14 November 2006

os jardins do MAM


Respondendo ao commentário do Lucas, no post "inauguração do Vivo Rio": caramba!!! não é que squeci mesmo de mencionar que Gil era esse. É o Ministro sim!!! Gilberto Gil!!!! maravilha!!! show inesquecível!!! E muito legal a sua dica do ótimo site de raridades brasileiras musicais (http://brnuggets.blogspot.com). Vou colocar nessa lista de links aí do lado. Cê já tinha me dado a dica, e já entrei (e vi a Equipe Mercado). Louvável iniciativa da rapaziada, pinçando essas jóias raras. Vai me mandando sempre que tiver uma dica legal, tá?

Pensando ainda no show de domingo, no Vivo Rio, hoje li no Globo online que os jardins do MAM, por causa da construção dessa casa de espetáculos, foram inteiramente destruídos, dando lugar a canteiros de obras, tapumes, concreto, devastação total. E tem quatro fotos pra mostrar o estrago, tiradas por um leitor que passa por lá todo dia rumo ao trabalho. Cara, é horrível, esses jardins são tombados, são do Burle Marx!!! Confesso que não reparei... cheguei lá naquela noite já escurecendo, aquela confusão de fila de carros, ingressos, filas, chuva, e saí quase à meia-noite, sinceramente não reparei. Mas se for verdade, é alarmante. Os jardins do MAM precisam ser restaurados replantados cultivados preservados imediatamente. Já soube que a Prefeitura está querendo botar um "marina-shopping" no Atêrro do Flamengo pros Jogos Pan-Americanos!!! Socorro!!! Não pode!!! É área tombada. Mas como as coisas aqui são extremamente flexíveis quanto às leis... temos que ficar de olho:|

O Parque do Flamengo foi projetado nos anos 50, mas as obras só começaram em 61. O arquiteto Affonso Eduardo Reidy foi quem fez o projeto urbanístico e arquitetônico, o paisagístico é de Roberto Burle Marx, e a realização desses projetos contou com a participação decisiva de Lotta Macedo Soares. O atêrro foi com o desmonte do morro de Santo Antônio (que cheguei a conhecer, era onde ficava a estação do bonde de Santa Teresa), que ficava no Largo da Carioca.

Em 1951, quando fui morar no Flamengo, na Rua Paissandú (a das palmeiras imperiais), não havia atêrro nenhum. O mar vinha pertinho dos prédios, tinha uma mureta, e muitas pedras, pouca areia. Me lembro perfeitamente, eu tinha uma bóia daquelas pretas de pneu e adorava, acho que como qualquer criança adora, entrar no mar com a bóia. Quando o Parque ficou pronto (1965, por aí), estava me mudando pra Ipanema, e não cheguei a frequentá-lo. Era pra mim uma belíssima e impressionante paisagem futurista que eu via da janela do ônibus. E de noite, aqueles mastros altíssimos, pairando uma luz azulada, fria, solene, silenciosa, selene... Mas em breve o destino iria nos aproximar...

Em 68 (ai meu coração!!!! que ano!!!!) entrei pra Faculdade de Arquitetura, e no mesmo ano foi lançado este disco cuja capa (de Rogério Duarte) enfeita esta história: CAETANO VELOSO. Produção de Manuel Barembeim, arranjos de Júlio Medaglia, Damiano Cozzella, Sandino Hohagen. Esse disco foi um daqueles que ouvi até furar. Sabia de cór. Pois nele está a música PAISAGEM ÚTIL, do Caetano:

Olhos abertos em vento
Sobre o espaço do Aterro
Sobre o espaço sobre o mar
O mar vai longe do Flamengo
O céu vai longe e suspenso
Em mastros firmes e lentos
Frio palmeiral de cimento

O céu vai longe do Outeiro
O céu vai longe da Glória
O céu vai longe suspenso
Em luzes de luas mortas
Luzes de uma nova aurora
Que mantém a grama nova
E o dia sempre nascendo

Quem vai ao cinema
Quem vai ao teatro
Quem vai ao trabalho
Quem vai descansar
Quem canta, quem canta
Quem pensa na vida
Quem olha a avenida
Quem espera voltar

Os automóveis parecem voar
Os automóveis parecem voar
Mas já se acende e flutua
No alto do céu uma lua
Oval, vermelha e azul
No alto do céu do Rio
Uma lua oval da Esso
Comove e ilumina o beijo
Dos pobres tristes felizes
Corações amantes do nosso Brasil

E nessa mesma época, passei a frequentar a Cinemateca do MAM diariamente, depois de almoçar idem na Associação Macrobiótica que ficava na Praça Mahatma Gandhi, na Cinelândia. Me sentia em casa, mais ainda quando conseguimos -Pamplona, Conceição e eu- a chave!!!! de uma sala no próprio MAM para ensaiar a peça de Harold Pinter, fundando na Arquitetura o TUFÃO (Teatro Universitário do Fundão). Os ensaios eram de noite e não havia perigo nenhum em pirulitar por ali... às vezes íamos até um bar na Presidente Antônio Carlos, depois voltávamos pro ensaio sonhando em voz alta...

E em 76? novamente fui "abduzida" pelo Atêrro. Walter Smetak estava fazendo um workshop e estreando uma peça dele "A Caverna" no MAM. Fui, participei, cantei na peça, e selamos uma amizade que só se interrompeu com o seu falecimento em 84. Ficávamos conversando horas naquele café do Museu, nas cadeiras ao ar livre, sorvete, café com filosofias e torradas, água mineral e nuvens...

Foi nesse café que tomei meu primeiro expresso. Acho que era o primeiro em toda a cidade.

Como diz o Zeca Pagodinho, deixa a vida me levar. E me levou num rodamoinho pelo mundo todo. Eis que em 1988, aterrisei. Comecei a treinar tai chi chuan com o Mestre Hu. ONDE? justamente nos jardins do MAM, entre o Museu e o mar, bem embaixo daquela fileira de palmeiras. Foi um reencontro emocionante com aquele lugar, depois de tanto tempo e de tanta coisa. Treinava todo dia, de 6 às 9 da manhã, e dependendo da estação, via o sol nascer por entre aqueles jardins. Também reparei que tinham-se passados 18 anos, e o MAM, mal conservado: áreas sujas, a grama feia, o café fechado, a Cinemateca extinta. Tinha de tudo... gente acordando de manhã, saíndo de uma moita pra ir trabalhar... gente dormindo entre os arbustos, mendigos.... loucos que vinham imitar nossos gestos nos exercícios, gente transando, assaltos (dos quais nem o Mestre Hu, com os seus 90 anos, conseguiu escapar), e até pessoas armadas eu vi. MAS... os jardins estavam lá, a natureza esplêndida do lugar me extasiava, o aroma das flores, os pássaros... aqueles treinos com a turma foram uma viagem.

Está claro que não precisa nem ter essa ligação afetiva com esses jardins para entender uma coisa tão óbvia. O Atêrro do Flamengo é um patrimônio da cidade, área tombada e portanto NÃO PODE virar local de canteiro de obras, shopping, cais de navio, terminal pesqueiro, complexo hoteleiro, supermercado... to torcendo para que já tenham reparado o estrago das obras, e que a Prefeitura tenha desistido desse projeto insano de canibalizar essa área tão linda.

1 comment:

Anonymous said...

O Caetano está com uma cara seríssima nesta foto, contradizendo as cores tão chapadas e alegres.