20 May 2009

escrever


Escrever escrever escrever. Dedos batendo rapidamente no teclado, palavras se atropelando na cabeça, brigando pra quem vai sair primeiro, vontade de não parar mais, e ir sem pensar. Deixá-las sairem, mesmo que não faça o menor sentido. Varar a noite, raiar o dia, e ainda assim, continuar. Escrever pra entender. Entender o que sinto, e que não entendo porque não tem palavras, e escrevendo sai no papel, e daí vira coisa que dá pra entender.

Se não for isso, então é nada. Silêncio. Esperar a musa inspiradora bater na minha porta da percepção, esperar "baixar"... e quando que será isto? tem data? é certo? pode demorar dias, meses, anos.

Não. Escrever tem que ser quase que diário. Como comer. Dormir. É tão necessário, e quanto mais frequente é, mas flui a cada dia. Aliás, como tudo na vida. Se fico um tempão sem escrever, posso até viver bem, sem precisar, ocupada em viver o resto, mas viver incompleta. Será que existe o "completa"? acho que sempre vai ficar faltando alguma coisa. Escolher o que fazer, quais são as prioridades?

Comecei escrevendo à mão, com uma letra caprichada ainda criança, depois continuei na adolescência, e depois continuei. Adorava escrever cartas. Escrevia milhares e recebia milhares, ainda desenhava em volta, às vezes no envelope, ia no correio, colava uns selos às vezes lindos da fauna, flora, outras vezes feios e sem graça, mas sempre coloridos. Era legal quando havia vários pra escolher. Fazia estoque, pra ter sempre uns à mão, em caso de emergência.

Esperar pelas respostas recheava os meu dias. Geralmente de pessoas distantes, de outros países, de outras cidades, mas também daqui mesmo. Guardava todas, eu tinha um baú só de cartas, separadas por anos em sacos plásticos. Quando mamãe morreu, poucos meses depois me deu uma coisa de jogar muita coisa minha fora, e nesta foram as milhares de cartas. Salvaram-se umas poucas, que guardo até hoje.

Depois ganhei uma máquina Erika alemã usada mas em perfeito estado, e foi amor à primeira vista. Negra, pequenininha, vinha numa maletinha compacta com design perfeito. Sei lá, era uma das primeiras fabricadas, era uma jóia. Onde eu ia, levava minha companheira insubstituível. As letras do teclado eram redondonas, a letra preta com fundo branco, e negra negra negra. Gostosa de teclar, fazia um barulho delicioso, bem primitivo. Depois eu trocava a fita quando ficava gasta, eu gostava daquela bicolor, preta e vermelha, pra colorir o texto com sentimentos. Fiquei anos com ela, era eu e ela pra cima e pra baixo, durante o dia ela do meu lado, durante a noite comigo na cama, não podia mais viver sem ela, ela lia meus pensamentos, me completava.

Mas eis que numa viagem, pondo as malas dentro do carro, o Ranulfo foi me ajudar, e colocou tudo MENOS a bichinha, que ficou sozinha abandonada esquecida na rua. Imagino como tenha sofrido, imagino todo o seu pavor de ver o carro se afastar e ela lá à mercê de vândalos. Só fui me dar conta quando chegamos na Lagoa das Lontras. Que depressão. Que porre tomei. Tinha perdido minha companheira...

Minha letra então não era mais tão caprichada e tinha uns garranchos, umas desequilibradas, umas impaciências, ranhuras e incompreensões gráficas. E a transmissão entre o meu pensamento e a página escrita era lenta demais, a mão não acompanhava a idéia. Doía. Tinha me viciado na minha Erika.

Depois fui trabalhar na Europa, onde acabei morando por anos, e sem a Erika ou qualquer substituta, pois vivi na estrada, indo de uma cidade pra outra. Vida cigana que nos ensina que quanto menos se levar, mais vazia fica a mala, mais alto se voa, mais longe se vai. Quando de volta ao Brasil, ganhei uma Olivetti Roma (?) de aniversário, era cinza claro e um vermelho tijolo, e apesar de não ser a minha adorada, foi uma mão na roda, voltei a escrever.

Aqui e agora, computadorizadíssima, retomo este prazer que nem sempre é tão prazer, às vezes requer coragem, às vezes cabeça, às vezes tempo, às vezes saco. Mas o ato de escrever sempre tem um final feliz pra quem escreve. Acho.

7 comments:

Suzy Pereira said...

Que cronica maravilhosa!!!! Quando li o primeiro paragrafo logo pensei: Isso vai ser bom!!!
Voce escreve tao bem!!! Com Erica , Olivette ou Computador...o espirito da escritora e encantador!!!
Parabens...
sua fan #2 (quem e o anonimo????)hahaha
mana su

Yelloweesa said...

Esse seu texto só vem provar a grande cronista que vc é. Eu adoro ler tudo que escreve, vc sabe! E a impressão que dá, é de ter "saído" de uma vez só. Muito bom!!! Quero sempre mais!

Unknown said...

Diiii! Que delícia de texto! Ia dormir, quando resolvi abrir meu e-mail e vi tua mensagem da postagem. E quando vi que era do teu blog, fiz questão de parar pra ler, sem deixar pra depois. Sabe que me sinto madrinha desse seu cantinho aqui e me lembro bem quando começou! Também compartilho contigo as mesmas idéias do que é escrever, escrever e escrever... até mesmo acrescento a preguicinha que dá em divulgar que temos um blog, ou que postamos algo. Ninguém é obrigado a ler sempre, mas é tão bom quando a maioria lê e comenta. Porque só ler não alimenta o nosso lado sedento por críticas, comentários, elogios, até mesmo palavrões. O importante é saber o que nossos textos provocam no leitor. E digo que ter lido essa crônica me fez ficar mais leve e matei um pouco da saudade de conviver contigo, pois ao fundo, ouvia a tua voz, como se estivesse aqui, bem na minha frente, lendo essa bela troca íntima e fiel ao teu passado.
Beijoooo! Te adoro, viu?!
PS: depois passa no meu novo e reeditado blog, tá?! Fuuuuiiii!!! rsrs...

Yelloweesa said...

Outro dia fiz um comentário sobre esse texto e não foi publicado. Em contrapartida o seu "escrever" foi na íntegra para meu email. Ótimo!! Eu gostei tanto que o Blogspot mandou p/mim, formatado como o original!! Mais uma vez, parabéns Di!! Você escreve demaaaaaaaaaaaaaaaais!

dianadasha said...

Suzy e Yelloweesa, vocês são o guaraná, o açaí e o café para minha cabeça. Estimulam. Energizam. Euforizam (!). Indispensáveis pra eu continuar, indispensáveis. Sempre estarei dedicando as minhas palavras a vocês e a todos que me lêem, vocês que me escutam, vocês que me sintonizam. Obrigadas mil.

dianadasha said...

Priscilla, este blog existe por causa de você, ce sabe muito bem, e quero que todos saibam!!! Quando começamos a fazer o site (http://www.dianadasha.com), ce sugeriu que eu abrisse um blog, na verdade eu nem sabia o que era isto, ignorante total do assunto. Ce me ajudou a abrir, e sempre com a maior paciência. Você é madrinha, mãe e pai do temoutrascoisas!!!! e concordo contigo quando ce fala da preguicinha em divulgar (Freud explica!!!) e quanto à necessidade de recebermos críticas, comentários. Pra que serve textos guardados na gaveta da nossa cabeça? precisamos expelir, por pra fora e saber as impressões que eles causam ao leitor. A palavra só existe se lida por outros, senão é apenas pensamento. Sim sim.
E parabéns pelo confablogando.
Beijos gostosos.

Unknown said...

Nossa! Depois dessa exposição, que responsabilidade, que emoção... vou ficar toda boba! Que os outros me dêem licença. rsrs... Obrigada, amiga! Mas seu blog aconteceu porque você se mostrou aberta ao desconhecido. Mergulhou de cabeça no desafio desse novo cantinho e peitou os obstáculos tecnológicos. Se não tivesse essa garra, seus textos estariam empoeirados na gaveta, ou atormentanto o cérebro. E como sempre digo: precisamos expurgar, regurgitar e lançar no cyberspace todo pensamento que puder ter, em forma de texto, pra que tudo seja dividido, sentido e recordado. Nossa alma precisa disso.
Beijoooos!!!