pela Aretha e "land of the free", do hino oficial). Ora ora, não dá pra acreditar nesse papo furado de liberdade, com aquilo acontecendo com patrocínio oficial do governo passado...

Caetano canta no seu último trabalho Obra em Progresso uma música contundente, verdadeira obra prima, que fala sobre isso:

BASE DE GUANTÂNAMO

O fato dos americanos
Desrespeitarem
Os direitos humanos
Em solo cubano
É por demais forte
SimbolicamentePara eu não me abalar

Só temo pela segurança do novo presidente. Todo cuidado é pouco. Lincoln, os Kennedys, Martin Luther King são exemplos do que pode acontecer. Não é paranóia. Já na campanha eu temia, pois é mais inseguro ainda, com aquele corpo a corpo acontecendo nos comícios, passeatas, mas felizmente tudo correu bonito. Vamos torcer por ele e por nós todos. VIVA OBAMA!!!

Ah! e crédito para a foto: Maína Hana. Viva ela também!!!!

02 January 2009

feliz 2009


Tantas resoluções pra este ano, se eu conseguir fazer meia dúzia delas, tá bom... Uma é escrever muito mais, não só neste blog, mas por aí afora e adentro. Me derramar, me esvair, me divertir, sem rédeas nem zelos, girassóis voando nos cabelos, e os caaaaaampos de arroz!!!! outra é montar uma banda e cantar cantar cantar, fazer um cd e sair por aí tocando.
Enquanto vou existindo e re-existindo, ilustro esta mini-postagem (ia! com a tal da nova ortografia, será que tem hífen nesta palavra??) com uma aquarela minha deste ano. Que o ano de 2009 seja prazeiroso que nem um caquí suculento. SAÚDE e PAZ, que o resto vem atrás...