15 January 2007

Revista da Musica Popular II


Continuando sobre a Revista de Música Popular: não era exatamente uma publicação com idéias vanguardistas. Muito pelo contrário, a Revista tinha um quê nostálgico, um sabor nacionalista; pregava que a melhor e verdadeira música brasileira era a do passado, torcendo o nariz para a influência americana, violão elétrico etc. Eis um texto de Ary Barroso chamado DECADÊNCIA, que dá uma idéia de como eram as opiniões da moçada. São frases uma embaixo da outra, numeradas de um a dez (que nem os dez mandamentos!!!!!):

DECADÊNCIA

1
Antigamente não havia "gramática"em samba. E todos o entendiam.
2
Antigamente não havia "acordes americanos"em samba. E todos o entendiam.
3
Antigamente não havia "boites", nem "night clubs", nem "black tie". E o samba andava pelos "cabarets", humilde e sem dinheiro.
4
Antigamente não havia "fans-clubs". Então os cantores cantavam sem barulho um samba sem barulho, vinda da Penha, único barulho preparatório para o grande barulho que era o Carnaval.
5
Antigamente as orquestras não tinham a disciplina militar das bandas, porque eram bandas autênticas sem pretensão a orquestra. Então o samba saía sem pretensão, mas gostoso.
6
Antigamente o "compositor" não era compositor; era veículo sonoro de suas emoções. Então o samba saía à rua vestido de brasileiro, gingando como as "porta-estandartes"dos ranchos.
7
Antigamente não havia parceria de cantores, empresários e "veículos". Então o cantor cantava: não impingia.
8
Antigamente o teatro era o palco dos triunfos populares. Então, o samba vinha da Praça Tiradentes para a cidade e depois para o Brasil.
9
Antigamente samba era uma coisa, hoje é outra...
10
Decadência!
Decadência!
Decadência!

Não é uma preciosidade? e é engraçado, porque Ary ficou apaixonado pelo EUA quando ele foi visitar a Carmen, elogiar tudo que via e experimentava. E certamente ganhou muito dinheiro com suas músicas lá, além de ser um amante do jazz... mas mesmo com todo esse preconceito e mau humor, a Revista trazia em todos os seus exemplares, artigos super-abrangentes do Jazz americano - o tradicional é claro, como esclarece este pequeno texto, que parece se desculpar de dar tanta importância a um estilo estrangeiro de música: "a Revista Musical Popular não tem igrejinhas; só tem um tabu: o que é bom é bom e pronto (minha nota: e quem é que decidia por todos o que era bom ou não????). Daí não considerarmos, a não ser para meter o pau, qualquer música rotulada de jazz que fuja aos legítimos ensinamentos da única fonte autêntica do Jazz, New Orleans e os negros de outras cidades americanas que nela se embebedaram".

Quem escrevia os ótimos artigos eram Jorge Guinle, José Sanz e outros, e vinham com fotos e informações sobre lançamento de discos americanos na coluna -Um Disco Por Mes- e também havia uma seção regular -Dicionário de Marcas de Disco- em que eram citadas as marcas do mundo inteiro -Cafamo (mexicana), Betler (espanhola), gregas, colombianas, marcas que nuncantes eu havia ouvido falar- uma pré-globalização!!!! E de vez em quando escapulia um artigo como -Dizzy Gillespie no Rio- e -Ascenção de Gershwin- Onde mais buscar estas preciosas informações se não fosse na Revista de Música Popular???

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