30 January 2008

o ovo da serpente


Parece uma coisa normal. Uma coisinha engraçadinha. Pra gente achar bonitinho e rir. Brincadeirinha. Penduradas num camelô do Largo da Carioca (tem tb em outros lugares, mas é lá que passo constantemente). Umas camisetas de criança (tem tb pra adulto, mas esta era pra criança) escritas na frente SALVE GATINHOS e atrás AFOGUE OS FEINHOS.

Democracia é assim, qualquer um pode externar seu ponto de vista. Dizer qualquer coisa. Mas... esta frase é democracia?????? Isto é puro nazismo, totalitarismo. Como pode uma camiseta destas vender? quem compra? afogar é matar. Matar os feios? a criança que veste uma coisa destas, dependendo da idade, nem sabe ler ainda, é inocente na história. Ou os que já sabem ler... andar por aí achando justo afogar os feios... Que mãe compra isto? que pai? quem compra? com certeza devem se achar bonitos. O filho pode ser um monstrinho de feio (mas como são os pais, não acham, pois o pimpolho é carne da mesma carne, nasceu deles...). Eles nem ventilam a hipótese que um louco na rua pode achar que a criança é feia, lê aquilo escrito em sua camiseta- afogue os feinhos- e vai seguir à risca??? ou então alguém olhar e começar a rir pelo absurdo da situação????

A versão de adulto, além de nazista, é também machista, com um -salva gatas- na frente. Atrás- afogue as feias. Pode ser que eu esteja errada, mas deve ter sido um homem que bolou este pensamento genial, porque não vi nenhuma versão pra mulher.

A camiseta (T-shirt) é originária dos Estados Unidos, era indumentária do povão, trabalhador, operário, mas foi nos anos 60 que ela se glamourizou e se universalizou. Pra nós hippies, passou a ter uma nova função: revolucionar o sistema careta conservador da época. Era a nossa arma para difundir pensamentos, ideais, utopias, frases que expressavam nossos sentimentos e nossas ações ("leia na minha camisa"- verso de Baby, de Caetano). Também pintávamos camisetas das maneiras mais criativas: imagens pintadas à mão, ou com várias técnicas (por exemplo, aquela em que enrolávamos uma camiseta e amarrávamos com barbantes, mergulhávamos a dita cuja na tinta guarany, depois era só secar e tirar os barbantes, e pronto: uns desenhos lindos, concêntricos, verdadeiras mandalas. Também com cera (batik) e tantas outras técnicas que aprendíamos ou inventávamos.

Trinta anos depois, e me deparo com esta camiseta nazista. Vendendo ali ao ar, livre ao léu.

Uns dizem- que bobagem diana! é uma brincadeira! Não é pra ficar irada deste jeito! Não se deve levar isso tão à sério!

Não acho. Isto é o próprio ôvo da serpente. Vemos o ôvo, branquinho, aparentemente inofensivo, mas dentro dele se esconde o que há de mais perigoso. É como no começo da ascensão de Hitler. Ninguém acreditava que fosse dar no que deu. Debochavam dele. Uns diziam que era um palhaço. Só uns poucos previam o horror que acabou sendo. Hanna Arendt (to lendo a biografia dela, depois vou comentar aqui em outra ocasião) foi uma desses poucos.

E o germe tá solto por aí, vivinho da silva. O neo-nazismo tá forte na França, Alemanha, o fascismo na Espanha, EUA, Inglaterra, e não pensa que aqui no Brasil a gente escapa não. Esta camiseta é um pequeno detalhinho, mas é a tal coisa- o ôvo da serpente. Senão o que é a atitude destes rapazes de classe média espancando empregada, pondo fogo em mendigo, e por aí vai????? e tem mais...

Todo cuidado é pouco.

4 comments:

Ricardo Moreno de Melo said...

Pois é Diana, ocorrências como esta faz com que a gente se pergunte: a democracia deve permitir que grupos se articulem em torno de idéias que atentem contra ela? Ou em outras palavras: a democracia admite o seu oposto. Eu creio que deve haver limites, sim. Não creio que seja exagero pensar que frases como esta (afogue os feinhos), seja uma espécie de pensamento que legitima a barbárie, no mesmo momento em que cria um "caldo" de cultura nazi.
Temos que estar vigilante quanto a isso. Outro dia um amigo me contou uma história sinistríssima que aconteceu com o Leo Bassi, palhaço italiano radicado na Espanha. Este artista sofreu ataques violentos, inclusive uma tentativa de colocação de bomba no teatro onde ele estava em cartaz, pelo fato de na sua peça "atentar" contra o dogma da virgindade de maria. Ele escreveu sobre isso o texto muito interessante, no qual discorre sobre a intolerância, o obscurantismo, o fascismo e outros que tais. O ponto alto do texto, na minha opinião, é quando ee alerta para o fato de que determinadas conquistas laicas nas sociedades contemporâneas, nos parecem como coisas dadas e não como processos. Como se fosse assim algo que não pudesse retroceder. Creio, concordando com o palhaço, que essas conquistas têm que ser preservadas. Vide recentemente o caso da ministra criacionista. Não deixa de dar um sustuzinho, não é?
Enfim, é isso! parabéns pelas posições lúcidas.

Yelloweesa said...

Terrível! Acho que vc deveria mandar esse texto p/um jornal, se possível com foto. Vc tem toda razão, o diabo é sorrateiro, se infiltra e cria uma imagem aparentemente tola e imbecil mas ali planta sua erva daninha, o ovo da serpente. No site da CBN, tem um "quadro" chamado "Leitor Repórter", onde qualquer um pode escrever algo que será apreciado e constatado, caso necessite, e depois publicado. Mas esse assunto merece muito destaque. Que tal mandar para Cora Rónai? Bjs e como vc disse, todo cuidado é pouco, atenção!

dianadasha said...

Amigos, resumindo o "enredo": mantermo-nos bem informados e nunca acreditar que esta luta não é nossa, porque é.

lll said...

Chega a ser assustador. Maldita segregação e maldade que brota em formas singelas.