30 November 2006

papo de lagartixa


Estava eu na sala, sozinha. Não era nesta casa de agora... ainda era na Rua Oriente, numa casa bem "santateresina", com escada curvilínea de madeira rodopiando toda odalisca, chão de táboa corrida, porão, sótão, assim. Estava eu então lendo, ou comendo, ou escrevendo... não lembro exatamente, mas sei que estava sentada à mesa. Era de noite, mas não muito tarde, umas oito ou nove horas. Talvez até estivesse sozinha naquele exato momento, pelo menos pensei que estivesse, antes de um tá-tá-tá. Um tá-tá-tá quase inescutável, inaudível. Imperceptível, mouco, mudo. Se não estivesse um silêncio contundente à minha volta, provavelmente não teria escutado. Era pertinho também, vinha por trás de uma antiga e pequena cristaleira. Com cuidado, cautelosamente, sem me mexer olhei para o local. Que seria aquilo? A casa era, como qualquer casa velha de madeira, visitada em dias esparsos por camundongos, mas aquilo não era som de camundongo... era um som que quase não existia, se não fosse tão insistente e rítmico, poderia pensar que era minha imaginação querendo mangar de mim. Mas não. Tá-tá-tá, uns vinte tás muito rápidas quase coladas, depois parava um pouco, uns 5 segundos, depois de novo. Tentei imitar, ali imóvel, sem saber o que estava acontecendo e do que se tratava. Consegui um som semelhante: pondo a ponta da língua no céu da boca, curvando-a levemente, e ao desccolá-la, percutir o ôco do movimento mínimo. Complicado? nem tanto, exige um pouco de prática, mas nada que não se consiga fazer depois de um pouco de treino.

Depois de sonar essa técnica uma vezes, notei que o tá-tá-tá de lá parava quando eu tatatarava de cá. E vice-versa, quando eu parava, o outro respondia. Fiquei intrigadíssima, um ponto de interrogação posicionou-se acima da minha cabeça e pesou no meu cérebro. Com muita lentidão, com muita cautela, fui aproximando a cara por trás da cristaleira e... ei-la!!!!!! dei de cara com uma LAGARTIXA. Gente, eu tava falando com uma lagartixa, e ela estava me entendendo e me respondendo. Mas não era recíproca esta compreensão de falatório, pois eu não entendia nem o que eu falava, nem o que ela dizia...

Já sei que vai ter gente que vai falar: ce tava sozinha em casa, tava carente, começou a imaginar, imaginou imaginou e viajou brabo... por acaso tem testemunhas para confirmar esta insólita conversação?

Talvez tenham razão quanto à carência (falaria até com uma lagartixa...), talvez até estivesse só, e até descobrir quem tava ali comigo fazendo companhia, imaginei muita coisa. Mas sim, tenho testemunhas, pois em outro dia isto se repetiu!!!

Pois é, isto é o verdadeiro papo de lagartixa. Bicho que sempre tive grande simpatia, é um mini-jacaré, sem ter a ferocidade e os dentões do seu primo gigante. É inofensivo, sua dieta preferida é composta por mosquitos, e nada melhor do que um eliminador mosquitífero nos dias de hoje, com esses aedes zumbindo pelo ar. Ele é bonitinho, tenho broche e anel com sua imagem... E que genial a maneira de ele ficar pregado à parede, ao teto, sem cair, com aqueles dedinhos de ponta redonda, parecendo perereca. Acho que estas bolinhas na ponta é que permitem sua aderência tão perfeita às superfícies verticais e tetais (de teto, e não têta), tipo ventosas. E se estiver numa vidraça entre uma lâmpada e nossos olhos, podemos ver através dele, tal a finura e delicadeza de sua carne... ele fica translúcido, que nem raio X, dá pra ver tudo dentro dele...

Moral da história: nunca se sinta só. Haverá sempre uma lagartixinha por perto pra bater um papo, é só procurar.

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