16 January 2008

medo de tempestade


Sempre que vem uma tempestade lá no horizonte se achegando, no calor do verão, fico apreensiva. Antigamente era muito mais. Quase não fico agora, mas ainda fico um pouco. É dos raios que não gosto, apesar de ficar fascinada com sua beleza. São tão lindos, tão imprevisíveis, tão radicais, tão violentos, tão assusstadores. Não é raro eu ler sobre gente morrendo de raio caindo, e eu me impressionando com o absurdo de uma morte assim. Assim como ser pegado de surpresa num barco no meio do mar. Ou num campo aberto. Ou numa rua afastada sem ter onde se abrigar. Sem ter pra onde correr. Um dos cenários de meus pesadelos. Conheci um rapaz que morreu no alto de uma escada, consertando o telhado de sua casa. Dizem que ficou que nem carvão. Mas tem casos loucos como aquele que é contado no livro Alucinações Musicais, de Oliver Sacks: um cara virou um pianista virtuosíssimo depois de ser atravessado por um raio, sem nunca ter estudado ou se interessado pelo piano antes!!!! Como saber o que nos espera, se nos arriscarmos a por esta experiência: a morte ou o estrelato??

Minha mãe foi uma camponesa russa morando nos States até os 18 anos, e ela respeitava estes deuses. Mais que respeitava: morria de medo. Quando eu era pequena e vinha uma tempestade durante a noite, eu e Lili minha irmã do meio, éramos acordadas e a família ia toda pra sala. Púnhamos os nossos congas (nome de uma marca de tênis da época) que tinham sola de borracha (ela dizia que isolava a eletricidade), e sentíamos tão seguros ali na sala abraçados aos nossos pais.

Talvez daí tenha nascido o meu medo. Eu tinha muito medo. Ficava muito tensa. Fechar janelas, que a faísca poderia atravessar a sala em direção de um metal ou espelho. Esconder metais e espelhos. Jamais tomar banho numa hora destas (a água atrai). Nem pensar em pegar numa tesoura ou faca. E morávamos num prédio na Rua Paissandu, no Flamengo, numa área urbana!!!!

E na Lagoa das Lontras, nosso sítio em Miguel Pereira? a casa ficava no mais alto morro, e dalí descorria-se uma vista esplêndida de 360 graus. Quando ouvíamos de longe aquela trovoada, bem ao longe ainda, pronto! acabava-se a alegria e nos preparávamos para o pior. Quando passei a beber, era o sinal pra eu correr pra venda e comprar uma garrafa de cachaça e voltar correndo. Às vezes, ficava ali mesmo na venda bebendo, achava mais seguro do que lá encima nas nuvens.

Ali, quem não tinha medo de raio passava a ter, porque ficávamos dentro da nuvem, tão pertinho do apocalipse. Aconteceu com vários amigos meus. Os estalos eram terrificantes, e raio e trovão eram quase simultâneos, clarão e estrondo medonhos encima da gente. Um horror, mas belo visto de longe. Força da natureza em toda sua grandeza.

Colocar um pára-raio encima da casa? havia controvérsias à respeito. Uns diziam que protegia, outros que era pior, assim atraía o raio pra casa direto. Bom mesmo era ter um há uns 10 metros afastado. Melhor ainda, ter árvores altas por perto. Bem, árvores altas nós tínhamos, e depois meu pai resolveu por um pára-raio perto da piscina, e não é que caiu um ali, deixando tudo chamuscado em volta, e uma marca em linha reta atravessando a dita cuja!!!! Ainda bem que não estávamos lá neste dia pra presenciar.

E as árvores ao lado da casa? as casuarinas que cantavam ao vento? volta e meia uma era atingida, virava carvão e morria, tendo que ser cortada.

Mas tudo isso ficou pra trás no tempo, são névoas de um passado feliz. Lagoa das Lontras não existe mais, não fico mais de porre por causa de uma tempestade, nem por causa de mais nada. Nem visto tênis pra isolar faísca. Posso agora ficar meio apreensiva, vou prum lugar seguro, mas tá tudo controlado. O que me fez escrever sobre isto tudo é outra história: tenho um gato que MOOOOOOOORRRRRRRE de medo de tempestade. Ismael. É um nome forte pra gato, mas na hora da tempestade ele vira um gatinho... Quando ele nasceu, eu já havia dominado o meu medo. Ou será que ele sentiu lá no fundo de mim o pavor em estado bruto que eu tentava domar? sei lá... só sei que quando rola o primeiro trovão muuuuuito longe ainda (ele ouve antes de mim!!!! fico sabendo que vem coisa por ele), ele começa a soltar um uivo triste, repetidamente, e se estiver dentro de casa, corre pra debaixo da mesa, onde tem uma viga e fica lá imóvel, chorando, de cabeça baixa. Rezando pro Grande Tigre talvez. E de lá não sai, chorando o tempo todo. Quando está lá fora, vai pra dentro de um caixote, ou atrás da máquina de lavar, algum lugar protegido e chora chora chora. Morro de pena, ponho ele no colo, e canto sua música pra ele. Cada gato aqui tem uma música. A dele é a melodia de Edelweiss do filme Noviça Rebelde, com uma letra minha que diz (eles adoram quando ouvem seu próprio nome):
Ismael Ismael
é um gato valente
Ismael Ismael
é meu gatinho fiel

E assim bicho e gente se consola.

1 comment:

Yelloweesa said...

Só vc mesmo para me fazer rir com essas estórias! A música do Ismael, essa é ótima! E acho que vou rezar tb para o Grande Tigre!!! Demais, Diana! Mil beijos para vc.